Pretérito imperfeito

Já que com a tecnologia avançada do jeito que está vou fazer algumas exigências: quero voltar da escola as 11h30 da manhã e assistir meu episódio inédito de Flashman por que logo depois vai passar Changeman e todo mundo vai vibrar quando eu contar, já que eu sou o que mora mais perto da escola e ninguém chegou a tempo de assistir, apenas eu. Depois quero passar na padaria e encher meus bolsos de chicletes Ping Pong e Ploc para pegar as figurinhas e fazer uma super tatuagem nova. Em seguida, vou chamar a minha prima para assistir o canal TVS (que hoje é o SBT) porque vai passar um super desenho do Kissyfur e não podemos perder. Quando chegar o final da tarde eu vou colocar o meu tênis Bamba azul e dar uma volta pelo bairro, me sentindo o maioral da turma, porque só eu tenho esse calçado, e com ele eu posso correr atrás de todos os pirocópteros da molecada da rua que estão por ali. Quando a noite cair, eu irei voltar pra casa e assistir aqueles episódios horríveis do Juca Chaves que passa na TVS antes de começar a Pantera Cor de Rosa e depois dormir para começar tudo outra vez no dia seguinte. Quando o dia amanhecer eu vou pra escola com o meu tênis Redley novinho que meu pai me deu de presente, e vou mostrar pra todo mundo que eu tenho um minigame novo, daqueles que ninguém ainda tem, e matar todo mundo de inveja, já que hoje terá uma apresentação da turma da Xuxa na escola e eu não posso faltar. Logo agora que minha mãe foi me levar e na ida comprou aquelas garrafinhas de Pepsi com tampa de metal e colocou na minha lancheira um sanduíche horrível, mas graças a Deus colocou no bolso da minha calça jeans uma nota de quinhentos cruzeiros pra eu comprar um lanche na cantina. Quando eu voltar da escola e meu pai que foi me buscar apertar tanto a minha mão a ponto de quase quebrar porque eu errei a tabuada de sete, minha mãe vai fazer bolinhos de chuva enquanto eu vejo um arco-íris se formar no céu, porque choveu muito e agora o mormaço está matando todo mundo de calor e esperar. Logo depois minha prima vai me ensinar como se faz sexo, coisa que eu só vou aprender muitos e muitos anos depois. Minha aula será no sofá da sala, enquanto minha avó fica pela cozinha fazendo alguma coisa pra comermos, porque ela com seu dom maternal e natural quer que fiquemos fortes e saudáveis. E agora que eu posso realizar tudo que quero com a ajuda da tecnologia, quero voltar a casa da minha tia em Brasília, onde meu pai vai me comprar uma pipa para eu e meu primo nos divertimos no dia seguinte, mas antes vou colocar uma carta no correio para aquela menina que eu amei e que mora longe, e esperar mais de uma semana pela resposta que virá num envelope personalizado e com as letras da carta manchadas do perfume dela e cheio de pedacinhos de flores que ela mandou pra mim.  E logo em seguida eu vou terminar esse texto saudosista e ver que me tornei adulto e que tudo aquilo que vivi, e fiz, foi apenas algo muito, mas muito comum. Coisa que hoje não existe mais. Ahh 1987! Saudades...

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