O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

As horas

Érica está com pressa, está longe de casa. É noite de domingo e ela precisa acordar cedo na manhã seguinte. Liga o computador para checar e-mails, duvidando que haja algo importante. Afinal, é noite de domingo. Não há novos e-mails. “Melhor assim, posso dormir logo”, ela pensa. Mas há uma pequena luz vermelha num dos três ícones ao lado da logomarca do seu Facebook. Alguém solicita sua adição. As mãos tremem quando vê a foto do Pedro. Já se passaram dois anos, e ele continua exatamente igual, o tempo parece não ter passado para ele. Ela não pensa duas vezes, clica em “Confirmar”, não porque sente falta, mas porque se sente superior agora. É impossível esquecer o passado, ela sabe bem, e agora que confirmou, não consegue entender o porque disso. Os sentimentos de “traidor, mentiroso, cínico e dissimulador” já a abandonaram faz tempo. Pedro está online, e começa uma conversa, relembrando sempre os bons momentos e tentando não se esbarrar nos momentos perversos. Pedro terminou o namoro faz pouco tempo, e Érica parece ser a bola da vez. Outra vez. Ela sabe que as coisas são diferentes agora, mas algo lhe diz que se tentar novamente tudo pode acontecer novamente, e os fantasmas sempre voltam, ela sabe bem.  Mesmo assim, resolve dar uma nova chance. Olha no relógio que já marca 0:43. Desliga o computador e dorme. Segunda-feira. Fim de tarde. Érica e Pedro se encontram no antigo local onde costumavam se encontrar antes do céu trincar e despencar sobre sua cabeça, tempos atrás. E num movimento rápido, os dois se fundem numa mistura de suor, saliva e saudade. E a cena se repete, todos os dias da semana. Érica está feliz. Apesar de saber que nunca mais irá amar aquele homem outra vez, ela está feliz, pelo simples fato de ele estar ali, e acordá-la todas as manhãs com um telefonema que fará seu dia ser ainda mais especial. Os dois caminham alegres e tranquilos pela rua, quando Pedro solta sua mão. Começa a revirar os bolsos atrás de algo que não existe. Olha desconfiado para os lados, e sugere que virem numa rua. Segura a mão de Érica que não vê nenhuma anormalidade nisso. “Você lembra do Tavinho?”, ele pergunta, e ela, bom, claro que ela se lembra. “Passou por nós agora a pouco você não viu?”. Não, ela não viu. Ela não vê mais ninguém que não seja o Pedro. Ele precisa ir, tem aula a noite, mas marcam de se encontrar no final de semana para um jantar simples e um passeio, só os dois. Sábado. Sete e meia da noite. Shopping Ibirapuera. Érica se senta e espera. E espera. Já são oito da noite e ele disse que estaria lá as sete. Telefona para saber se está tudo bem. A chamada é interrompida no terceiro toque. Pedro não quer atender. Não retorna, não envia uma mensagem. Pedro não faz nada. Érica não entende e volta para casa, sem entender o que está acontecendo. Mas ela sabe. Algumas coisas nunca mudam. Érica não vai telefonar de volta, não quer saber o que aconteceu, não está com raiva, apenas quer esquecer o que aconteceu. Como toda pessoa normal que gosta de outra, ela se pega pensando em bobagens e faz todos os tipos de análise sobre tudo que pode ter acontecido. Então seu telefone toca. É Pedro, que conversa com ela sem sequer mencionar o episódio passado. É outra pessoa, está estranho, frio, calculista, como se outra pessoa estivesse ali, usando-o como uma roupa. Roupa Pedro. Dias se passam e ele não liga mais. Ela não telefona. O remendo parece ter perdido a cola. Já se passou uma semana, e Érica não tem notícias dele. Quarta-feira. Hora do almoço. Pedro está parado na frente do prédio onde Érica trabalha. Quer conversar. Não quer perdê-la outra vez. Quer fazer as coisas certas. Quer mostrar que mudou e que agora está seguro e confiante e que só ela o pode fazer feliz, e todo aquele blá blá blá dos homens que aprontam e querem voltar atrás e consertar o seu erro. Érica cai na armadilha outra vez. Marcam para sair naquela mesma noite.  Novamente às sete da noite. Ela olha no relógio. Oito e quinze, e nenhum sinal do homem que vai deixá-la esperando mais uma noite. Ela telefona, ele não atende. Ela tenta novamente. Só ouve a mensagem que o telefone está desligado. Érica não entende o comportamento desse homem que já diz ser adulto, mas que age assim, tão infantilmente, jogando com o seu coração e a tratando de forma tão leviana. Quer chorar, mas não consegue. Queria colocar para fora tudo que está sentindo, mas é incapaz. Fica imaginando se Pedro tem algum tipo de esquizofrenia que o faz ter dupla personalidade, ou se são múltiplas personalidades, mas sabe que não é isso, ele apenas é um idiota. “Um idiota enganando outra idiota”, ela pensa. Nasce mais um dia e o telefone celular a desperta com o som de uma ligação. Ela está com sono, não vê quem está ligando assim tão cedo, e atende. É Pedro outra vez, pedindo desculpas por não ter ido, e que agora as coisas serão diferentes, e que ele vai fazer de tudo para que fiquem juntos, coisa que ela sabe que jamais irá acontecer. Ela duvida. Pedro tem a missão de bancar o advogado do diabo, e convencê-la que tudo conspira contra ele, os pais, os amigos, a sociedade, mas que “dane-se tudo Érica, eu quero ficar com você”. Nos dias seguintes, ele a agrada com todo tipo de coisas que as mulheres gostam. Está tentando mostrar a ela e ao mundo que agora é outra pessoa, um homem com uma missão. Érica vive num mundo de ilusão, na esperança vazia de que ele mude de verdade, e tem certeza que podem sim construir algo muito especial juntos, mas sabe no fundo do seu coração que sua certeza te trai. Sexta-feira. Noite. O boliche está marcado para as sete horas, e Érica está sentada numa mesa, esperando Pedro chegar. Dessa vez vai funcionar, porque Pedro, agora é um novo homem. Ela olha as horas. Sete e meia. Parecem passar horas e horas. Sete e quarenta e cinco. Ela faz um pedido, está com fome. Oito e vinte. Olha para os lados. Nenhum sinal. Pega o telefone e liga para Pedro. O telefone está desligado.

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