O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

Uma resposta

Há dois meses eu estava em viagem de férias na casa dos meus pais, e de repente me lembrei que quando eu ainda morava lá, havia no meu antigo quarto, uma abertura no forro de pinus, que dava acesso à fiação da casa. Coloquei uma cadeira por sobre uma mesa e removi a tampa, lá no alto havia ainda aquelas enciclopédias antiquérrimas do meu pai e uma caixa que eu havia colocado lá e nem me lembrava que existiam. Eu tenho a mania de arquivar tudo que eu vejo. Contas, cartas antigas, cupons de supermercado, ingressos de cinema, tudo. É um hábito antigo. E quando o mundo ficou digital, tudo foi arquivado em emails e discos virtuais: conversas de MSN, antigos emails, fotos e recados que as pessoas mandavam (e depois diziam que não tinham sido elas), tudo está devidamente registrado. Encontrei umas cartas antigas, eu tinha dezesseis anos na época, o ano era 1996. Eram cartas da minha primeira namoradinha, a Marina. Na verdade, a gente nem sabia o que era isso na época, então posso dizer que foi meu primeiro amor, minha paixonite de aborrescência. Anexado à carta dela com um clips, estava a minha resposta que nunca cheguei a enviar e agora não me lembro o porquê. A carta dizia que ela estava feliz por estamos juntos, e que nada nesse mundo iria nos separar, que ela queria envelhecer do meu lado, e ter filhos comigo quando chegasse a hora. Muito bonitinha a carta, confesso que novamente me emocionei. Por isso, agora, quase quatorze anos depois quero responder sua carta.

“Querida Marina*,

Só agora quase quatorze anos depois é que decidi dizer o que eu sentia por você. Você foi para mim o que eu achava que era uma namorada, era a menina que eu dormia e acordava pensando. Você despertou em mim um tremor novo, a primeira emoção do que mais tarde vi que chamavam "amor". E jamais me esqueci, do seu medo de altura quando passávamos por aqueles viadutos quando eu ia te pegar na escola, nem daquelas tardes que ficávamos na sua casa, conversando sobre tudo e sobre nada, e também não me esqueço daquela noite que seu pai chegou em casa e quase nos flagrou naquela maior pegação e eu tive que ficar escondido atrás da porta do seu quarto, até ele entrar no banheiro e eu escapar fugidio. Aquele foi um momento que ficou registrado na minha cabeça pelos últimos quatorze anos. Você nervosa com aquela blusinha cor creme mostrando os peitinhos cada vez mais excitados, seja pela pegação ou pelo perigo, nunca cheguei a saber. Nunca mais nos falamos depois disso Marina e então passamos a viver nos nossos mundos distantes e paralelos. Sei que deve ter sido feliz e que talvez tenha tido um monte de outras aventuras diferentes, embora jamais tenha se casado (sei porque um amigo me falou). Tenho saudade e inveja daquelas nossas tardes de 1996 onde tudo parecia tão calmo e tão à vontade e não tínhamos nenhuma das preocupações que hoje temos que ter, agora que nos tornamos adultos. Mas não reclamo, afinal, me casei, tive dois filhos e então me separei. Tive um monte de amores de todos os tipos imagináveis, mas acabei me conformando que minha sina era e sempre foi continuar só. Chorei várias vezes, de alegria, outras de dor, outras de desentendimento, mas acabei percebendo que essas lágrimas, se vão muito mais rapidamente do que imaginamos. Tão rápidas como aquela florzinha que um dia você me deu e eu embrulhei num lenço de pano, e que ficou guardada comigo durante quase dois anos, e assim que você viu, jogou fora imediatamente. Bons tempos. Beijo enorme e atrasado pra você.”

* O nome foi trocado, obviamente.

Cidade Maravilha

Sempre tive vontade de conhecer o Rio de Janeiro. Desde pequeno. A gente que vive em são Paulo sabe que quase não dá pra fazer muita coisa que saia do eixo casa-trabalho, às vezes, mesmo nos finais de semana. E quando o cara é como eu que trabalha que nem formiga, aí é que a coisa fica complicada mesmo. Mas naquele sábado não. Eu ia conhecer o Rio de qualquer jeito. Não importava se fosse sozinho ou acompanhado, com chuva ou sol, de ônibus, carro ou avião. Se fosse preciso, até com meu skate eu iria. Cheguei e a horrível temperatura de vinte e sete graus às seis e meia da manhã me recebeu de braços abertos. Entrei no hotel mais punk que encontrei, liguei o ventilador no máximo e me joguei na cama. Dormi três horas e levantei com a disposição de um atleta. Não tinha a menor idéia do que fazer ou de para onde eu deveria ir. Entrei num ônibus que vai para o Méier e me senti como Ed Motta. Desci no ponto do Maracanã, quando na verdade queria mesmo ir era para São Januário, reduto do meu Vascão. Visito o estádio ignorando a cara feia dos flamenguistas me olhando torto, eu com minha camiseta do São Paulo. O tempo está firme e agora quero ir para o Cristo. O segurança então me “ishplica” o roteiro e cinco minutos depois estou no metrô. Meu estômago dava voltas, meu nível de adrenalina lá em cima. Sento em um dos bancos do metrô, ao lado de uma loirinha linda. A mais linda que eu havia visto até então este ano. Ela me diz que se chama Cínthia e que mora no Leme, enquanto eu não paro de reparar aqueles olhos muito verdes atrás de um par de lentes com aro violeta. A conversa flui numa boa, mas é que nem naqueles sonhos que a gente raramente tem e se diverte; justo na melhor hora o despertador resolve trabalhar. No meu caso foi a estação. Quase resolvo ir até o Leme com ela e depois voltar. Mas minha cota de aventuras já tinha ido longe demais para um só dia. Salto me amaldiçoando por não ter pegado um telefone ou seu email. Tardiamente vem aquele “click” e eu volto para o vagão, mas o trem fecha as portas e segue em frente. Maldito. Perguntas ali, informações aqui e agora estou nos pés do Cristo. Entro numa daquelas vans do Cosme Velho e me jogo no banco de trás. Um grupo de quatro moças chega em seguida. Depois três franceses. Lá no alto, no Mirante, uma mão toca meu braço: “Moço tira uma foto da gente?”, uma delas me pergunta e eu obedeço prontamente. Elas se juntam numa pose e eu tento parecer gentil: “O que vão querer? Corpo todo? Só dá cintura pra cima?”. O tempo fecha e começa a chover. Caramba, logo agora? Chegamos lá em cima no Cristo e o que dá pra ver da Baía de Guanabara é apenas um borrão escuro do Pão de Açúcar. Nos decepcionamos mas o passeio tem que continuar. Nos despedimos lá em baixo no Cosme Velho e trocamos telefones. Mas meu queixo ainda estava caído por uma delas, que agora conversa comigo de um jeito tão fácil e tão à vontade que parece que já nos conhecemos há muito tempo. Coincidência ou não, as quatro entram no mesmo ônibus que eu. Eu já estava lá atrás quando ouço: “Handerson, venha ficar aqui com a gente”. Quase não acredito. Saímos dali e fomos para São Cristóvão. Ela se senta do meu lado no restaurante e todo mundo conversa e se diverte. Fotos, histórias, risadas. Ela quer saber o que significa os números tatuados no meu pulso direito e claro que eu ia fazer charme. Não conto. Tiramos fotos juntos, todos nós e agora está ficando tarde, está na hora de nos despedirmos de verdade. Desço na Candelária e sigo para o Hotel. Horas depois acordo na minha cama aqui na Zona Sul de São Paulo sem saber se tudo aquilo foi mesmo real ou se não passou de uma das minhas paranóias. Talvez um delírio.

Nota: Quero aproveitar para agradecer profundamente o pessoal do Rio, que me ajudou dando informações mais que precisas. Povo alegre, sorridente, caloroso, com sangue nas veias. Agradeço ao comandante lá no Maracanã que me “ishplicou” calmamente o roteiro para chegar ao “Crishto Redentor” umas três vezes com uma paciência de Jó, quando meu cérebro retardado não gravava muita coisa (gostaria de ter tirado uma foto com ele). Agradeço também à Cínthia, do Leme, que me auxiliou muito além de me proporcionar uma viagem maravilhosa no metrô. Ao segurança no elevador do Cristo, que esconde que torce pro Vascão pra galera não zoar e que pacientemente lidou com a minha câmera idiota, tirando fotos minhas com as meninas de Taboão da Serra que eu conheci lá no Mirante. E todos os que indiretamente me auxiliaram nesta viagem muito mais que utópica. Muito obrigado!

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