O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

O Reencontro

Aeroporto Internacional de Brasília, 10h57. O Air Bus 737-300, vôo JJ4362 aterrissa em meio à forte neblina, enquanto Edgar leva instintivamente a mão ao bolso interno do blazer e saca o celular para chegar ligações, torpedos e toda aquela parafernália tecnológica da atualidade. Pelas regras que ouviu a pouco mais de uma hora, deve permanecer com o aparelho desligado até que a aeronave pare completamente, mas ele ignora. Há uma ligação perdida, um número desconhecido, que ele não pensa em retornar e investigar. Sabe que se for algo relevante a pessoa telefonará outra vez. A bagagem demora a surgir e o telefone toca. Edgar não reconhece aquela voz a princípio e como num passe de mágica, tudo se torna claro ao ouvir o nome daquela mulher. É Débora, quinze anos depois. Palavras triviais e cumprimentos de praxe, típico das pessoas que um dia se amaram e que por uma ironia metafísica, se afastaram. A falta de assunto é notória, afinal, muita coisa aconteceu nesse tempo, mas apesar do desconforto e da perplexidade, marcam de se encontrar naquela mesma noite. Outback Steakouse. Conjunto Nacional. Brasília. 21h12. Débora está radiante naquele sorriso que não envelheceu nem um único dia. Edgar está fora do eixo, não consegue entabular uma conversa descontraída, tantas são as perguntas acumuladas em sua mente agora catatônica. É inevitável não esbarrar no passado, em tudo que foi, tudo que deveria ter sido, tudo que havia sido planejado. Edgar lamenta por tudo. Débora também. Dizem coisas que nunca irão esquecer. Ela conta que sentiu a falta dele. Ele diz o quanto foi difícil conviver com a ausência dela. Ela diz que sente ciúmes por não ser ela a mãe dos filhos dele. Ele questiona o por que da fuga dela, o por que ela não o procurou, e uma série de tantos outros por quês. O ambiente é próprio para um reencontro: luzes difusas, boa comida, barulho, pessoas que estão ali, mas completamente alheias à existência daquele casal. Na mesa ao lado, três adolescentes conversam distraidamente e Edgar pensa que eles nem sequer haviam nascido quando a separação dele e de Débora aconteceu. O tempo é um poderoso equalizador. Uma música suave, “Somewhere over the rainbow”, quase inaudível em meio ao burburinho, e Débora estica o braço sobre a mesa. Edgar segura sua mão ao mesmo tempo em que olha aquele rosto tão familiar, olho esquerdo, olho direito, boca. Um triângulo capaz de dizer numa melodia silenciosa todo aquele sentimento que ficou reprimido, trancafiado anos atrás. Débora tira a mão displicentemente, fingindo um gesto, e Edgar percebe. E enquanto a noite segue entreolhares, o assunto acaba e ambos sabem o que devem fazer. Ela sugere que devem esticar a noite, uma vez que estará só em seu apartamento e Edgar, bem ele não tem nada para fazer no dia seguinte. Saem do restaurante e Edgar pensa em dezenas de hipóteses e situações. Apesar de não sentir mais nada do que sentiu por aquela mulher, sua companhia é agradável, ele quer segurar sua mão, mas se contém. Chegam ao carro dela, ele encosta. É hora da verdade, e se tudo aquilo que ela acabou de dizer nas últimas horas for mesmo verdade, ela irá retribuir o abraço e ficar ali naquela posição por vários minutos, ambos apenas sentindo o cheiro um do outro, sem que nada precisa ser dito. Edgar passa as mãos pela cintura da mulher que um dia ele amou e se desesperou. Débora não corresponde, apenas diz que só foi até lá para conversarem, e “por favor me solte”. Edgar solta porque sabe reconhecer uma causa perdida e sugere que entrem no carro. A noite acabou. A conversa é arrastada no interior do veículo e assim como as pessoas que não querem ou não tem nada a dizer, conversam sobe o tempo, o clima, geografia e toda aquela baboseira inútil naquele momento. A tensão é alta, quase material. Chegam ao destino. Edgar a segura pelo rosto e beija-lhe a face ao que ela nem mesmo tira as mãos do volante. “Essa sou eu, a mesma pessoa de tantos anos atrás”, ela diz como se pedisse desculpa para si mesma. “Você continua exatamente igual”, Edgar diz com um sorriso forçado. Ele se despede, quer sair logo, ao que ela questiona: “Está tudo bem?”. Outro sorriso forçado. “Está sim, desculpe, foi apenas um engano”, ele diz. Bate a porta do carro e desaparece na escuridão da noite.

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