O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

Próxima estação: Luz

Domingo, vinte e dois de fevereiro. Triple Two. Os convites para o teatro dali a algumas horas com a minha namorada estão sobre a cama. Tudo está arrumado, nada pode sair errado. Os candelabros já estão com as velas para o jantar de mais tarde, assim como também o vinho. Basta meu telefone vibrar para eu saber que tudo está sob controle. Finalmente o aparelho toca, mas é outra pessoa, um engano.
As horas passam, tenho que fazer alguma coisa para driblar a ansiedade. De repente, uma batida na porta, meu coração vai a quase duzentas batidas (por segundo ou por minuto?). É meu vizinho. Gasps, desatinos e blá blá blá. Preciso sair daqui. Meu telefone irá vibrar alguma hora e se estiver longe, pego um taxi e volto.
Saio sem ter a mínima noção de para onde estou indo. Minutos depois estou em frente ao Shopping Ibirapuera e entro para comprar algo para ler. Acabo comprando um Pocket Book chamado “Pretend you don’t see her” sem ter certeza que irei conseguir ler aquele livro em inglês. Saio da loja e quando vejo, estou na estação Santa Cruz. Entro no metrô e começo a ler. Tento ler, mas há um grupo de moças falando em alto volume e me perco na leitura que só vai até a página dez. Não consigo ler quando há pessoas perto falando alto, muito menos quando estou lendo em outro idioma. Desisto e guardo meu Pocket Book. Mas a história me interessa: é sobre alguém que presencia um assassinato e tem que entrar no programa de proteção a testemunhas.
“Próxima estação: Luz”, diz o condutor. Fecho o livro e desço seguindo a multidão. Só quero ir para bem longe. Entro no corredor para os trens da CPTM e resolvo ir até Ribeirão Pires sem a menor idéia do que irei fazer lá. Alguém me pede uma informação que não sei dar: sou um estranho ali. Fico preocupado. Dentro do metrô o celular não funciona, e só me resta esperar enquanto subo pelas escadas rolantes em direção à plataforma.
Eu já vi aquele lugar outra vez. Era um dos horríveis papéis de parede do famigerado Windows 98. A subida pela escada rolante está quase no fim quando meu celular vibra no meu bolso. O coração dispara. Palpitações, arrimitia, disritmia, hipertermia. Conheço aquele número. Mas a mensagem vem de outro remetente. É um recado da minha namorada contando o incidente. Leio enquanto minha boca se abre lentamente e o estômago dá voltas. Não posso acreditar no que leio. Olho e vejo o trem chegar, mas estou na plataforma errada. Se eu entrar, vou parar em Guaianazes quando deveria ir no sentido de Rio Grande da Serra.
Meu semblante cai, uma linha de expressão surge na minha testa. Dou as costas ao vagão e desço as escadas rolantes que estão paradas. Chego à base e subo outras escadas rolantes que desta vez estão funcionando. Quando chego na plataforma certa, o trem não está lá. Saiu há dois minutos, eu tinha visto.
Sento então num banco marrom e inevitavelmente uma lágrima rola pelo meu rosto. Uma daquelas bem pesadonas. Não quero mais continuar. Desço as escadarias e entro mais uma vez no metrô.
Desço na estação Sé, muito peculiar e familiar para mim. Na estação há uma clarabóia e o celular vibra mais uma vez. Temor, tremor, estado avançado do meu estupor. Leio a mensagem e olho o emaranhado de placas com suas setas. Olho para a minha esquerda e lá está o metrô que vai para o Corinthians-Itaquera. Odeio Corinthians. Em algum lugar há um alto-falante onde Michael Bublé canta “Home”. Sei que posso ir para onde eu quiser, mas tudo que quero agora, como diz a música, é ir para casa.
Perspectiva: teatro off. Pizza sozinho e filme sem sentido: On. Pizza e refrigerante: 19 reais. Filme na locadora: 4 reais. Amar ainda mais minha namorada depois daquela mensagem: Não tem preço.

Viagens Insólitas


Conheço esse trajeto. Esse caminho é antigo. É o mesmo que eu costumava fazer quase todas as manhãs de sábado. Estou outra vez na estação Socorro, aqui em São Paulo. São oito e quarenta da manhã e hoje é um dia qualquer de 2007, mas eu estou com pressa. Quando entro e me sento em um banco marrom, me pergunto o que estou realmente fazendo ali. O ar condicionado gela minha imaculada camisa branca e eu sinto o gosto doce do gelo.
Meus ouvidos são agraciados pelo som da voz de Marina Elali cantando One Last Cry e eu me pergunto por que os trens não podem ser como os metrôs, três ou quatro vezes mais rápido. A música acaba, mas a função “repeat” já está ativada no meu celular, e assim vou até a estação Pinheiros. De lá, entro em uma lotação que vai até o bairro da Casa Verde, mas descerei bem antes, em uma rua onde há um hotel chamado Filadélfia. O carro faz uma curva e encosto a cabeça no vidro. Durmo.
Acordo no carro do meu pai, aquele antigo Monza prata, seguindo o fluxo dos carros que agora seguem em sentido bairro pela Avenida Estrutural em Brasília. As duas pistas seguem em sentido único. Sentido bairro. De manhã, a companhia de tráfego irá inverter o fluxo e só será possível usar a Estrutural no sentido centro.
Procuro uma boa música no meio daquela babel de rádios de Brasília, pior do que as de São Paulo e paro quando ouço Duran Duran cantar A Matter of Feeling. Olho para o painel do carro. São 19h44min de 11 de agosto de 1997. É a última coisa que vejo antes do carro sair da pista e se chocar contra um poste. O que vi depois foi a poeira. Senti o sangue escorrer pelo meu nariz e em seguida as luzes do hospital.
Acordo oito anos depois numa noite quente em Goiânia quando os termômetros da cidade marcavam 21º C. Calor. Sudorese. Saio para caminhar pela Avenida Tocantins vendo as luzes de natal. Em um carro parado está tocando Lighthouse Family cantando “High”. Olho tudo ao meu redor como se fosse a última vez, prestando atenção a cada detalhe.
Quando a música termina, aperto um botão no celular e tudo vira silêncio na madrugada em minha cama. Respiro fundo e viro para o lado, antes que algum som me leve daqui pra qualquer outro lugar, para outra viagem insólita.

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