O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

Dormindo com o inimigo

“Avenida Interlagos. Apartamento duzentos e três. Zona sul. São Paulo. Uma e vinte e cinco da manhã. Ele chega em casa cheirando a cerveja. É noite de quarta-feira. O futebol na televisão terminou a pouco tempo. A mulher já está dormindo, mas acorda com a barulhada do marido. Pergunta calmamente onde ele esteve e por que chegou assim tão tarde. Ele não responde. Ela se zanga. Chega perto e puxa-o pelo ombro. Ele não gosta. Não pode ser dominado assim pelo sexo oposto. Precisa mostrar quem é que manda ali. Quem é o dono da situação. Violentamente ele se vira e bate com o punho cerrado na cabeça da mulher que cai, atarantada e procura agora se defender em posição fetal dos golpes violentos do animal. Troglodita. Ele se cansa e vai dormir. Ela chora. Ninguém gosta de apanhar, e ela não é exceção. Então, furtivamente ela vai até o banheiro e observa as escoriações. Chora outra vez. Volta para a cama, olha o marido dormindo. Ele parece feliz, dorme tranquilo. Então ela se deita, ele a abraça. Diz que a ama. Beija sua fronte onde agora há uma marca que começa a ficar roxa. E dormem. “ Eu gostaria de ter inventado essa história, mas o detalhe nisso tudo é que foi me contado exatamente assim pela agredida. O que me fode não é o cara que bate em mulher e sim a mulher que aceita. As razões porque ela aceita? Talvez nem ela mesmo saiba. Medo de retaliação? Medo de não ter quem a sustente? Falta de inteligência? Amor? Ou tudo isso junto? Estamos vivendo uma época de retorno à era das cavernas, ao animalesco, ao putrefato. Uma época de retrocesso mental, e virando animais, sociopatas, desprovidos de senso prático e racionalidade, onde os agressores carregam em suas mãos sujas de sangue o peso da violência. E admitem depois nas rodinhas de amigos que eles é que são os senhores da razão, e os purificadores da honra. Para mim são bandidos, e eu não tenho pena de bandido. Para mim tinha que prender esses filhos da puta e deixá-los lá para serem fêmea de detentos figurões. E as mulheres de hoje precisam acordar, saber que tem direitos sim! Que podem mandar esses canalhas pra cadeia sim! E que podem muito bem se virar e se sustentar sem depender de gente assim sim! Minha ex-aluna que me contou a história do começo, uma das mulheres mais belas que eu já vi passar por aqui exibia uma mancha roxa na têmpora, que ela cobria com o cabelo e os enormes óculos escuros. Eu sabia o que tinha que fazer, mas fui tomado de assalto pelo chavão: “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Escutei atentamente, rilhando os dentes sem que ela percebesse, enquanto ela se segurava sem muito sucesso as lágrimas que vertiam de forma copiosa. Caso parecido com o de outra pessoa conhecida no interior de Santa Catarina. E parecido com o da personagem vivida por Julia Roberts no filme Dormindo com o inimigo. A diferença? No filme, a personagem Laura tem coragem e culhão para arquitetar uma fuga e fazer seu corpo machucado descansar. É exatamente isso que falta para muitas mulheres agredidas. Coragem. Coragem para pegar um telefone e teclar 181 e colocar um fim nessa barbárie. A não ser que sejam como aquela personagem de um antigo programa do humorista Chico Anysio que ao ser questionada do por que ela continuava com o marido que a agredia tanto ela dizia: “Sabe o que é? Eu gosto!”. Aí já não há nada mais para se fazer. Caso encerrado. Sem mais argumentos meritíssimo.

De olhos bem fechados

Eu não sei se eu é que sou burro demais, ou se sou detalhista demais ou sofista demais. Ou se vejo coisas onde não existem, ou se simplesmente faço surgir brechas que talvez só existam na minha imaginação, mas o fato é que de tudo eu aprendi a ver os dois lados. E às vezes me resta a sutileza para escolher um desses lados. É por isso que minhas idéias divergem das exegeses pregadas nas igrejas pela catilinária interpretada de certos pastores. E não é questão de ficar dividido entre o santo e o profano, ou entre o céu e o inferno. Eu apenas não entendo. Quer ver? Deus me dá uma inteligência, mas eu não posso usá-la para, por exemplo, interromper uma gravidez de risco ou indesejada (me refiro no caso de estupro). Não pode porque é pecado. Deus me dá uma pessoa para amar e ser feliz, mas eu não posso atingir um nível de felicidade a ponto de usar o meu próprio corpo com a mesma pessoa que eu amo e que foi preparada por Ele, porque primeiro eu tenho que passar por um período de carência, que só Ele mesmo sabe quando serei beneficiado e assinar um papel que me autoriza e me obriga ao mesmo tempo a ficar com essa pessoa para sempre. Mesmo sabendo que o para sempre, não existe e que existe na verdade é uma chance digamos de cinqüenta por cento de eu não gostar mais dessa pessoa por isso ou por aquilo, ou vice-versa, e ter que viver (ou seria conviver? Ou os dois?) com essa pessoa, detalhe, infeliz, até que a morte nos separe? O que tenho observado nesses primeiros trinta anos de vida, é uma mudança muito brusca no comportamento de digamos “ex-devotos”. O que antes não podia, porque era pecado, condenado a ficar a eternidade toda nadando no tacho do capeta, agora é visto como “normal”. E junto vem o sentimento de “tirar o atraso”, correr atrás do prejuízo, porque agora pode, e, epa! Espera aí. O mundo não acabou, o papai Noel não veio, a fada madrinha não transformou o débito em crédito, e tudo continuou exatamente igual no mundo. Então onde está o erro? Prefiro acreditar que o erro está na interpretação do que está escrito, e não no real significado. Acabo de ver uma reportagem no UOL onde um devoto flagrou o padre da igreja com a sua mulher, fazendo o que? É, vocês já sabem. Quem quiser ver é só pesquisar no Google. Acordem, abram suas mentes, e leiam! Leiam! Estudem e não interpretem. Ou então continuem seguindo, como disse Jesus: “a velhacaria dos homens”. A escolha é somente sua.

Um brinde à (des)inteligência brasileira

Finalmente terminou mais uma eleição que já estava ganha desde o início. Ou será que alguém pensou que a concorrência ainda tinha chance? Não, não tinha. Mudar a política brasileira nessa altura do campeonato abala as estruturas do país, seja ela econômica ou social, ou as duas. Para mudar os mentores da liderança do país é preciso ter inteligência demais, coisa que nosso país não tem. Temos inteligência sim, mas não o suficiente. Nosso redor está ainda contaminado, impregnado e solidificado pela (vamos amenizar aqui) “ingenuidade das classes menos favorecidas”. Minha vontade era de dizer o português escancarado, mas eu não farei isso aqui. Mas finalmente acabou. Terminou para muitos com sorrisos e para outros tantos com aquela azia, aquela sensação de quem teve que engolir a pulso algo que não queria, e que foi-nos enfiada goela abaixo, e só resta agora a sensação de indigestão sabendo que não há mais chance de um milagroso sal de frutas aparecer. Resta para muitos, (eu, inclusive) a cara de enterro ao perceber que após anos e anos de evolução e desenvolvimento humano, ainda não aprendemos coisas básicas. Não aprendemos a ler. Não aprendemos a pesquisar, a investigar, a contestar. Estamos de volta à era das trevas, quando se fala em intelectualidade. Nos contentamos com pouco, quando tanto mais nos espera. Mas finalmente terminou. Para quem assiste televisão, ganha-se agora minutos importantes para ver outras futilidades que não seja horário político. Ganhamos ruas um pouco menos sujas sem a sordidez dos santinhos. Mas que seja reconhecida a vitória da eleita e seu esforço. Torço sinceramente para que eu esteja errado nas minhas conjecturas, e que as ações governamentais agora venham calar a minha boca, coisa que até agora ainda não conseguiu. Por ora, apenas devemos parabenizar nossa presidente, e rezar para que daqui a quatro anos possamos estar melhor do que hoje. E que o fogo amigo que criamos seja menos atroz. Oremos.

 

in.te.li.gên.cia
sf (lat intelligentia) 1 Faculdade de entender, pensar, raciocinar e interpretar; entendimento, intelecto. 2 Compreensão, conhecimento profundo. (Dicionário Michaelis)

Celeuma

E enquanto a tarde se arrasta no pouco frio mas brilhante sol de horário de verão, me encosto na janela olhando o movimento dos carros que vem e vão sem a menor consciência da minha existência. Olho distraído, esperando chegar minha encomenda, mas completamente apartado do resto de todas as coisas. Perdido numa confusão de pensamentos truculentos, outros lascivos e outros que não sei como se chamam. E eu que não sei lidar com sentimentos e pensamentos, fico aqui balançando entre a celeuma do telefone que toca e falácia da esperança que apenas se gasta, nesse buraco sem fundo que eu ainda ouso chamar de coração.

O futuro chegou

Lá atrás, nos anos oitenta, muito conjecturava-se sobre o futuro. "No futuro, os carros poderão voar. As pessoas irão se comunicar por meio de um telefone que pode ser levado para qualquer lugar. As televisões terão cores", e por aí se ia. Aconteceu que um certo dia, no finalzinho de 1990 chegava o tão sonhado celular no Brasil. Depois a banda B. Depois a C. E hoje no meio de tantos iPhones, notebooks avançadíssimos, impressoras que misturam até comida e todas essas traquitanas que fazem parte do nosso dia a dia, poderíamos nos perguntar: "Aquele futuro que os filmes mostravam é esse de agora?". Afinal, as vídeo conferências como foi mostrado no filme "O Demolidor" já estão muito mais avançadas. Cirurgias podem ser feitas em videoconferência, a partir de qualquer ponto do planeta. As telas "touch screen" como só haviam nos filmes existem em grande parte das casas e empresas hoje. Falta alguma coisa? Ahh falta sim: os carros voarem e serem guiados por um piloto automático. Mas não por muito tempo. Um belo dia, dois simples mortais resolveram abrir uma empresa chamada Google que simplesmente anos depois dominou o planeta. E em seu blog, foi publicado recentemente que os carros auto dirigíveis já estão em fase de teste. Quem leu ficou perplexo: "Sair por aí num carro sem motorista? Guiado apenas por um monte de circuitos e fios? Os computadores podem falhar. Nunquinha que eu vou."  E eu acho graça porque são provavelmente as mesmas pessoas que embarcam nos trens da linha 4 do metrô daqui de São Paulo, linha esta que não tem condutor, é totalmente eletrônica. São as mesmas pessoas que fazem saques e depósitos em caixas eletrônicos, confiando seu rico dinheirinho à programação benfazeja de uma máquina. Não devemos nos preocupar, logo estaremos acostumados com carros controlados à distância como no filme Controle Absoluto e voadores como nos do filme Minority Report. E nem morreremos por isso. Quero dizer, nem todos. A ficção começa a se tornar palpável e concreta. Enquanto isso, permanecemos nesse preâmbulo, rezando aos deuses, sejam eles divinos e binários para que tenham piedade e não deixem que sejamos dominados por máquinas cibernéticas, criadas pelas nossas próprias mãos.

Povo de Sucupira

Eu confesso que nunca me interessei por política até algum tempo atrás, mesmo vendo os absurdos eleição após eleição. E sempre fui contra a questão do voto obrigatório. Para mim deveria votar quem quisesse, e/ou fizesse questão. Aliás, voto poderia ser feito via internet. Ou através do pessoal do IBGE com aquelas maquininhas ultra modernas que fizeram o recenseamento. Camarada marcou o candidato, colocou o polegar ali e pronto. O voto estaria computado. Seria muito melhor, assim quem não sabe escrever não precisaria assinar.  Em dia de eleição é realmente aquela bagunça, ruas sujas, gente atropelando eleitores fazendo boca de urna na frente da escola, sem falar naquele frio lascado que fez em São Paulo no último três de outubro. Saí de casa, às quatro e meia da tarde totalmente contrariado para o cumprimento do dever. Quase fui pisoteado por um bando de moças e rapazes, uns entregando santinhos (ou seriam demoninhos) enquanto a outra trupe tentava arrancá-los da minha mão. Babel. Tudo isso para justificar o voto. Imagina se fosse para votar. Francamente, não deveria haver tanto sacrifício. Afinal, eleição só pode ser realizada em dia de domingo. Antes não. Era dia três de outubro e quinze de novembro e ponto final. Independente se fosse sábado, domingo, feriado ou dia santo. Agora temos que abdicar do nosso final de semana curto, suado e tão desejado para passar longos e tormentosos minutos (quando não horas) na fila (com chuva ou sol ou frio) para no final, indicar um candidato que nem sabe que existimos e que talvez nem saiba o que ele ou ela irá fazer lá dentro. Nossa política está recheada desses tipos, Odoricos modernos, pessoas que se candidatam ao trabalho público, para só depois saber no que irão trabalhar. Quando se trabalha. É só dar uma olhada nos nomes dos sufragados para se ter uma idéia. Palhaço analfabeto (ganhou disparado), prostituta, jogador de futebol, cantor pagodeiro troglodita e afins. São nas mãos destes que depositamos nossa confiança.  Política é coisa séria, ou pelo menos deveria ser, e não um passatempo para divertir o eleitor. Depois não venham me dizer que os políticos nada fazem ou que político não presta ou aquela lenga-lenga que ouvimos nas ruas quando algo de errado acontece. A culpa é deles sim. Mas a culpa maior é do eleitor. É sua e minha que colocamos lá dentro gente despreparada no exercício da função. Culpado, culpado, culpado. Entendeu abestado?

Autofagia virtual

Há dez anos atrás quando a Internet começou a fazer mais sucesso e quando naqueles idos as telas dos computadores eram de quatorze polegadas, nos divertíamos pesquisando, vendo sites que piscavam luzinhas divertidas, e tudo parecia novinho em folha. Não existiam celulares com câmeras, nem redes sociais. Banda larga então? Só para os super riquinhos. Nós os super pobrinhos nos deliciávamos com as migalhas da Internet discada. Mas isso não alterava o nosso humor, pelo menos não para pior. Naquele tempo, marcar um encontro pela Internet era dar um tiro no escuro, afinal, a maneira de conhecermos outras pessoas na rede era pelas geriátricas salas de bate papo, e nossos encontros eram às cegas, já que ninguém tinha câmera digital, webcam ou nenhuma dessas geringonças que hoje não sabemos viver sem. Relatávamos nossos perfis (idade, altura, peso, cor dos olhos, profissão) sempre fazendo um superfaturamento das nossas imagens e empurrando para baixo do tapete nossos defeitos congênitos. E assim íamos aos encontros, paladinos destemidos, armados com a cara e a coragem, torcendo para aparecer uma coisinha mais ou menos que valesse a pena o sacrifício. E em meio a beldades e trambolhos fazíamos nossos esquemas. Só que a Internet mudou, e muitas das intenções também. Golpes ficaram mais freqüentes, fakes parecem brotar do chão nas redes sociais e a canalhice de alguns colocam muito a perder. Há alguns anos atrás, o medo maior que se tinha ao utilizar a Internet eram os crimes cibernéticos. Hoje continua sendo, só que junto com o cracker veio outro algoz. O phisher. Este que utiliza da engenharia social para promover a balbúrdia, os infortúnios alheios e a dor. É o mesmo subtipo de marginal que aliciou a moça de Lorena no interior de São Paulo, obrigando-a a subir na moto e levando-a para um lugar ermo onde ali mesmo consumou seu ato libidinoso, estuprando a mulher. Versão século vinte um de Francisco de Assis Pereira. O que mudou não foi a Internet, e sim o que ela causou na mente de uma corja desenfreada, que se acham acima do bem e do mal. A liberdade de expressão veio acompanhada com uma liberdade de punição, algo indecente, imoral e bossal. Ah, bons tempos aqueles quando nos víamos de frente com os dragões travestidos de pele de ovelha, tudo que tínhamos que fazer, era sair à francesa, fazendo de conta que nem estávamos ali. E partir para o próximo chat. Bons tempos.

Etéreo

Depois que voltei das férias este ano, tenho sentido constantemente a sensação de que minha alma tomou dúzias de latinhas de Red Bull ganhou asas e voou para bem longe daqui. O corpo ficou. Desnorteado, vagando lento, vagabundeando e zumbizando direções desordenadas, desgovernadas e intempestivas. Durmo muito tarde, e acordo muito tarde com a impressão que o tempo não passou. Sonhos abstratos e confusos. E minha cama parece me prender com todos os tentáculos possíveis e imagináveis, como que implorando que eu não a deixe. Mas eu preciso. Preciso sair do meu casulo e vagar no cinza do dia e na garoa da noite, fingindo esquecer tanta coisa. Preciso ir ao trabalho que não vejo significado a não ser que preciso pagar as contas. E preciso passar na farmácia para comprar uma caixa de Verotina para ver se consigo encontrar um pouco de graça na vida e se possível dormir um sono sem sonhos, porque os sonhos agem diretamente sobre o meu humor. Fico pensando horas e horas no meu sonho recorrente, quando no céu as nuvens formam as letras A e C. Que será isso? Nome de alguém? Um sinal? Daqueles que eu vivo pedindo pro papai do céu me mandar enquanto estiver dormindo? Será? Levanto, tomo água e fico de novo rolando na cama e pensando. Preciso encontrar um caminho alternativo para o trabalho para não ter que encontrar aquele demônio de cabelo roxo no caminho. E procurar logo um destino para viajar de novo. Mas o que eu queria mesmo era só voltar à superfície, ou que minha alma alada descesse novamente à minha órbita e trouxesse junto com ela, um pouco de juízo, para que eu não sentisse mais falta da minha mente. De repente minha alma faz uma visita ao meu corpo e tudo fica claro. As letras do sonho, escritas no céu não eram nomes de ninguém, era só um código: Acorda Criatura!

Impossível

Impossível pensar no mar e não imaginar solidão. Impossível sentir o cheiro de protetor solar e não lembrar Balneário Camboriú. Impossível pensar em jornalismo (meu sonho) e não lembrar da Aryane Canuto. Impossível pensar em abraço apertado e não lembrar do meu filho Ariel. Impossível ouvir Cássia Eller cantando Malandragem e não lembrar da Andrea Santana cantando bem alto no volante enquanto viajamos pela Rodovia dos Bandeirantes. Impossível ver um parapente no céu e não lembrar de São Vicente. Impossível pensar em inteligência e não lembrar do meu filho Caio. Impossível não falar em espiritismo e não lembrar da minha amiga mais amada Ana Vera. Impossível pensar em setembro e não lembrar de separação. Impossível pensar no Rio de Janeiro e não lembrar de aventura. Impossível andar pelo bairro da Liberdade e não lembrar dos meus amigos Cristóvão, Marcelo e Adriano. Impossível pensar em bagunça e não lembrar do Eduardo Croce. Impossível ouvir Kid Abelha e não lembrar da Amanda e das ruas do bairro de Pinheiros, nem do Hotel Filadélfia. Impossível ver uma tatuagem e não lembrar da Anne e seu jeito singular (...). Impossível ver um jardim cheio de flores e não pensar na minha avó. Impossível uma tarde de domingo chuvosa e não lembrar dos bolinhos de chuva da minha mãe. Impossível ouvir Christian e Ralf e não lembrar do meu primo Ricardo. Impossível chegar um 13 de fevereiro e não lembrar do meu amigo Valdivino e na saudade que ele deixou quando faleceu. Impossível chegar natal e não lembrar da árvore do Ibirapuera. Impossível chegar ano novo e não lembrar daquela virada de ano que eu ficava lendo O Senhor dos Anéis naquela casinha pequena que eu vivia com minha ex-mulher e nossa pequena árvore de natal com bolas prateadas. Impossível pensar em Judaísmo e não lembrar do Alberto Dwek. Impossível ver um careca na rua e não lembrar do meu amigo Luiz Roberto. Impossível ver os geoglifos lá de cima no avião e não lembrar de Brasília e da casa das minhas tias e de suas geladeiras cheias de iogurte. Impossível jogar Need for Speed e não lembrar do meu irmão Allisson. Impossível ouvir Marina Lima e não lembrar da Andréa Magalhães. Impossível sentir o cheiro de grama molhada e não pensar no meu avô. Impossível pensar em paciência e não me lembrar da minha avó Maria. Impossível comer gelatina e não lembrar da minha tia Eleusa. Impossível não pensar em mãe e filho e não lembrar da minha amiga Livia Mendonça. Impossível ver decoração japonesa e não pensar na minha sala. Impossível comer sanduíche do Subway e não lembrar da Rosana. Impossível ver uma Brasília amarela e não lembrar do meu tio Ezequias. Impossível ver uma mulher careca de lenço e câncer e não lembrar da minha amiga Mirian e na falta que ela me faz desde que se foi a quinze anos. Impossível pensar na Inglaterra e não lembrar da Marie Burke. Impossível ver uma lágrima e não lembrar das noites de dezembro. Impossível esquecer a saudade que tantos me fazem e na falta de tantos outros. Impossível esquecer. Impossível tentar viver sem lembrar. Impossível.

Momento Leila

Eu fiz questão de vir aqui dar o meu depoimento, porque eu já estou de saco cheio das pessoas ficarem criticando meu estilo de vida e as coisas que eu faço. Sabe, eu não tô nem aí pro que os outros pensam, eu acho que se todo mundo cuidar da sua própria vida, vai ser melhor pra todo mundo. Então se eu quiser apagar ou esconder as fotos do meu perfil, isso é problema meu. E se eu quiser mudar o status das minhas redes sociais, ninguém tem nada a ver com isso. Eu não preciso ficar escondendo quem eu sou pra agradar ninguém, eu sou assim e pronto, acabou. Nem preciso esconder se estou sozinho ou com alguém pros outros pararem de perguntar, não tô nem aí, eu quero mais é que os outros se danem. Afinal, a partir do momento que eu pago minhas contas e lavo minhas cuecas eu não devo satisfação pra seu ninguém. Mas uma coisa saibam de mim, eu sou que nem espelho, meu comportamento reflete o que eu recebo. Então não venham me rotular. Ou então rotule, afinal, que diferença isso vai fazer para mim se falarem bem ou mal? Outra coisa, assim como todo mundo minimamente são, minha prioridade sempre, SEMPRE, S.E.M.P.R.E. será eu. Não é filho, não é familia, não é namorada, ou que bicho for. E é por isso que eu não abro mão de ser quem eu sou, se gostou, gostou, se não gostou que se dane, vá à merda. Eu não vou mudar meu estilo de vida, eu tenho caráter e tenho personalidade, e sei muito bem quem eu sou. Esses dias vieram me perguntar por que eu apaguei as fotos do meu orkut. Bom, em primeiro lugar, tô nem aí pra opinião alheia, aliás quero que os alheios se fodam. Em segundo, apaguei porque tinha que apagar. Não gostei disso mas gostei menos ainda de saber que na relação de dois, só um tem a coragem de colocar a cara pra bater. Não foi por fulano, nem cicrano. Então é isso que eu tinha pra dizer. Se todo mundo fizer o que bem entender da sua própria vida, vai ser melhor pra todo mundo. Obrigado!

Esquizofrenia - Cap. 6

Era sexta-feira de manhã e eu estava na cozinha fazendo café quando parou o fornecimento de gás. Fui até o lado de fora e abri a portinhola que dá acesso ao gás. Junto ao botijão encontrei diversos frascos de vidro dentro de uma sacola plástica branca. Abri para ver o que tinha. Havia três vidros de veneno para ratos. Me lembrei da minha mulher comentar sobre ratos na vizinhança. Mas por que não havia me falado sobre vidros? Curiosamente peguei um para ler. Para a minha surpresa, num dos frascos além da composição química, havia um componente, que não me lembro o nome agora tenente, mas claramente estava escrito no final 1080. Não quis pesquisar em casa com a Silvinha dormindo, de modo que deixei para mais tarde.

A pesquisa resultou num número enorme de informações, mas uma delas me chamou a atenção: “ O chumbinho ou veneno 1080 é um dos venenos mais conhecidos pelo público, à base de estricnina. Muito utilizados no combate aos ratos, o monofluoracetato de sódio é considerado o mais perigoso do mundo porque não tem cor, cheiro ou sabor; é altamente solúvel em água e facilmente absorvido pela pele. Não há nenhum antídoto conhecido e uma colher de chá do veneno pode matar até 100 pessoas adultas. A morte provocada pelo 1080 é difícil de determinar já que os sintomas se parecem com aquele de um ataque cardíaco. Os sintomas aparecem cerca de 30 minutos após a exposição ao produto e a morte pode acontecer entre duas e sete horas, dependendo da quantidade ingerida”.

“O senhor está me escutando tenente?”. Ele me olha feio e respira fundo, totalmente desconcentrado da conversa. “Tá meu senhor, todo esse blá blá blá que está me dizendo não significa nada para mim. Será que dá pra me dizer onde quer chegar de uma vez por todas?”. Tenente, preste atenção. “Sou filho único, tenho uma fortuna deixada pelos meus pais. Não tenho filhos, com quem o senhor acha que ficará o dinheiro?”. Durante todo o tempo Silvinha, meu amor para toda a vida aplicava doses mínimas daquele veneno em tudo que comia. Descobri atrás do botijão uma seringa com agulha. Ficou claro para mim a intenção dela ao me trazer trufas a noite, e porque ele não comia junto, e quando comia buscava a dela na bolsa. “Estava claro tenente, ela estava o tempo todo tentando me envenenar, não poderia aplicar uma dose muito grande do remédio porque isso causaria minha morte quase instantânea, e na autópsia encontrariam a substância no meu sangue. A causa mortis. Monofluoracetato de sódio.

Quando a Silvinha chegou estava completamente desolado. Não sabia nem por onde começar, por isso agi normalmente. Ela chegou. “Boa noite amor”, e eu respondi numa dose ainda mais profunda do meu cinismo. Esperei que ela dormisse e então lhe amarrei mãos e pés na cama. Minha mulher acordou e começou a gritar e perguntar o que estava acontecendo. Dei-lhe um tapa na cara. Estrebuchou e ficou quieta. Comecei a perguntar o porquê de tudo aquilo. Não precisava jogar baixo. Bastava pedir a separação e levaria metade com ela. Mas ela começou a chorar e a encontrar um monte de desculpas, mas seus olhos não faltaram com a verdade. Silvinha não sabe mentir. Pelo menos não para mim. Quando ficou claro para mim que ela estava tramando minha morte, não senti nenhuma pena ao ver minha mulher amarrada na cama como um cão preso. Senti uma onda de prazer. Lembrei do sonho. Abri o guarda-roupas, peguei minha arma e descarreguei todo o pente nela. Morreu na hora. Ela deve ter ficado feliz, afinal, eu tinha sofrido muito para morrer, e ela morreu num piscar de olhos. É por isso que estou aqui tentente. Para me entregar. Eu sou o assassino da mulher amarrada.

O tenente olha para mim e ri. Não acredita que isso está acontecendo. O assassino da mulher amarrada sentado bem ali durante todo esse tempo. “Me acompanhe”, ele diz olhando para um outro policial que se aproxima. Me leva até uma outra sala, e senta-se na frente de um computador. Pede meus documentos. Nome completo da minha mulher. Endereço de residência. Escuto então o barulho de uma impressora. Várias folhas são cuspidas. Ele coloca uma a uma sobre a mesa para que eu possa ler e põe a mão espalmada na mesa. “Como o senhor me explica isso?”

Polícia Militar do Estado de São Paulo
Relatório Civil:

Silvia Amorim Tregulha Reis, 27 anos, branca. Data de nascimento: 21 de fevereiro de 1977. Solteira. Data do óbito: 12 de setembro de 2004. Motivo: Erro médico.

O tenente se levanta, esbofeteia a minha cara. Grita para o policial que está junto. “Soldado, leve esse idiota daqui, prenda-o por mentir e obstruir o trabalho da polícia.

*** FIM ***

Esquizofrenia - Cap. 5

Resolvi passar um final de semana na casa dos meus pais, para relaxar um pouco e dar outro pouco de sossego para Silvinha que tanto se esforçava na mantença do meu bem estar. Meus enjôos parecerem se evaporar. Nessa altura do campeonato eu já estava preocupado com o volume de trabalho me esperando na segunda-feira, por isso acessei o computador para ver emails novos. Havia uma tonelada deles. De repente uma idéia inesperada, e se eu procurasse o número 1080 na internet? Estava ciente que os resultados poderiam ser os mais improváveis, mas não custava nada pesquisar. Digitei o item da minha pesquisa no Google e como já esperava, veio um turbilhão de respostas, nada do que eu imaginava. Já havia desistido de procurar as origens daquele número, quando decidi procurar informações sobre o que eu estava sentindo naqueles últimos dias. Coloquei no campo de buscas todos os meus sintomas até a noite de sexta-feira. A maioria dos resultados indicava uma intoxicação. Resolvi me aprofundar no assunto.

O tenente pega o celular preso ao cinto que já está tocando a alguns segundos. Faz um gesto com a mão direita indicando que eu espere até que ele termine de falar. Me olha furioso. Penso que tenha perdido seu encontro romântico. Então joga telefone na mesa que bate fazendo estrondo. “Puta que o pariu”, ele berra e nem se incomoda que agora existam várias pessoas ao redor. Não me diz para prosseguir, e eu tampouco espero. Continuo no meu depoimento.

Quando encontrei Silvinha na noite de segunda, parecia que haviamos acabado de nos conhecer. Novamente ela subindo as escadas sem roupa, trufas na mão. “Boa noite amor”. Correu e se jogou por cima de mim, sedenta por sexo. Fizemos sexo, não tenente, fizemos amor. Nunca havia amado minha mulher daquele jeito. Ela pedindo sempre mais e eu dando o que ela queria. Ela queria sexo anal, e eu não neguei. Fizemos amor longamente, demoradamente, unhas cravadas na pele, gritos e violência moderada. Ainda não haviamos feito nada daquilo, mas no fundo da minha mente, tinha certeza de já estar sentindo um forte cheiro de merda. Eu não tinha mais idéia nenhuma do que fazer. Mas minhas dores voltaram e pra valer as três da manhã.

Acordei depois de uma noite muito mal dormida por causa das dores. Minha mulher ainda estava na cama, e me levantei sem fazer barulho e desci as escadas rumo ao banheiro. Passei pela bolsa jogada na mesinha de canto na sala. Peguei o celular, e conferi outra vez, nenhuma ligação estranha, a não ser para o tal Dr. Astolfo. Não fazia idéia de quem poderia ser, mas precisava de uma maneira de descobrir. Sem que Silvinha acordasse fiz uma cópia de todos os contatos em um pen-drive, e estava decidido a pesquisar um por um que não conhecesse quando chegasse em casa mais tarde.

Como eu faria para saber quem eram os donos dos telefones eu nem imaginava mas comecei a digitar os números no Google mesmo assim. Digitei o do Dr. Astolfo e o número caiu numa clínica veterinária. Achei estranho, pois não temos bichos em casa, de modo que quanto Silvinha chegou perguntei, com ares de quem não queria muita coisa. “E se tivessemos um cachorro?”. Imediatamente ela descartou a idéia. Disse que mais precisaríamos era sim de um gato, afinal, os vizinhos reclamavam muito de ratos em suas casas, e um gato seria bom. Concordei.

Esquizofrenia - Cap. 4

Tive mal estar durante toda a semana. Quase sempre a noite, pelo menos no começo. Tudo que comia, voltava. Era domingo e minha sogra apareceu nadando na minha porta. “Você está com uma cara horrível”, foram suas primeiras palavras. “A sua também”, eu disse e me senti feliz por dizer. Minha sogra é uma destas mulheres que abomino. Estufada de comida e gases. Sempre que pode faz questão de jogar na minha cara que a maior besteira que sua filha fez foi se casar comigo, que não tenho dinheiro e que só tenho um mínimo de inteligência, mas que isso não paga contas. Nem viagens. Ela entra na cozinha e começa a fuçar as panelas, estava claro para mim que ela tinha vindo para almoçar. Seu marido teve que trabalhar no final de semana, ela explicou, mas o trabalho dele paga bem. Meu sogro é porteiro de um prédio de classe média no Itaim Bibi e há anos tem um caso com uma moradora cinco anos mais velha que ele. Por mim que se dane, ou que morra, não estou nem aí. Minha mulher havia feito gelatina com algo branco em cima que eu não sabia o que era, mas parecia creme de leite. Terminamos o almoço e minha mulher serviu a mesa. Sua mãe com cara de almôndega recusou. “Aumenta o colesterol “, disse a velha rabugenta. Comi sozinho três taças e aquela era a única comida que em dias me desceu sem que eu imaginasse estar engolindo lâminas de barbear. Durou menos que dez minutos. O mal estar voltou. Saí correndo para o banheiro. Enquanto colocava minha comida junto com as tripas para fora, ouvi a minha mulher falando baixinho, dizendo que eu teria que fazer uma endoscopia para ver o que tinha de errado comigo, mas a velha insuportável dizia apenas que deixasse que eu me fodesse. Assim Silvinha estaria livre para encontrar um marido rico. “Não quero outro marido, mamãe”. Senti que Silvinha era tudo que eu precisava. Ela estava ali, desafiando a mãe, abandonando todos os supérfluos e concentrando-se apenas nos finalmentes. Aquela foi uma das coisas mais bonitas que já havia me acontecido. No banheiro, abri a portinha do armário e peguei comprimidos para dor de cabeça. Minhas mãos tremiam e dois comprimidos saltaram do vidro, bateram na minha mão e caíram dentro do cesto onde coloco a roupa suja. Abri a tampa após ter tomado meu remédio. Só havia o uniforme da minha mulher. Tirei de dentro do cesto procurando o comprimido, mas não achei, talvez tivesse caído num dos bolsos. Comecei a procurar. Encontrei um pequeno pedaço de papel escrito quatro números: 1080. Memorizei.

O tenente começa a trancar sua mesa. Está nervoso porque quer ir logo embora, mas sabe que apesar de ser a autoridade ali, está no exercício de sua função. O relógio da delegacia marca 11:49 da noite e seu turno já deve estar terminando. “Meu senhor, tudo isso que está me dizendo não faz sentido nenhum para mim. O senhor precisa ir embora”. Odeio esse policial que não presta atenção no que estou dizendo. Tenho vontade de dizer que sou eu quem pago o seu salário e ele deve ficar ali o tempo que eu precisar. Mas não vai adiantar.

“O senhor não está me escutando?”, eu falo um pouco mais alto que o nomal. Ele me olha torto, quer voar no meu pescoço e me socar até meu rosto virar uma massa hemorrágica roxa, verde e azul. “Pelo amor de Deus, ande logo, preciso ir embora”, ele diz. Não ligo, por mim ele pode ir para o inferno que estou pouco me lixando. Vou ficar o tempo que eu precisar. Comecei a seguir minha mulher. 1080 deveria significar logicamente alguma coisa. Um número de quarto de hotel? A placa de um carro? O final de um telefone? Tudo aquilo era cagado na minha mente perturbada, junto com um monte de outras imagens produzidas. Idiotia, oligofrenia, sudorese. A todo momento tinha a sensação de estar sendo seguido e meus enjôos ficavam cada vez piores. Um dia me disfarcei de entregador e olhei todas as placas dos carros estacionados no Hospital Evaldo Foz que minha mulher trabalha. Repeti o ato três vezes por semana, jamais sendo pego ou flagrado. Nenhum carro tinha placa com aquele número. Eu deveria tentar uma abordagem diferente.

Minha mulher mesmo sabendo dos meus problemas estomacais, insistia para que eu comesse chocolate, que de acordo com ela me daria um pouco mais de energia. Meu duodeno reclamava, mas eu comia mesmo assim. Era bom saber que ela estava cuidando de mim. A esposa exemplo. Preparava sopas leves e me tratava com cuidado maternal. Mas meu estômago e intestino dava pulos colossais a cada colherada. De acordo com ela, eu precisava ir ao médico, aquilo não podia mais esperar. Prometi a mim mesmo que iria ao hospital na manhã seguinte. Acordei e ela já estava cuidando da minha alimentação. Desci as escadas me sentindo um pouco melhor e fiz meu desjejum, à base de leite morno e bolachas de água e sal. Minha mulher ia me dando conselhos sobre o que comer na rua, afinal, deveria ser isso que estava fazendo meu corpo trabalhar tão mal. “Você só come porcaria”, ela disse. O médico me receitou um antiácido para ver se controlava o mal estar, mas eu devia fazer uma endoscopia. Saí nauseado e tonto do consultório. Nada que eu não estivesse acostumado. Tirei o dia de folga e fiquei deitado na minha cama, sob o efeito dos comprimidos. Estava começando a melhorar.

Esquizofrenia - Cap. 3

O policial se levanta, abre a garrafa de café e olha no relógio. Está com pressa. Sua pequena devassa está esperando numa esquina da Indianópolis e já está começando a chover. Talvez não seja uma devassa e sim algum homem travestido de mulher, imagino, típico dos comerciantes de corpos daquela região. “Afinal, o que o senhor quer? Dá pra ser mais objetivo? Quem é o senhor afinal?”. O senhor quer respostas tenente, tudo bem, eu vou lhe dar respostas.

Sou filho único. Meus pais resolveram me fazer depois de vários passeios pelo mundo e muita grana acumulada, fruto de um bem sucedido negócio de ar condicionado para veículos. Mas eu não falava com meus pais a mais de dez anos, e mesmo depois que morreram num acidente há dois anos eu não queria o dinheiro deles. Nem senti remorso. Eu sabia do testamento, afinal, eu mesmo havia guardado numa pasta trancada num armário no sótão e jamais havia falado sobre ele com ninguém, nem mesmo com a minha mulher. Eu estava pensando no testamento naquela noite quando a Silvinha chegou. Ainda estava séria. Já era a quinta noite sem trufas e sem roupas. “Boa noite amor”, ela disse e desceu para o banho, sem um beijo ou um abraço. Estava estranha. Notei que as ligações do número misterioso haviam sumido. Talvez fosse só sintomas de esquizofrenia. Talvez não. Talvez ela fosse muito mais esperta do que eu supunha. Então ela subiu. Se jogou ao meu lado e ligou a televisão. Passava O Especialista, Silverter Stallone e Sharon Stone, Estados Unidos, 1994. Cheguei mais perto e dei um beijo. Ela apenas não recusou. Nosso casamento havia entrado na fase industrial. Sexo por obrigação, com a televisão ligada e muda. Closed caption ligado. Sharon Stone escrevendo num papel “Não sou uma mulher que se pode confiar”. Eu já havia visto esta cena. Nunca confio numa mulher que saiba cruzar as pernas, tenente. Silvinha dormia e se mexia na cama. Olhei para o seu cabelo negro e fiz um carinho. “Puta merda, deixa eu dormir caralho”. Sentia falta das trufas. Ela subindo sem roupas. “Boa noite amor”.

Algo indubitavelmente havia mudado desde então. Eu continuava ligando de telefones públicos diferentes para o número misterioso e sempre a mesma voz calma atendia. Comecei a pensar que estava imaginando coisas, talvez fosse mesmo um trote. Ela deveria estar apenas zangada comigo por não ter acreditado na sua versão dos fatos. Desde então as coisas tinham esfriado muito. Uma vez ficamos dezesseis dias sem sexo. Eu contei. Ela parecia não se importar. “Silvinha, eu quero nossa vida de antes” eu disse uma vez, e ela apenas olhou para mim chegou perto e me deu um tapa na cara. Forte. Quente. Em seguida me deu um beijo, tirou a minha roupa e fizemos amor como era antes. Artesanal. Era uma tarde chuvosa e quando terminamos eu perguntei o que havia acontecido. “Infecção vaginal”, ela disse e logo descarregou uma catilinária explicando que ‘resolveu não avisar para você não ficar preocupado, mas era coisa simples e já estou bem’. As coisas pareciam ter voltado ao normal. Mesmo assim resolvi em segredo fazer alguns exames médicos. Tudo estava normal comigo. Dois dias depois, a Silvinha chegou como antes. Subiu as escadas, as trufas na mão. “Acho que mordi o lábio”, ela disse e por isso não comeu. Nem me beijou. Fizemos amor sem beijo, rápido, ela correndo para o banho. Desci as escadas para tomar água. Sentia meu corpo quente e um leve enjôo. Meu estômago revirava a cada movimento meu, e cada passo na escada parecia demorar uma eternidade. Uma sensação horrível como se estivesse com o cérebro dentro da máquina de lavar, girando sem parar. Tomei bastante água enquanto esperava a madre superiora terminar seu banho. Entrei e joguei água fria na cabeça. Vomitei toda a trufa, sentindo um mal estar que parecia piorar a cada segundo. “Sua trufa não caiu bem hoje, estou enjoado”, gritei de dentro do banheiro, mas não houve resposta. Meus olhos pareciam estar cheios de ácido, lentamente subi as escadas e encontrei Silvinha já quase dormindo. Deitei sentindo meu estomago despencar de um bungee jump. Não consegui dormir logo. Ela me abraça, morde minhas costas e cochicha no meu ouvido: “boa noite querido”.

Esquizofrenia - Cap. 2

Numa das vezes que parei para tomar água no refeitório da loja que trabalho ouvi meus colegas rindo de outro colega, o Vilmar. Andava correndo uns rumores que sua mulher estava saindo com outro cara. Os colegas riam e perguntavam o que ele faria se chegasse em casa e descobrisse a verdade. “Pelo menos será que ele olha o celular dela?”, um perguntou e todos caíram na risada. HA HA HA HI HI HI HO HO HO. No começo eu achava engraçado, mas resolvi uma hora dessas fazer aquilo. Fui para casa passando primeiro pela locadora. Aluguei só um filme, afinal, já faziam cinco noites que eu não estava dormindo bem. Adormeci no meio do filme. O mesmo sonho recorrente. Desta vez a velha desdentada subia as escadas. Acordo assustado. Minha mulher subia as escadas. “Boa noite meu amor”. Sexo bom, seguido de dor de cabeça e mesmo assim permaneçi acordado no final. Ela desce. Escuto o barulho da água do chuveiro. Desço as escadas sem fazer barulho. Sua bolsa está no sofá. No seu telefone tem dez ligações recebidas do mesmo número. E outras três feitas. Não há nome, apenas o número. Guardo o aparelho e volto para a cama. A noite seguinte era um sábado e eu resolvi usar uma estratégia diferente. Chamei a Silvinha para um passeio. Estávamos caminhando pela rua, na noite fria e com a lua cheia, quando vimos um pequeno tumulto. Havia um corpo no chão. “Não quero ir lá”, ela disse, mas eu insisti para saber o que havia acontecido. Ela ficou. Eu fui. No chão um homem. Dois furos de bala na cabeça. Estrebuchou e morreu. Disseram que foi crime passional. Silvinha está nervosa porque a deixei para trás para ver o defunto. Estava de cara feia e queria voltar logo para casa. Entrou no banheiro e eu peguei seu telefone outra vez. Sete chamadas do mesmo número. Ela volta e me pega com o celular na mão. “De quem é esse número que aparece tantas vezes no seu telefone?”. Ela briga, discute e fala alto. “Você não tem o direito de mexer nas minhas coisas”. E nervosa explicou que é um ‘engraçadinho que fica passando trote’. Aquele foi nosso primeiro nódulo matrimonial, tenente. Por isso resolvi investigar.

O policial olha para mim com cara de deboche enquanto eu tento me enquadrar na cadeira metálica e desconfortável do 102. Tem cara de policial corrupto e a todo momento olha o celular enorme preso ao cinto, como se fosse uma segunda arma. Não está dando a mínima para o que eu digo. Só quer terminar logo meu depoimento para sair do DP e encontrar a prostituta que lhe paga com favores sexuais. “Mas afinal, onde o senhor quer chegar?” ele pergunta com aquela cara redonda vermelha, grande e suarenta, se remexendo na cadeira atrás da mesa. Faz um jeito de quem não está agüentando mais estar ali e fica revirando os olhos para cima, fazendo gestos com a mão para que eu continue ainda mais depressa. “Um momento”, ele diz e saca seu telefone, diz à pessoa da ligação que já terminou e está de saída. Não está nem aí para a minha confissão. Está cagando para mim. “Ande logo”, ele quer berrar, mas suspira fundo e fala num tom que deveria exalar paciência, mas que apenas coloca pra fora o hálito fumacento de seu cigarro. Termino a água do copinho de plástico descartável e sigo em frente no meu monólogo sem sucesso.

Na segunda-feira tenente, telefonei para o número misterioso. Um homem atendeu. Calmo. Desliguei antes de dizer palavra. Precisava encontrar um amigo que sabe descobrir essas coisas de telefone e internet. Ligei para a Silvinha que só atendeu depois da quinta vez. “Que droga, já disse para não ligar na hora do meu trabalho” e desligou na minha cara. Ela ainda deveria estar chateada por ter me visto com seu telefone. Naquela noite ela entrou no quarto com roupa. Uma roupa diferente. “Um carro passou por uma poça de lama e me sujou toda, tive que comprar outra. Fiquei uma pilha”. Não olhei para ela. O filme estava mais interessante. Desceu para o banho cantarolando, parecia feliz. Sinais.

Esquizofrenia - Cap. 1

Um copo se espatifa na cozinha. Acordo. Há alguém dentro de casa. Acho que não. O barulho estava dentro do sonho. Eu estava sonhando com a vizinha gostosa da casa ao lado. No sonho ela batia na minha porta com a famosa desculpa da xícara de açúcar. Minha mulher não estava. Perguntei se ela queria entrar, mas ela disse apenas que esperaria na porta. Viro. Caminho quatro passos em direção à cozinha quando percebo o susto. Olho para trás e lá estava a vizinha, faca na mão cravando nas minhas costas. Detesto esse sonho recorrente. Olho para o canto do quarto e a luz fraca que vejo vem lá de baixo. Meu quarto fica no andar de cima, e embaixo fica a sala e a cozinha que dá acesso ao banheiro. Sempre odiei essa casa que tem a porta de entrada pela cozinha e não pela sala. Procuro meu relógio. Droga. Esqueci o relógio no banheiro. Meu relógio nunca saía do meu braço, até começar as reclamações inusitadas da minha mulher: “Por que você toma banho de relógio? Relógio não tem sede nem precisa de banho”, ela dizia. A partir daí comecei a tirar. Que horas são? A Silvinha já deveria ter chegado. Desço a escada de ferro em caracol. Pés descalços. A luz vem do banheiro, a porta não está bem fechada. Mas eu tenho certeza que fechei e apaguei a luz. Olho para o lado e a porta da cozinha está aberta. Preciso parar com isso, apesar de agora estar em plena carga horária de trabalho dos bandidos. Penso em voltar para o quarto e pegar minha arma. Não existe arma. A porta do banheiro se abre. Há uma mulher, que sorri para mim com os dentes estragados, cabelo esvoaçado e bagunçado. Sorri para mim com dentes pretos dilacerantes. Me joga um beijo e aponta o revólver. Dispara. Uma. Duas. Três vezes. Tudo irá acabar e o mundo será o mesmo sem mim. Olho para o meu peito. Minha camiseta começa a se manchar. Caio.

Eu havia dormido assistindo um filme antigo, desses que vivem em promoção de catálogo nas locadoras. Minha mulher trabalha num hospital, havia sido transferida de ala recentemente, e começou a chegar às dez da noite. Depois foi às onze. E depois mais tarde. Comecei a dormir mais cedo, porque ela se atrasava demais. Virei um freqüentador assíduo da locadora mais próxima e era comum eu voltar com duas ou mais fitas para assistir. O marido paciente. O operário padrão do lar. Minha mulher chegava sem fazer barulho, olhava toda a casa primeiro, só depois subia as escadas, já completamente sem roupa. “Boa noite meu amor”, ela me dizia sacudindo duas trufas enormes com recheio de licor. E sem dizer mais nada, se jogava na cama mordendo uma das trufas e nos envolvendo numa mistura de chocolate, licor, suor e líquidos. Sexo artesanal. Três. Quatro vezes sexo. E só depois descia dançando as escadas para o banho. Volta e dorme. Olho o relógio na cabeceira da cama. São duas horas. Mexo em seu cabelo, “querida, sua mãe ligou” e ela vira para o lado: “Puta merda, deixa eu dormir, caralho”. No começo eu achava normal. Ela estava cansada. E meu sono já era. Pego o controle da televisão e ligo. Estava passando um seriado que não recordava o nome, e cada vez que voltava do comercial eu esperava passar o título que não passava. Quatro horas. Ela dorme um sono profundo. Levanto e faço um café sabendo que aquele vai ser outro dia daqueles, fruto de uma noite não dormida. Saio para o trabalho e quando vou dar o beijo de despedida ela murmura um “que inferno” e cobre a cabeça. Caminhei silenciosamente rumo à porta, olhei para trás e comecei a cuidar do meu dia.

No meu lugar

Houve um tempo em que eu achava que toda perda era um desastre. Fim de ano ruim, fim de trabalho chato, fim de namoro. Esses eram chatos pra caramba. E que fim é legal afinal seu Juvenal? Naquele tempo, eu sempre que uma relação que eu gostava mesmo terminava, eu ia pra casa chorar as pitangas, me afundar em litros de lágrimas e vodca, e de joelhos pedir aos céus que por favor fechassem meu coração para que ninguém nunca mais entrasse e deixasse um buraco do tamanho do mundo dentro dele. E daí como que num remake anual da minha vida moribunda, em todas as minhas férias o ciclo volta a se repetir. Paixões que se acabam sem conversa madura e franca, baseadas quase que somente em emoções, ou às vezes por falta de enxergar o que estava bem óbvio, mas que a gente como bom ser humano nunca preparado não vê. E os dias foram passando, e de repente eu comecei a perceber que ninguém precisa de ninguém para ser feliz. A gente é feliz e pronto. Com alguém ou sem ninguém. Não existe muita esperança em relacionamentos, só a esperança dos tolos. Aqui, na vida real, a coisa é um pouquinho mais diferente do que acontece na televisão. E daí que por tantas poucas e boas anteriores, acabei aprendendo o que nem todos aprendem: nascemos sós e morremos sós. Nada de melodrama ou de choros intermináveis por quem já se foi, ou quem na verdade nunca veio. Ou por quem trouxe o corpo mas não a alma. Lágrimas são preciosas demais para se gastar, ainda mais quando se não precisa gastar. Eu acabei de ter uma briga daquelas com quem eu estava saindo, ela disse que não dava mais e eu respeitei. É claro que briguei e muito respeitosamente para que isso não acontecesse, afinal, estávamos os dois certos e ao mesmo tempo os dois errados. Tudo bem bem eu me rendo, teve uma lágrima rápida, que veio e se foi, mas não de dor e sim de raiva. Quem se debulha em lágrimas e fica naquele lenga-lenga é culpado, quem é inocente simplesmente fica puto da cara, como eu fiquei. Há muita razão nas mulheres que ao terminar uma relação ou levaram um pé na bunda se acabam num shopping em compras. Faz um bem incrível, elas dizem. Renova-se a auto-estima. No meu caso, é o de sempre. O andar com o nariz empinado, livros e mais livros pra entulhar minha sala, e ela, sempre ela, a estrada que me abraça como que pedindo que eu não a deixasse nunca. Então é nessas horas que eu vou lá fora e nem ligando para o que os vizinhos vão achar ou reclamar que eu grito em alto e bom som um “vai se danar” do tamanho do meu universo. Não pra alguém em especial, e sim pra essa neura filha da puta que às vezes vem e quer estragar tudo. Vai estragar? Aqui não, seu João. Eu vou é cair na estrada, cantando bem alto “Vida bandida” do Lobão e mais alto ainda o refrão: “um tiro só não vai me derrubar não”. Afinal quem disse que a vida é fácil?

Negro amor

Minha pele se arrepia e todo calor do meu corpo, até dos ossos parece ir embora quando vejo jornal. Em pleno sábado de sol forte (bem no meio do inverno) deveríamos ser agraciados por coisas boas e o que vejo é a notícia horripilante de um casal em Ohio que matou o filho a mordidas. Não foi mordida de cachorro ou qualquer outro animal irracional, foram mordidas humanas. Dos próprios pais. O pai já havia sido condenado anteriormente por queimar um bebê com água fervendo. No ano passado uma mãe não contente com a separação ateou fogo nas duas filhas e a menor das duas morreu aqui em Parelheiros, na zona sul de São Paulo. No mês passado um casal foi indiciado por violentarem as próprias filhas em Goiás. O mundo ficou de cabeça para baixo. E o que mais me deixa puto da cara, é saber que os bons pagam pelos maus. Vejo pais que tem os filhos por perto e acabam por fazer merda, achando que os filhos são propriedades pessoais, e não seres humanos com vontades próprias e que devem ser encaminhados, orientados e não violentados pelos seus progenitores. E me lembro dos meus filhos que foram literalmente afastados de mim, por erros irreversíveis de pessoas que diziam só querer o bem maior. Sinto não poder abraçá-los todas as noites, ou de passar mais tempo com eles, já que dificilmente consigo fazer com que uma ligação para eles seja completada, e os telefones raramente funcionam, a não ser quando outros querem dinheiro. E penso no sem número de desencontros onde eu fico plantado feito um bocó esperando, visitas marcadas que não são cumpridas, e compromissos com eles que são desmarcados sem nenhum tipo de aviso prévio. Isso para não falar na enorme quantidade de gripes fortes que os dois contraem só para não virem à minha casa, contrariando ordens expressas de juízes e que depois fico sabendo que não havia gripe nenhuma. Eram os doentes emocionais maiores que forjaram o desencontro. Uma apropriação alheia que só me favorece quando está envolvido dinheiro, e como seu eu pagasse para tê-los ao meu lado, às vezes tenho meu prêmio por algumas horas do final de semana. Horas que são cada vez menores, mas que são aproveitadas ao máximo. O preço que se paga por ser boas pessoas às vezes é alto demais. E enquanto eu tento ser um pouco mais pai, e passar um pouco mais de tempo com meus filhos, tenho que conviver com a burrice de alguns, o descaso de outros e a intemperança e desumanidade diabólica de muitos. Oxalá essas crianças um dia possam se tornar seres adultos e menos parecidas com seus pais, ou tutores, e mesmo se não os perdoarem pelos seus crimes e diabruras, que possam respeitá-los e respeitar a sociedade. E que os meus um dia possam crescer e entender os reais motivos da minha distância. Distância que causa um buraco cada vez maior do lado esquerdo do meu peito.

A patricinha de Beverly Hills

Um dos grandes problemas das pessoas que alcançam a fama e o sucesso é virar refém de si próprias. Muitos não estão preparados para receber enormes avalanches de dinheiro (e quem estaria?) e acabam literalmente fazendo merda. Muita. E quando o dinheiro acaba por mau uso, já que nessa fase o dinheiro parece nunca acabar, daí é que a baderna fica maior ainda. E os comportamentos muitas vezes chegam às raias da insanidade, ou então do desespero, afinal, os holofotes querem se apagar, mudar de direção, mas muitos artistas fazem tudo e mais um pouco para receber os focos da mídia. Mesmo que seja no famoso estilo: “falem mal mas falem de mim”. A Lindsay por exemplo, é rica, conserva ainda alguma beleza ainda com os seus vinte e quatro anos (mas com aparência de trinta e oito), tem uma namorada mais ou menos, mas constantemente se envolve em polêmicas, e agora por ter infringido sua condicional, vai passar três meses numa cela de penitenciária. Mas engana-se quem se compadece da pobre, ops! rica coitada que hoje se apresentou à polícia, em meio a centenas de câmeras de televisão e teleobjetivas que mostrou seu rostinho amarelado com óculos Dolce & Gabbana para todo o planeta assistir. Lá fora, nos Estados Unidos, as coisas são bem diferentes daqui. A atriz ficará numa cela tão confortável que a impressão que dá é que simplesmente irá tirar umas férias isolada num mosteiro moderninho, para colocar a cuca no lugar, e esquecer o resto do mundo. Não é como aqui que as pessoas se matam em cubículos apertadíssimos, de três metros por três, onde tem trinta, quarenta pessoas se acotovelando e revezando em turnos para dormir já que não cabe todo mundo deitado junto. Não importa, o que realmente faz diferença é saber se os óculos foram bem captados pelas câmeras, se o cabelo ficou perfeito e se realmente vai continuar sob os olhares da mídia pelo menos nos próximos três meses, quando irá sair da cadeia e as câmeras vão voltar a fotografá-la. No Brasil não é diferente. Muitos artistas querem ficar imortais. Querem ser seres relembrados para sempre, seja pelo trabalho ou seja pelo trabalho que dão aos outros. E quando surge alguém melhor e alguns são trocados, o jeito é apelar para o desespero e algumas vezes encarar o famigerado clube da luluzinha das filmagens adultas e proibidas para menores de dezoito anos. Ganha-se mais ou menos bem, fazendo o que de mais saudável existe depois da alimentação: sexo. Sexo industrial. E é melhor que saia bem feito para que o grande e pouco respeitável público os mantenham sempre no topo, e que se torne super hiper mega pornstars. Agora, se mesmo assim os vídeos não fizerem sucesso, o jeito é engravidar, de preferência de jogadores famosos de futebol ou artistas internacionais e curtir o resto da vida, às custas do dinheiro alheio, até que saiam novamente nas capas de jornais e revistas. Mesmo que sejam nas páginas policiais.

O começo do fim

Lá atrás quando o milênio velho terminou e o novo começou, o medo de todo mundo era que esse mesmo mundo fosse acabar num cataclismo apocalíptico enviado pelos céus e que uma horda de anjos comandados por Alá, Buda, Jeová, ou outra divindade viria trazer uma nova ordem de coisas. Mesquitas, igrejas, sinagogas e templos estavam recheados com seus fiéis orando pedindo clemência enquanto outros simplesmente achavam que tudo aquilo não passava de histórias bíblicas de terror, e que o “mal somos nós mesmos”, “diabo só existe na imaginação dos que se apóiam na religião”, e que “o inferno realmente existe e que já estamos literalmente vivendo nele”. O que aconteceu foi que muitas dessas pessoas, se esqueceram das preces e pedidos que elas próprias fizeram, e começaram a agir de maneira completamente reversa dez anos depois. O cataclismo em escala colossal e sobrenatural não veio dos céus, veio sim, das mãos da própria população que hoje aparece nas colunas de jornais, em seções policiais, pregando a desordem, a sordidez e cometendo seus delitos. Ah! que saudade daqueles tempos onde os casamentos eram “até que a morte nos separe” e não como os da maioria de hoje que são simplesmente apólices assinadas sem um pensamento prévio, em que um dos dois (quando não os dois) simplesmente assina pensando nos finalmente e em quanto a conta no banco irá engordar às custas de pensões, poucos meses depois das celebrações apoteóticas, milionárias. Falta também, faz aquele tempo em que os filhos eram considerados maravilhas dadas pelos céus para seus reles pais mundanos que faziam de tudo para dar uma vida melhor para seus descendentes e não como hoje quando pais e mães violam seus filhos, maculando para sempre suas mentes ainda saudáveis e não corrompidas pelos pensamentos atuais. Isso para não dizer quando não os matam, como fez aquela mulher em Parelheiros (SP) que assim que o marido a abandonou, ateou fogo nas duas filhas para fazer chantagem pensando que assim o companheiro voltaria às suas boas graças. Estamos vivendo do avesso, revelando nosso lado mais macabro e vil e provando que diferente dos animais e seres sem consciência que vivem apenas de instinto, nosso processo é involutivo quando deveria ser abastecido de benemerências e beatitudes. Somos os exterminadores da raça humana, nosso principal inimigo e algoz somos nós mesmos e disso parece não sermos capazes de entender ou evitar. Mentes sem consciência e pensamentos com maldade perdulária é que fazem com que os filhos sejam abandonados em plena rua, como aconteceu agora na zona leste de São Paulo e a mãe quando indagada apenas disse “ah eu estava nervosa e não queria mais essas crianças”, mostrando uma frieza diabólica e tratando de maneira tão pífia sua própria descendência. A hecatombe esperada na virada do novo milênio chegou e ninguém parece que percebeu. Ela já está no meio de nós, arraigada em nossa sociedade. E como rezar pedindo clemência parece que não surtiu o efeito que esperávamos, o que nos resta é rir. E esperar para ver o que vai acontecer.

Laços e embaraços paternos

Há quem diga que o problema social brasileiro se resolve com educação. Você por acaso já deve ter escutado algo parecido com: ”educar os mais jovens é construir o Brasil de amanhã”. “Precisamos construir mais escolas para termos adultos mais qualificados amanhã”, ou “se forem tomadas medidas para elevar o ensino no Brasil teremos um futuro mais promissor amanhã”. Sempre amanhã. Será que não há ninguém pensando no hoje, no agora, no já? Há alguns dias atrás vi num noticiário que é lei incluir educação sexual na grade curricular de jovens e adolescentes. Acho justo. Mas uma dúvida me vem à cabeça. E quem é que irá educar o restante da população no quesito sexo? E o que será dito para aquele casal preso em Rio Verde no interior de Goiás, presos por violentarem (abre aspas) as próprias filhas (fecha aspas), uma com onze e outra com dezesseis anos? Você leu bem, não foi o padrasto preso por violentar as filhas da mulher, foram os dois, a mãe participava das festinhas sexuais familiares. É o bastante? Continue lendo. E não satisfeitos, os dois responsáveis pelas adolescentes ainda as obrigavam a assistirem filmes pornográficos e a verem o próprio rendez-vouz do casal. Quem irá educar esses dois agora? Os coleguinhas de cela, que provavelmente irão brincar de “brasileirinhas” com o casal. Acontece que esses disparates não acontecem apenas com a parte menos desenvolvida da população. Eles vão mais além, cruzam continentes e param na casa de uma mulher em Michigan (EUA) que pura e simplesmente se apaixonou pelo filho e manteve relações sexuais com o garoto (que deve ter achado uma delícia brincar de pai e mamãe, ou seria filho-e-mamãe?). A decisão de ir até a polícia partiu da própria mulher, talvez pelo adolescente não conseguir satisfazê-la bem, sabe-se lá. A questão aqui é: a educação é uma coluna apenas, não a estrutura fundamental para corrigir os problemas sociais, como deveria ser. Aquela mulher em Michigan, não é semi-alfabetizada, é bonita, bem relacionada, mas acabou enfiando o pé na jaca. Falta de educação? Nem um pouco. Há alguns dias próximo à minha casa, flagrei uma cena de deixar o queixo no chão, uma vizinha num ponto mais escuro da rua praticando um ménage-a-trois. Ela é estudante de direito, tem dezessete anos e estuda numa faculdade pública famosa, e com certeza pode pagar um motel. Ah me esqueci, não pode porque é menor de idade. Ou talvez até possa, já que por aqui, muita gente não sabe nem mesmo escrever o próprio nome ou ler direito, e talvez se confunda, ao ver a data de nascimento da garota na portaria do motel e não ter uma calculadora por perto para saber quantos anos ela tem. Mas de uma coisa não se confundem, o quarto é o número dezessete, e por favor, tragam de volta a chave e o controle remoto, mas os oitenta e cinco reais do período paga adiantado. Esses números não dão para confundir, a educação venceu por si só.

Pátrio Poder

Está havendo uma disparidade na legislação brasileira. Reza o código civil que a responsabilidade de educação dos filhos compete primeiramente aos pais. Daí o dia de hoje (14 de julho de 2010) mal amanhece e nosso digníssimo presidente encaminha ao congresso um projeto de lei em que os pais não podem mais utilizar castigos físicos em seus filhos. Sou a favor. De acordo com as palavras do presidente “é possível fazer as coisas de forma diferenciada”. Sou a favor. Mas daí ele complementa: “se punição resolvesse o problema o país não teria tanta corrupção; beliscão é algo que dói”. Espere aí senhor presidente, tem algo errado aí. Não é um dado que se pode concretizar, mas será que se não houvesse uma educação mais enérgica da parte de alguns pais, não teríamos um número menor de delinqüentes (ou de deputados)? Pode ser que sim, tanto quanto não. Então me pego perguntando: “que forma diferenciada ele quer dizer?”. E fico imaginando os castigos aplicados pelos pais (pós-lei aprovada): “filho, como castigo por não ter ido bem na escola, fica duas tardes sem jogar o seu Playstation”, ou então, “por ter xingado sua irmã vai ficar uma semana de castigo, assistindo televisão à cabo mas sem direito a DVD”. E enquanto eu me racho de rir imaginando estas cenas, fico me lembrando da minha época de infância e adolescência onde os castigos eram severos, doíam e deixavam marcas por vários dias. Mas eu também me lembro que sempre antes de qualquer castigo, eu e meus irmãos éramos alertados sobre os nossos erros, e éramos instruídos a como fazer as coisas diferentes da próxima vez, para não ter que passar por aquilo de novo. E não foram poucas as vezes que eu odiei o meu pai e minha mãe por estarem me castigando. Mas eram coisas que logo passavam, e hoje me tornei quem sou justamente pela seriedade como eu era educado. Na minha época de infância o pau quebrava, mas nós tínhamos uma espécie de “consultoria” que nos mostrava onde estava o erro, como evitar aquele erro, e como aquele erro podia afetar nossa vida futura. Nem eu nem qualquer outro dos meus irmãos morremos por isso, tampouco nos tornamos pessoas ruins, revoltadas contra nossos pais ou com a socidade. Sou contra abusos e violência contra crianças e jovens, ao mesmo tempo que sou contra ser conivente com seus erros, já que a lei não permite uma medida mais enérgica da parte dos próprios pais, que essa mesma lei determina que sejam os tutores. E se estiver certo o ditado que “educação de casa vai à praça”, então fica mais fácil entender certos integrantes da política brasileira, que tanto se envolvem em sujeiras e tramóias, os (nas palavras do presidente) “bandidos travestidos de santo”. Parabéns senhor presidente. Parabéns.

Retratos de um Brasil que não funciona

A grande falha no sistema penitenciário brasileiro é talvez a falta de pulso firme de quem comanda. Ou talvez as propinas internas oferecidas pelos presidiários que controlam o tráfico através de celulares, que entram nos presídios escondidos nos lugares mais inimagináveis que se possa haver. E o dinheiro rola a revelia, já que muitas vezes os policiais e carcereiros fazem vista grossa para isso. E isso não é nenhuma novidade, basta assistir televisão no horário jornalístico, ou assistir um filme brasileiro em que é tão retratada essa situação. O que mais me revolta é saber que somos nós, cidadãos honestos, que trabalhamos até a exaustão é que pagamos para manter “isolados” esses bandidos, marginais atrás de suas celas, que nada mais é do que uma maquiagem do crime organizado. Prisão no Brasil não é sinônimo de segurança para a população, afinal, as milícias, o tráfico de drogas, animais, pessoas e as desovas são arquitetadas lá de dentro das penitenciárias, através das sucursais dos presos, que estão lá fora. Nunca gostei nem tive pena de bandido. Sou a favor de prisões sim, mas para os casos menos hediondos. O restante deveria ser exterminado, extirpado da face da Terra como se extirpa um câncer. Direitos humanos? Cobrem isso das famílias que perderam seus entres queridos, filhas, filhos, amigos. A vida humana virou algo banal, que se tira pelos motivos mais absurdos, desde os quarenta centavos que o cidadão não tinha para pagar a pizza, até as paternidades não resolvidas e os casos amorosos mal resolvidos. “Não me quer mais? Páhh! Se não for comigo não será com mais ninguém”. Em pleno século vinte e um, a situação brasileira ainda não aprendeu a controlar a violência, seja ela doméstica ou não. É claro que isso existe em todos os países por mais desenvolvidos que sejam, mas lá, aparentemente os casos são tratados com mais seriedade. No Brasil, só vira notícia, estrela de televisão quem tem dinheiro. E quem tem dinheiro, tem abertas as portas do poder. Exemplos? Cento e sessenta e nove milhões de reais desviados do dinheiro público destinado à construção do Tribunal Regional do Trabalho. Acusado: Juiz Nicolau dos Santos Neto. Cumprindo pena? Sim. Em qual presídio? Nenhum, cumpre pena em regime domiciliar. Goleiro Bruno, acusado da morte da ex-amante. Cumprindo pena? Sim. Regime fechado comum? Não, está em cela isolada (não tem curso superior, mas tem dinheiro), passa mal com freqüência e não pode comer a comida da cadeia porque tem nojinho, por isso o advogado entrou com pedido por comida especial. Observação final: está preso a menos de dez dias. Os outros presos? Sifu. Ah que inveja dos sistemas milenares de punição dos radicais e extremistas do Islã, onde tudo é olho por olho e dente por dente, onde ladrões tem as mãos cortadas, e assassinos irrecuperáveis são executados da mesma forma do crime que cometeram. No Brasil, isso é repulsivo, repugnante. É melhor investirmos nas cadeias superlotadas que não funcionam, ou na criação de “medidas sócio-educativas” para (educar) jovens que cometeram delitos. E vão sendo “formados” para que ao completar a maior idade, muitos já estejam aptos, experts para viver junto com os outros peixes grandes nas cadeias. Não será de admirar quando muitos dos filhos do Brasil ao serem perguntados sobre o que querem ser depois de formados responderem: “Quero ser ladrão. Em Brasília ou em qualquer outro lugar. Pelo menos teremos celas especiais.”

Viva a tecnologia

Passados quase dez anos desde que o século vinte e um começou, e a mais de cinco de You Tube, as pessoas já deveriam saber que tudo que “aqui se posta, aqui se paga”. Esta época, é a época da tecnologia, da comunicação, de se dar “aquela espiadinha básica”. É a era das canetas com câmeras embutidas completamente camufladas, e dos programas rastreadores de teclas. Estamos vivendo um movimento de ciber espionagem na frente das telas dos nossos próprios computadores. Não adianta querer “passar despercebido entre os homens”, como disse uma vez José María Escrivá, ou, trazendo para a modernidade, “não adianta querer passar despercebido na Internet”. Sempre haverá um blogueiro, twiteiro, hacker, cracker, curioso ou mesmo só um intrometido, aquele chato de galocha que irá uma hora ou outra perceber um furo de reportagem e colocar a boca no trombone. A Internet virou o velho-oeste digital da era moderna, uma terra de ninguém. Mas aquela advogada de Sorocaba, coitada, não foi avisada sobre os perigos de se postar um vídeo. E seu vídeo onde mostra o acerto de contas com a amante do marido acabou virando a maior chanchada da semana. Em reportagem a um famoso portal de notícias na Internet, a advogada disse que quando viu que todo mundo estava falando disso retirou o vídeo, sem saber que a essa altura, tanta gente já tinha copiado e re-postado o tal vídeo. Os programas espiões, captores de teclas não deixam por menos. Já vi dois casamentos terminarem (e esse número deve aumentar) por causa desses programas, que flagraram maridos infiéis e esposas mal amadas trocando carícias cibernéticas e juras de amor, sem ao menos imaginar que alguém mais estaria olhando. Os dois casamentos que se romperam terminaram da pior forma possível, com agressões, baixarias e em um distrito policial. Que vergonha. Por isso, antes de dizer, escrever, postar alguma coisa na Internet, devemos nos lembrar que o conteúdo da Internet é de domínio público, e mesmo o que for restrito, sempre há um jeito de se descobrir. Ah e mais importante, use e abuse da web para falar bem, para elogiar, para criar e para desenvolver coisas úteis para a sociedade. Deixe para resolver pendengas pessoais, lavagem de roupa suja e ceninhas de defesa da honra para outros lugares, as pessoas não são obrigadas a participar das canalhices da vida alheia. Resolva tudo dentro de casa, entre quatro paredes, e se possível, desligue a web cam, pois alguém mais pode estar assistindo em algum outro lugar, e logo logo, sua carinha, vai aparecer aí na telinha. Viva a tecnologia!

Fala sério

Parece que a onda agora é resolver problemas pessoais utilizando os métodos mais bossais e primitivos. Basta ligar a televisão para ser bombardeado pelas barbáries e intempéries que rondam nossos canais, mostrando nossa incapacidade de agirmos como cidadãos evoluídos. Mata-se no Brasil (e no mundo inteiro) pelas razões mais estapafúrdias. A mãe quer provar a paternidade do filho e acaba desaparecida, com histórias que não se coincidem, e seu corpo até agora permanece uma incógnita. A advogada que virou notícia nacional depois de ter sido encontrada boiando numa represa, ao que tudo indica foi obra do ex. Vivemos num país completamente alienado, uma selva sem lei e ordem onde tudo pode já que algum “laranja” é que vai pagar o pato no final das contas, se pagar. Peixe grande? Não, esse não vai. Cadeia não é para esse tipo de categoria social. Daí ouve-se que o problema é social, que basta investir em educação e segurança, que os eleitores estarão seguros. Mas seguros de quem? De nós mesmos? Educação e segurança não rende votos para ninguém, não coloca ninguém no poder e não melhora a qualidade de vida da população. O que permite que o Brasil caminhe em passos de formiga é justamente a ignorância da grande maioria. Não faz bem para a política brasileira ter seu povo instruído, sabedor dos seus direitos, mas que cumpra os seus deveres, senão... E enquanto decidimos para onde correr, porque se ficar o bicho pega, mas se for o bicho come, temos que continuar a presenciar assassinatos brutais como o dessas duas mulheres que viraram as celebridades do momento, sem nada poder fazer. Está na hora de abrirmos o olho e pensar melhor em quem vai pelo menos tentar mudar alguma coisa pelo país em outubro quando as eleições chegarem, os hospitais que não serão utilizados começarem a aparecer, os escândalos de desvio de dinheiro público aparecerem na televisão e outras boas pessoas começarem a desaparecer misteriosamente, para dar mais Ibope para canal de televisão e manter o emprego de uns poucos, pelo menos por mais um tempo. Até em shopping que parecia ser um lugar um pouco menos barra pesada para se estar, sofre com a questão da segurança. Virou moda assaltar shopping, afinal, o que vão fazer os guardinhas que ficam desfilando naquelas motonetas pelos corredores, apenas com um rádio comunicador e sem armamento algum? Ter gente armada em shopping pode ser constrangedor, afasta os compradores e transeuntes que querem se divertir ou gastar. É mais fácil esperar pelos bandidos entrarem bem vestidos e só depois sair à procura deles, já que temos câmeras de segurança em todo lugar. É uma vergonha para um país desse porte ter que conviver com esse tipo de coisa. E quando pararmos novamente em frente a uma joalheria tentando escolher qual o próximo presente devemos olhar com cuidado em todas as direções. Se tiver alguém bem vestido por perto, corra, afinal, isso pode ser o próximo assalto.

Verde e amarelo

O grande problema da seleção desde o início, foi lutar contra a desconfiança do torcedor. Todo mundo sabia que o Brasil não levaria a Copa, mas todo mundo fez de conta que acreditava. Pintou as ruas, gastou dinheiro com bandeirinhas e apetrechos para dar uma força para a seleção, mas não funcionou muito. O Brasil é sem dúvida o país com maior dificuldade em escolher os seus representantes no futebol, porque tem um plantel de jogadores bons demais. Daí colocam a culpa no coitado do Felipe Melo. A culpa não é dele, foi tudo um mero azar. Ou talvez a lógica, já que iniciamos desacreditados e sabíamos que isso ia acontecer, uma hora ou outra. Não é justo ficar malhando o Judas em cima dele. A culpa não foi de um só. Foi de toda uma nação que acreditou que fosse possível o quase impossível. E de nada adianta o Gornaldinho Fenômeno dizer para o cara não vir passar as férias no Brasil. E o senhor seu Ronaldo, o que fez depois daquela presepada toda lá na França em 98? Passou as férias onde? O senhor foi o culpado pela derrota? Quem é o senhor hoje? Ronaldo, Roberto Carlos, todos foram criticados e não deveriam dar um pio para falar mal de ninguém. Desastres no esporte acontecem com todo mundo. Ficamos tanto tempo sem um título que só conseguimos conquistar em 1994. E nos outros anos? Sofremos menos do que agora? Temos que parar de encontrar culpados e concentrar em coisas mais importantes. Futebol tem dessas coisas, um dia perdemos, mas não quer dizer que não podemos ganhar. Ganhamos sim, ganhamos a certeza que ainda somos capazes de acreditar em missões impossíveis e que ainda nos sensibilizamos ao ver os olhos vermelhos dos jogadores milionários, enquanto outros choram aquela mãe e filho que morreram ao cair da ambulância. São coisas do futebol.

Vestido curto...curtinho

Talvez nunca nos anais da história deste país, um vestidinho rosa foi tão falado, comentado, filmado, noticiado, popularizado (e acima de tudo ridicularizado). Foi o trampolim para a fama, sucesso e dinheiro, da estudante de turismo, que se queixa agora de ter sido achacada e de acordo com as palavras da própria: “violentada”. A verdade é que tanto faz como tanto fez o uso ou desuso do tal vestidinho. A questão foi a polêmica. Os alunos de um lado achando que aquela não era vestimenta para o lugar. Do outro, a estudante que “inocentemente” colocou uma roupa achando que só iria causar um "frisson", chamar a atenção para suas pernas grossas, talvez porque sua enorme cara de caju não desperte os desejos libidinosos de homens e mulheres por onde ela passe. Virou celebridade, aparecendo nos principais programas de televisão, posando em capa de revistas, fazendo campanha nacional para ver se encontra um namorado, que esteja afim de realmente gostar dela pelo que ela é não ser um oportunista e pegar uma carona no sucesso alheio. E que também não esteja somente interessado em suas longas madeixas louras com ares sensuais, por causa do um milhão de reais que agora quer como indenização por ter usado seu vestidinho na maior inocência que somente uma loura poderia ter. A maior vítima de tudo isso são os telespectadores que são conduzidos a ler e ver fatos absurdos como este que a mídia insiste em mostrar. Não é de se espantar ao ver a condição moral e intelectual dos filhos do Brasil, onde faz-se mais sucesso quem ter um padrinho influente, quem tem uma bunda maior ou mais bonita, ou até mesmo um vestidinho rosa mais curto. É muito mais fácil usar um argumento apelativo para se ter fama e sucesso do que caminhar pelas próprias pernas, utilizando-se do intelecto e da própria capacidade física, porque “ah, hoje virou moda, tá tudo mais fácil”. E nessa brincadeira bizarra de quem consegue mais com menor uso de cérebro e ajuda de outros mais influentes, só nos resta esperar para ver o resultado. E quem sabe amanhã comemorar o reinado da burrice, da banalização corporal e social, desfilando pelas passarelas e capas de revistas, demonstrando nosso falso apogeu e mostrando que acima de tudo somos capazes de ser ainda mais caras-de-pau.

Sem volta

A aula segue o fluxo que eu imaginava que seria, até que de repente somos surpreendidos por um barulho muito forte, constante e que aumenta cada vez mais. Olho para a porta de vidro e lá fora tem uma babel de pessoas. É impossível conter a curiosidade e vamos todos para a porta ver o que há lá fora que desperta tanta atenção das pessoas. Do alto vem um helicóptero, enorme, branco, preto e vermelho. Águia 4 da polícia militar. O que será que aconteceu? Fernandinho Beira-Mar escapou e veio pra São Paulo? Outra rebelião de presos que conseguiram escapar e estão sendo perseguidos pela polícia? Será que começou mais uma guerra mundial? Diversas viaturas fecham a rua nos dois sentidos e a quantidade de gente aumenta. O helicóptero pousa no terreno vazio, levantando uma coluna de poeira, lixo e tudo que é porcaria que a população joga ali naquele terreno abandonado por tudo e todos. Um pouco mais abaixo na rua o acidente. Duas motos se chocaram de frente em alta velocidade. Os dois pilotos ali deitados inertes no asfalto. É um resgate. E os dois pilotos então sobem cada vez mais alto no céu. Um de helicóptero, o outro não precisou dele. E enquanto todo mundo se choca e olham perplexos para aquela cena que em outro lugar poderia ser surreal, mas que aqui na zona sul de São Paulo virou parte do cotidiano da megalópole, eu fico fazendo um monte de perguntas mentais. Quem eram essas pessoas? Quais os sonhos que elas tinham? O que será que pensaram no último segundo quando viram que aquele acidente não poderia mais ser evitado? Como não tenho respostas fico imaginando as famílias. Oito da noite. Arroz no fogo. A criança pergunta: “Mamãe, por que o papai tá demorando?” e a mãe diz que talvez ele tenha ficado até mais tarde no trabalho fazendo hora extra. Liga para o celular do marido, mas está desligado. Batidas na porta. Polícia? O que aconteceu? Ela abre já pressentindo o pior e tenta sem sucesso driblar a lágrima que já brota. “Dona fulana, não temos boas notícias, o seu marido, ele infelizmente, bem, ele...
Acordo do meu devaneio quando as viaturas liberam a pista nos dois sentidos e vejo o tamanho do engarrafamento causado. Nenhuma novidade. Mas volto completamente sem clima para a aula, pensando no que acabou de acontecer. Sei que já deveria ter me acostumado com esse tipo de coisa, afinal, é tão freqüente por aqui, mas existem certas coisas que não dá pra acostumar. Nem aceitar.

She

Já passa da meia noite e eu não consigo parar de olhar aquelas fotos. Também não me sai da cabeça todos os momentos. Tenho memória fotográfica que quase nunca falha e quando nas raras vezes que falha, o computador se encarrega de fazer funcionar. E enquanto eu ouço “We Just don’t care” em volume máximo (nos meus fones super potentes, para não acordar os vizinhos extremamente chatos) e as fotos rolam soltas pela tela, eu me lembro de tudo. Ela entrando pela sala com jeans e blusa preta, com mochila nas costas, o primeiro toque de mãos, o primeiro beijo enquanto esperamos a porta do elevador se abrir, o medo (?) de alguém pegar a gente ali, o primeiro avião que vimos pousar lá em Congonhas quando estávamos lá no alto olhando o aeroporto depois que saímos da igreja quando sei que entendemos dez por cento do que o pastor falou em inglês, quando fomos junto pela primeira vez naquela igreja que todo mundo falava tudo menos português, e eu comprei aquele livro naquela banca de revistas, que paramos só para carregar meu celular. Aquele livro que jamais abri novamente e só comprei para sei lá, quem sabe impressionar, ou enfeitar minha estante, porque a capa era bonita, mas a historia nem era tão interessante assim, já que eu já havia visto o filme e sabia o enredo de cor. E agora que ela está viajando, e a essa hora da madrugada já deve estar no décimo sono (e eu pentelho fico mandando torpedos SMS), eu fico aqui lembrando de todos os detalhes. Sua blusa branca esvoaçando enquanto caminhamos demãos dadas por um parque, enquanto eu a beijo tanto que seu brinco se perde, lá em cima na roda gigante, quase cinqüenta metros do chão, e a gente não sabe nem mesmo por onde começar a procurar, se é que isso será possível. Já passa das nove da noite, e amanhã cedo teremos que acordar cedo para começarmos mais um dia, e nossas roupas molhadas nos trazem frio, mas ela não quer continuar a usar meu agasalho, que eu ofereço de coração, talvez por não saber que explicação dar, já que sua bolsa é tão pequena, mas isso não importa. O que importa é sentir novamente aquele cheiro inconfundível, que só aparece quando ela está por perto, e transforma meu dia, minha semana, meu mês. Aquele cheiro que dá vontade de ficar beijando pelo resto da vida, mas não dá porque agora que ta em época de copa, o jogo do Brasil já acabou e temos que voltar aos nossos trabalhos, ignorando tudo ao redor, quando tudo que queríamos eram reprises de tudo que aconteceu nesses noventa minutos onde esquecemos tudo e todos. Nosso amor, meu queixo ferido de mordidas, o lençol desmanchado pelas marcas da manhã, e no final ela dizendo: “desculpe pela bagunça que eu deixei para você arrumar”. Que se dane a bagunça, eu quero mesmo é saber quantos minutos faltam para ela voltar, para me amar aqui novamente, e dizendo naquele sorriso mais lindo do mundo, que me ama e que sentiu minha falta, e que nada mais importa, desde que estejamos juntos. Tudo que quero é vê-la se queixando da comida do shopping que veio muita e que ela vai deixar os tomates pra lá por que já se encheu, mas ainda tem muito no prato, e eu não consigo ajudar porque a minha veio mais ainda e eu já não agüento mais. Tudo que quero é ver aquele sorriso, ousado, enquanto ela enche minha boca de torta de limão só para sentir aquele gosto que não vem de uma colher e depois iremos direto para o meu quarto onde nosso amor fala mais alto que todos os idiomas e que o tempo parece passar tão rápido que as horas parecem ter vida própria mas duram apenas trinta segundos. E agora que a noite chega quase ao seu fim, eu penso e repenso em tudo que aconteceu, e vejo que não poderia estar mais feliz. Feliz porque vivo talvez pela primeira vez em tanto tempo algo que sei que não existe só no meu mundo delirante de idéias e imaginação. Ela existe e se importa. E já não me interessa mais os desatinos ou se dirão que estou louco ou se estou em uma de minhas metonímias. O que me importa é sentir seu cheiro no meu travesseiro enquanto eu tenho que virar de lado porque seus arranhões no meu peito, barriga e costas não me deixam dormir direito, porque doem a cada movimento e meu desejo é somente acordar de madrugada sentindo aquele corpo lindo, gostoso e maravilhoso ali, aninhado em meus braços, enquanto respiro fundo o cheiro do seu cabelo que invade cada célula do meu ser. E quando vejo que isso talvez não passe de um sonho, tão pertinho de chegar ao seu clímax, eu acordo e numa prece silenciosa agradeço por um presente tão divino, uma graça tão colossal (adoro a palavra “colossal”, é raro as chances que eu tenho de dizer, mas eu adoro) que parece nem mesmo existir. Pelo menos até meu telefone tocar novamente e eu ver aquele número que tanto alegra o meu dia. Mas como está tão tarde, prefiro dormir. Com um pensamento apenas na lembrança. Hoje eu preciso te encontrar de qualquer jeito nem que seja só pra te levar pra casa, depois de um dia normal, olhar teus olhos de promessas fáceis e te beijar a boca de um jeito que te faça rir. Hoje eu preciso te abraçar sentir teu cheiro de roupa limpa, pra esquecer os meus anseios e dormir em paz. Hoje eu preciso ouvir qualquer palavra tua qualquer frase exagerada que me faça sentir alegria em estar vivo. Hoje eu preciso tomar um café ouvindo você suspirar me dizendo que eu sou o causador da tua insônia, que eu faço tudo errado sempre. Hoje preciso de você, com qualquer humor com qualquer sorriso, hoje só tua presença vai me deixar feliz, só hoje.

Previsão do Tempo

E já que agora é oficial, o inverno chegou pra valer, derrubou todas as temperaturas e pintou o céu de cinza, fazendo os dias ficarem mais curtinhos e agradáveis. Acho que apenas para mim. Mas junto com a melhor estação do ano, vem também um lembrança ruim. A dura realidade dos que moram nas ruas. Já fazia alguns dias que eu via aquela senhora moradora de rua deitada sob uma pequena marquise na porta de um banco, na Avenida Adolfo Pinheiro aqui em São Paulo, com um cobertor velho, rasgado e puído tentando se abrigar do frio. Eu tinha vários cobertores e edredons que nem usava, e prometi a mim mesmo que traria um ou dois para aquela senhora. Minha vontade era de levar todos, mas ela não tinha como carregar aquilo durante o dia. Os que moram nas ruas carregam muito peso em seus sacos. Quando cheguei em casa naquele tempo, por volta das onze da noite, esqueci completamente daquela mulher e dormi um sono profundo. Quando amanheceu não me lembrei mais uma vez, apenas fui me lembrar quando passei outra vez na noite seguinte e a vi deitada em caixas de papelão na frente do mesmo banco, no mesmo lugar. Uma semana se passou sem que eu fizesse alguma coisa por ela. No domingo, eu me lembro bem, fez muito frio, algo em torno de quatro ou três graus e enquanto eu retirava os cobertores para poder dormir me lembrei daquela velha senhora. Encontrei uma embalagem, dobrei um cobertor e um edredom que eu não usava mais e deixei junto com as coisas que levava para o trabalho. Quando saí e ia para casa, por volta de umas dez da noite, fui apressado, ansioso para encontrar a velha e dar um pouquinho mais de conforto para ela. Ela não estava lá. “Puxa, logo agora ela resolve mudar de lugar”, pensei. Olhei ao redor e vi mais adiante, outras pessoas tentando se abrigar do frio cortante. Parei em frente a dois homens já bêbados que tiritavam de frio, perguntei sobre a mulher, ao que um olhou para o outro e a resposta demorou a acontecer. Eles não sabiam quem era e quando eu dava as informações que havia registrado rapidamente sobre ela, uma mulher no canto, pouco distante dos dois homens falou. Eu não havia percebido que tinha uma outra pessoa ali, pensei que fosse só um monte de caixas de papelão empilhadas. “Você está procurando aquela senhora? É parente dela?” ela me perguntou e eu disse que não era parente, apenas havia trazido um agasalho para ela. “Ela morreu ontem”, disse a mulher e meu coração quase parou. “Morreu de frio, mas eu posso ficar com esse cobertor?”. Eu estava petrificado demais para responder, e só me lembro de ter levantado e ir embora, deixando o pacote para trás. Há nove anos aquela imagem da velhinha deitada tentando se abrigar do frio me persegue, junto com uma sensação de culpa por não ter feito nada. Depois disso, sempre que posso, ajudo a quem precisa sem ter que esperar tanto tempo. Ajudar, às vezes custa bem menos do que você imagina. Faça sua parte, doe alguma coisa a quem precisa, e veja como é boa essa sensação. Ou então não faça nada, fique em sua casa abastada, quentinha, com tudo que precisa para viver, e conviva com a mediocridade por não ter feito nada. Não sabemos o dia de amanhã e muitas vezes as coisas mudam de lugar. Ajude a quem precisa. Doe um agasalho.

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