O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

Onze Minutos - por Paulo Coelho

Era uma vez um pássaro. Adornado com um par de asas perfeitas e plumas reluzentes, coloridas e maravilhosas. Enfim, um animal feito para voar livre e solto no céu, alegrar quem o observasse.
Um dia, uma mulher viu este pássaro e se apaixonou por ele. Ficou olhando o seu vôo com a boca aberta de espanto, o coração batendo mais rápido, os olhos brilhando de emoção. Convidou-o para voar com ela, e os dois viajaram pelo céu em completa harmonia. Ela admirava, venerava, celebrava o pássaro.
Mas então pensou: talvez ele queira conhecer algumas montanhas distantes! E a mulher sentiu medo. Medo de nunca mais sentir aquilo com outro pássaro. E sentiu inveja, inveja da capacidade de voar do pássaro.
E sentiu-se sozinha.
E pensou: "Vou montar uma armadilha. A próxima vez que o pássaro surgir, ele nao mais partirá";
O pássaro, que também estava apaixonado, voltou no dia seguinte, caiu na armadilha, e foi preso na gaiola.
Todos os dias ela olhava o pássaro. Ali estava o objeto de sua paixão, e ela mostrava para suas amigas, que comentavam: "Mas você é uma pessoa que tem tudo". Entretanto, uma estranha transformação começou a processar-se: como tinha o pássaro, e já não precisava conquistá-lo, foi perdendo o interesse. O pássaro, sem poder voar e exprimir o sentido de sua vida, foi definhando, perdendo o brilho, ficou feio - e a mulher já não prestava mais atenção nele, apenas na maneira como o alimentava e como cuidava de sua gaiola.
Um belo dia, o pássaro morreu. Ela ficou profundamente triste, e vivia pensando nele. Mas não se lembrava da gaiola, recordava apenas o dia em que o vira pela primeira vez, voando contente entre as nuvens.
Se ela observasse a si mesma, descobriria que aquilo que a emocionava tanto no pássaro era a sua liberdade, a energia das asas em movimento, não o seu corpo físico.
Sem o pássaro, sua vida também perdeu o sentido, e a morte veio bater em sua porta. "Por que você veio?", perguntou à morte.
"Para que você possa voar de novo com ele nos céus", a morte respondeu. "Se o tivesse deixado partir e voltar sempre, você o amaria e o admiraria ainda mais; entretanto, agora você precisa de mim para pode encontrá-lo de novo".

Os gritos do meu silêncio - Parte II

Comecei a ter meus sonhos de família desde muito cedo. Desde pequeno observava o que para mim sempre me pareceu correto. Amei e invejei o casamento dos meus avós paternos. Dela, o primeiro. Dele, o segundo. Quarenta anos juntos, três filhos e um cuidado extremo um com o outro. E eu dizia: “quero que comigo seja assim”. Os três filhos: meu pai, tia e tio, seguiram na mesma direção. Meus pais, quase trinta anos juntos sem jamais se separarem, aos trancos e barrancos, mas sempre ali, juntos até que a morte os separe. Minha tia também, até que a morte do meu tio os separou. O outro tio segue firme, mais de quinze anos juntos, sempre o mesmo casal. Cresci e fui a exceção da família. Não durei cinco anos. Separei depois que outro entrou em cena. Meu irmão seguiu a tradição: seis anos casado e ficam melhor a cada dia. Me casei pensando que aquela seria a mulher da minha vida. Não era. Conheci outra pessoa, que parecia querer o mesmo que eu, e prometi que tudo seria diferente. Comecei a tratar bem, fiz esforços, sacrifícios que deixaram feridas tão profundas na alma que nem o tempo poderá apagar. Por amor deixei tudo de lado, meus sonhos, minhas vontades para viver algo que pensei teria sido maior. Mas eu não sabia de uma coisa: amor demais assusta. Existem pessoas que passam por traumas que jamais serão curados. E tudo que fiz, todos os planos que me custaram noites em claro, lágrimas de sangue, solidão, abandonos, tudo isso foi jogado fora sem um mínimo de consideração. Eu pensava que era possível reverter coisas passadas. Eu pensava que se eu desse todo amor do mundo, eu poderia desfazer toda uma vida de reclusões, enganos e traições. Mas eu estava enganado. E por várias noites chorei no escuro do meu quarto, chorei um choro fervoroso, doído, que molhava meu travesseiro e lavava os meus pecados. Eu não queria muita coisa, apenas uma vida normal com quem eu amasse e para quem eu devotaria minha lealdade, minha fidelidade e meu amor. E pensei. Lembrei. Recordei. Repassei tudo que havia vivido até aqui. Coisas que foram, coisas que são, e algumas coisas que ainda não aconteceram. E ali, naquele canto escuro no meu quarto, rezei, juntei minhas mãos, me humilhei, pedi e implorei. Poucas coisas são mais dolorosas que querer muito algo, tanto, a ponto de quase perder a própria identidade, a ponto de quase anular-se como indivíduo por uma causa e ser derrotado por um trauma que nem foi você que causou. E ainda por cima continuar com aquela sensação de ter sido simplesmente um objeto. E aquele silêncio que grita tão forte em meus ouvidos que quase me faz saltar de peito aberto e cara pro sol, sem ter asas para voar. Aquele silêncio que não cessa. O silêncio que fica e perturba. O silêncio que só pode ser ouvido. E sentido. E então quando eu menos esperava, a esperança voltou na forma de pessoa. Pessoa que pensa igual, que não mede esforços, que sabe valorizar e que faz de tudo para que as coisas aconteçam e dêem certo. Pessoa que não desiste, que não tem bloqueios, que é capaz de amar intensamente, que cura algumas feridas, que acredita e não tem vergonha de querer ser diferente, que pensa igual e que sabe que muito mais vale uma vida de compromisso de verdade do que um vida sem objetivos onde você sempre acaba voltando para casa sozinho e nada passa de pura ilusão. Mentir para si mesmo é sempre a pior mentira. Quando o telefone tocou e eu achava que tudo estava perdido, esquecido, queimado, morto e sepultado, eis que no meio das cinzas surge uma folha verde, um broto de esperança. No rádio passava “You touched my life”, na voz de Gwen Guthrie. Aquela música que já foi tem a de algo tão bonito e que agora volta para reconstruir o que havia sido perdido. Parei para ouvir enquanto dois filmes passavam em minha cabeça. Terminei, olhei para a foto no porta-retrato e fiz uma prece silenciosa. “You touched my life, you’re so very special. Oh my love you’re so very special to me…”. Pensei outra vez na tradição da família e talvez eu não seja mais a exceção. Essa tarefa eu simplesmente passo adiante

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More