O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

Que Chato!

Definitivamente, pior do que um domingo em casa é um sábado de manhã no trabalho. E quando é um sábado que teve feriado no dia anterior e todo mundo achava que ia prolongar mas que teve que trabalhar, aí o desespero é inevitável. De algum tempo para cá tenho desenvolvido uma insônia latente. Durmo no máximo quatro horas e mesmo assim somente quando os primeiros raios da manhã começam a dar o ar da graça. Nunca gostei de remédios, mas de algum tempo para cá eles tem se tornado meus amigos quase íntimos. Lexotan, Lorax, Valium, todos os que me desligam já que eu vivo constantemente em duzentos e vinte. Mas sábado de manhã eu trabalho logo cedo, e não posso me arriscar, então quando chega a sexta à noite, o pânico se instaura e eu já fico pensando nas oito horas de trabalho do dia seguinte, isso quando não são doze. Sábado é um dia feio, sem graça, completamente comprometido pelo trabalho. Sábado é dia das ex aparecerem (que inferno!), é dia de não ter nada para fazer depois, é um dia condenado. Pelo menos para mim. Quisera eu que todo sábado fosse como a última sexta, sempre um feriado. Daí eu poderia viajar naqueles ônibus antigos da Viação Cometa, aqueles que ficam parando de cidadezinha em cidadezinha enquanto eu vejo os passageiros entrarem e saírem até eu tirar uma soneca. E quando acordar do cochilo rápido, vou ouvir Paula Toller cantar As curvas da estrada de Santos, sentindo aquele vento no meu rosto e aquele cheiro que a gente só sente quando está na estrada a caminho de São Roque, ou passando por aquelas estradinhas vicinais que tem antes. Mas já que não dava para ser assim sempre, só ficar em casa curtindo minha cama quentinha já estaria de ótimo tamanho, pelo menos eu não estaria aqui gemendo de dor no joelho por ter caído do snowboard, nem com o braço latejando por causa do arco e flecha que teimava em roçar na minha pele, deixando apenas os hematomas para eu ter de lembrança. Espera aí, acho que eu posso me lembrar melhor vendo um perfil no Orkut do que escrevendo esse texto sem pé nem cabeça. Fui. Conectando...

O que não fazer em um feriado prolongado

Feriado na segunda ou terça-feira e ainda com um sol de rachar é o sonho da maioria de nós paulistanos. Seja para ir à praia ou à serra, as oportunidades são as mais variadas. Litoral, interior, comidinhas deliciosas, pessoas bonitas, lugares agradáveis, agitados ou tranqüilos, e é claro, trânsito caótico no início de quase toda viagem, tudo junto numa mesma cidade. O que é isso? Tradução de boas histórias para contar na volta para o trabalho ou de histórias de lamúrias e decepções? Depende de onde você for. Por exemplo, se você gosta de praia sabe que pode ter surpresas naquela água espumante de alguns litorais paulistas. Às vezes as surpresas podem vir em tamanho médio, ou grande, tudo depende da praia. Agora se você é assim como eu, um amante de esportes radicais, pode desfrutar de lugares ótimos para a prática de diversas modalidades. Epa, espera aí. Não é bem assim. Você tem carro? Não? Então preste atenção nessa dica. Atibaia é um lugar onde de tudo tem, desde que você esteja dentro de um carro e não seja domingo ou feriado, principalmente prolongado. Ir até esta cidade do interior paulista pode ser sinônimo de adrenalina na veia ou de muita raiva na veia. Afinal, com o terceiro melhor clima do planeta, era de se esperar que o transporte fosse mais eficiente. Se você vai de ônibus, deve saber que no domingo ou feriado, os ônibus locais são muito lentos, muito demorados e se você perder a paciência e resolver se locomover de taxi pela cidade assim como eu fiz, prepare o bolso. Tudo é longe, afastado do centro. Até meu bairro é mais movimentado do que aquele centrinho bucólico onde a pracinha matriz é o hot point do lugar. Se você quer ir para o portal dos pinheiros (isso mesmo, aqui é com letra minúscula) prepare-se para um enorme dose de paciência. A estrada é de terra, completamente esburacada, inóspita, afastada de qualquer tipo de civilização e se você estiver num taxi, reze para o condutor ser legal e querer voltar para te buscar, afinal, taxista nenhum quer ir até lá por causa do medo de assalto. E se você estiver no taxi do senhor de cabelos brancos presos num rabo de cavalo, vai precisar de um pouco mais de paciência, porque o mau humor é sentido em cada íon e elétron no interior do veículo. Ah então você é teimoso ou teimosa e quer arriscar? Ótimo, então não se esqueça de levar com você uma bíblia e um terço (se for católico ou simpatizante) e o mais importante, antes de entrar no veículo, faça uma oração, de preferência ajoelhado que é para mostrar fervor maior. Eu não fui até o fim, não tenho o dom da fé presente em minha pessoa, por isso desisti quando o taxista falou que não viria mais tarde. Voltei. E lá se foi mais de uma centena de reais na corrida. Cem reais, é a metade do vôo de paraglider. Outra coisa, se estiver em Atibaia num domingo ou num feriado prolongado, traga com você um laptop com modem 3G porque nenhuma lan house vai abrir as portas por lá. Leve um mapa com você (se for a primeira visita) porque a maioria das pessoas não sabem dar informação. Daí você pode estar pensando: esse cara está querendo queimar o filme da cidade? Então lá vai uma dica bacana: na hora de ir almoçar, escolha o restaurante Rei da Chuleta (esse sim com letra maiúscula). O atendimento é ótimo, a comida é sensacional, barata e a dona além de ser muito simpática tem uma voz belíssima. Aproveite também para ver o reality show das duas lésbicas se pegando no meio da rodoviária para quem quiser ver. Totalmente de grátis. Vale a pena conferir. Depois saia por perto procurando seu queixo, que assim como o meu deverá cair em algum lugar vendo aquela cena surreal. No mais, se quase tudo der errado como aconteceu comigo, aproveite para curtir a paisagem da estrada, porque é linda, desde que você já tenha saído de São Paulo. Essa sim, dá para salvar.

Refluxo

Eu tinha certeza que aquele não seria um sábado comum. Era véspera de feriado e eu estava ansioso para terminar logo aquele dia para poder cair na estrada novamente no domingo. Odeio finais de semana em casa, e aquela viagem havia sido programada desde o meio do mês, e tinha sido alterada no meio da semana. Para variar eu havia dormido pouco trabalhando por toda a madrugada e sabia que trabalharia ainda mais no sábado. Doze horas sem parar e ainda tinha trabalho extra no meio da noite. Será que eu não estava apenas correndo atrás de dinheiro? Mas eu não me importava, eu já estava acostumado com aquele volume de trabalho e de certa forma aquilo me fazia bem. Era bom saber que eu estava produzindo, um peão de volta ao chiqueirinho fazendo girar a roda a todo o vapor. Naquele sábado eu não tive que ficar olhando a cara de lua cheia da minha ex. Mas além de só pensar na viagem, naquele rapel maravilhoso e no vôo de asa delta que eu faria no dia seguinte eu pensava mesmo era como seria a minha noite. Ela com certeza seria utópica. Eu teria que ir trabalhar na casa de uma pessoa que havia feito parte da minha vida durante dois anos e que eu pensava que jamais poderia esquecer. Eu não precisava ir até lá, afinal, tantos outros podiam fazer aquilo no meu lugar, mas havia aquela inexplicável necessidade de provar alguma coisa para mim mesmo e então eu fui. Passei por todas aquelas ruas que eu conhecia de cor, tantas vezes eu havia ido até aquele bairro, mas em circunstâncias completamente diferentes. Apertei o botão do interfone e o porteiro do prédio me olhou com aquele mesmo olhar de um ano atrás, como quem diz: “eu sei quem você é, lembro de você aqui”. Ignorei o olhar porque jamais gostei daquele porteiro, sempre o achei um idiota. Eu precisava ver qual seria minha reação. Uma amiga havia me dito no meio daquela tarde que eu teria uma recaída e que não conseguiria me sair bem. Bato na porta mesmo aberta e sou recebido por um homem que aparenta alguns anos mais novo do que eu. Ele me olha de cima abaixo e parece saber quem eu sou, ou quem eu fui. Parece saber que já estive ali no lugar dele, e que já estive dentro da mulher dele na mesma cama que hoje é dele, mas a tempos atrás. Eu não estava ali como amigo e sim como profissional. Pego meu dinheiro, assino o recibo e ele me conduz a uma sala, me apresentando o local que eu conheço como a palma da minha mão. Então, ela vem, usando a mesma roupa de anos atrás quando eu passava as noites ali, mas tem algo muito, muito diferente. Ela está diferente. Eu estou diferente. E numa curta fração de segundo, me pego pensando o que farei quando a ver. E me assusto com a minha reação. Minha reação foi: nenhuma. Não senti raiva, não lembrei das desilusões, não senti aquele tesão incontrolável que eu sentia e quando ela vem e me abraça como um amigo que não vê a muito tempo, eu retribuo e apenas digo: “oi sumida, tudo bem?”. Nada mais, nada menos. Meu coração não acelerou, minhas mãos não tremeram, meu suor frio não veio. O que veio foi um monte de perguntas, que eu não me desdobro hoje para encontrar respostas. Era mesmo isso que eu queria a apenas um ano atrás? Valeu a pena tudo que eu havia passado tentando por dois anos e meio o que seu marido conseguiu em meros três meses? Será que eu senti uma pontinha de ciúmes por não ser eu quem estava ali naquela noite e em todas as outras anteriores? Não. Ciúmes não. Definitivamente não. O que veio foi uma leve sensação de alívio. De saber que não era eu quem estava ali. Como minha vida havia mudado tanto naquele curto período de tempo? A apenas um ano atrás era eu quem estava ali, sentado naquela cadeira onde fizemos amor tantas vezes, e naquela mesa onde tantas vezes amassamos documentos importantes com nossos corpos apenas sendo levados pelo desejo. E enquanto ela fala e aproveita para me contar como vão as coisas agora que o marido não está por perto eu me lembro do ditado que diz que o amor é cego. Tento me lembrar o que me fazia prender àquela mulher, mas eu não me lembro mais. E as conversas fluem de forma estranha, tanto eu quanto ela querendo fazer de conta que o passado não aconteceu, e que tudo não havia passado de um sonho, ou um pesadelo. Então, como homem bem educado e diplomático que tento ser, me sento na mesa da cozinha com aquela família que um dia eu imaginei que seria minha e escuto seu marido contar histórias e mais histórias, coisas que não quero nem preciso saber, mas penso que as vezes temos que fazer um cerimonial, incorporar um personagem, ou talvez nos travestir de algo que não queremos ser. O que eu estava realmente querendo ali? Nada mais importa, só quero sair logo daquele lugar. Não terei recaídas, porque eu não tenho mais coração. Não tenho mais sentimentos desse tipo a muito tempo e estou melhor assim. Nada de romantismo, nada de amores eternos, porque eu não acredito em amor. Não acredito em pessoas que nasceram umas para as outras e não acredito em um monte de coisas. Aperto o botão do elevador e solto um suspiro. Um suspiro que não sei bem explicar o que é, só sei que é bom. É bom porque eu não estou mais ali. É bom porque agora sei que tudo está superado, bem morto e enterrado no concreto denso do meu passado, junto com o meu coração. Saio para a escuridão da noite, paro numa esquina e fico olhando a fumaça do meu cigarro desenhando formas indistintas sob a luz da rua. Eu não me conheço mais. Eu não moro mais em mim.

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