O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

Alto Controle - por Handerson Pessoa

Como era de costume, pontualmente às sete da noite, o Dr. Sidney Macintosh, advogado e consultor jurídico, pediu sua pizza favorita, atum e aliche, tomou um rápido banho, saiu, vestiu roupas de ginástica embora não fosse fazer exercício algum, entrou em seu laboratório, que ele insistia em chamar de escritório e pegou o controle remoto na segunda gaveta da escrivaninha.
A sala de controle era a maior parte do apartamento e agora possuía dez monitores de plasma cada um com trinta e duas polegadas, um monitor para cada apartamento do edifício Garden of Eden, menos o seu que ficava na cobertura, é claro.
Toda sexta-feira o ritual era o mesmo. A pizza, as roupas de ginástica e a entrada triunfal no escritório. O Dr. Macintosh, sem que ninguém soubesse, tinha uma cópia das chaves de cada apartamento, e foi assim que ele instalou uma micro-câmera em cada um dos ambientes dos apartamentos vizinhos, pouco acima das lâmpadas centrais e assim via e ouvia cada passo, cada movimento que acontecia nos andares abaixo.
Como a sala tivesse um sistema de contenção de ruído, o Dr. Macintosh, para o espetáculo dessa noite, aumentou o volume do aparelho de som quando a banda Sixpence None the Richer, começou a cantar Don't Dream it's Over e ali no centro da sala, ele dançava e girava agarrado a uma cadeira e mordiscando um pedaço da pizza.
Em cada um dos monitores, cenas diferentes, mas pouco movimento. Os vizinhos em sua maioria ainda não haviam chegado em suas casas, mas isso não demoraria a acontecer. Durante os últimos seis meses, ele havia memorizado o horário de chegada e de saída de cada habitante ali, e pelas lentes das minúsculas, imperceptíveis câmeras ele já tinha visto de tudo.
Via o marido da doutora Cindy, trinta e um anos, médica e cirurgiã se encontrar com a amante que sempre vinha com o pretexto e o disfarce de personal training e via em close-up todo o frenesi que virara o segundo andar nas noites de sexta-feira. Certa vez, o Dr. Macintosh apanhou o telefone, ligou para o hospital St. Michaels e informou que o marido da Dra. Cindy sofrera uma queda durante o banho e que ela deveria voltar para casa imediatamente.
A Dra. Cindy chegou em casa e flagrou o marido nu, amarrado na cabeceira da cama pelos pulsos e a amante com uma fantasia de escrava sexual. As câmeras flagraram tudo enquanto o Dr. Macintosh se acabava de tanto rir. Três meses depois da separação veio a reconciliação.
No sexto andar, o problema era outro. Numa das noites de sábado, quando o Sr. Klaus e a Sra. Judith, ambos bancários, faziam uma viagem romântica, os filos davam uma festa particular, onde maconha e cocaína eram apenas o aperitivo para o prato principal. Tudo sem o consentimento de seus pais é claro. O Dr. Macintosh ligou para a polícia e quinze minutos depois, os dois filhos do casal eram levados, algemados para uma delegacia.
Também pelas câmeras, ele viu o apartamento dos Rooney ser assaltado e chamou a polícia mais uma vez, evitando o assalto e viu a senhora Margie apanhar do marido tantas vezes que ele chegou até a pensar em comprar uma arma para dar cabo ele mesmo no troglodita do marido dela, o rude senhor Thomas.
Mas a melhor parte do show era quando a vizinha do décimo andar chegava, às nove da noite. Para o momento da chegada da srta. Kate Carter, o doutor Macintosh ligou o maior monitor, o de sessenta e três polegadas, pegou uma garrafa de cerveja, tomou-a quase de uma vez sem precisar de copo, sentou-se na poltrona, colocou os pés sobre uma cadeira e acendeu o cigarro.
Já havia assistido àquela cena tantas vezes que já sabia de cor, quais seriam os próximos passos dela. Adorava vê-la tirar a roupa e andar pelo apartamento apenas com a parte de baixo da lingerie. Via a vizinha tomar banho todos os dias e sabia exatamente quais eram as peças no seu guarda-roupas, os livros que ela lia, as músicas que escutava e os amigos para quem ligava.
O Dr. Macintosh estava apaixonado por ela e não acreditava que ela estava ali, tão perto e ao mesmo tempo tão longe. Um dia não resistiu ao impulso e ligou para ela. Era estranho como dois vizinhos separados apenas por um teto e uma camada de cerâmica viviam há tanto tempo ali e não se conheciam. Marcaram um café, na casa dela. Na semana seguinte foram a uma cinema e só então começaram a namorar.
Tudo se complicou numa noite quando o Dr. Macintosh deixou os monitores ligados enquanto descia para ver a Kate. Faltando pouco mais de doze degraus, ele se desequilibrou, pisou em falso e caiu, batendo a cabeça. Kate abriu a porta e viu seu namorado caído. Com esforço levou-o para dentro e limpou as manchas de sangue no rosto do Dr. Macintosh. Subiu os degraus para pegar alguma roupa limpa para ele. A porta estava destrancada.
Foi quando ouviu um som estranho. Foi um pouco mais para dentro da casa e abriu a porta do escritório. Não acreditou no que viu. Todos os andares sendo monitorados e na tela maior, seu namorado deitado semiconsciente no sofá. Nas gavetas da mesa, centenas de fotos suas, vestidas, não-vestidas, no banho, na cama. Não hesitou. Ligou para a polícia.
E agora, o Dr. Macintosh, advogado e consultor jurídico mora em uma cela, junto com dois outros advogados corruptos numa prisão de segurança mínima em Denton, Arizona. Os companheiros da prisão são pacíficos, lá não é admitida a violência, mas por precaução, todo o lugar é monitorado vinte e quatro horas e todos os movimentos no interior e exterior da prisão são registrados pelas câmeras de segurança. As câmeras, segundo o diretor, são indispensáveis para manter o alto controle sobre quem quer que seja.

Pretérito Imperfeito - por Handerson Pessoa

Quando o Marcos falou que sua amiga Alessandra tinha terminado com o namorado, o Eliseu não perdeu tempo. Parou na primeira farmácia que viu na sua frente, comprou dez fichas telefônicas e foi tentar a sorte.
Respirou fundo, gritou na sua mente: "Gerônimo", colocou o dedo indicador na roleta do telefone, discou o numero do telefone da Alessandra e esperou. Colocou cinco fichas cinzentas no aparelho depois do terceiro toque.
- Alô - ela disse
- Oi, posso falar com a Alessandra?
- É ela.
- Alessandra? Meu nome é Eliseu e sou amigo do Marcos.
- Ah sim, ele me falou de você - ela disse - olha, me desculpe, estou um pouquinho ocupada agora. Será que você pode ligar um pouco mais tarde?
- Claro - ele falou - quer horas? Quero muito te conhecer.
- Não sei, umas dez horas pod ser?
- É claro, ligo às dez em ponto.
- Valeu, tchau
Eliseu desligou e ouviu o barulho das fichas caírem no aparelho, devolvidas. Era o ano de 1996 e ele ainda não tinha o luxo de ter telefone em casa. Foi para casa, os olhos fixos no relógio, enquanto os ponteiros hesitavam em funcionar. Dez horas. Telefone de novo.
- Alô
- Alô. Quem está falando? - Eliseu perguntou.
- É a Poliana, o que você quer?
- Então, a Alessandra está?
- Desculpe, ligou para o número errado.
- Sua voz é linda. Que pena que foi um engano.
- Relaxe, tchau
- Ei espere - Eliseu disse - Fiquei louco pela sua voz. Será que a gente pode se continuar falando?
- Ah. Sei lá. Liga aí, quem sabe né?
Foi a deixa que ele queria. Dois meses depois de muita conversa (e inúmeras fichas telefônicas) eles se encontraram. Decepção total. mesmo assim ele resolveu ligar no dia seguinte, só para dar um último "oi" e depois esquecer de vez aquele número de telefone. "Última ligação", ele pensou.
- Alô
- Alô, eu queria falar com a Poliana.
- Ela não está agora, saiu com o namorado.
- Namorado? Quem está falando?
- É a Matilde, mãe dela, quem é você?
- Meu nome é Eliseu, sou um ... é.... amigo dela.
- Ah sim, o eliseu, ela me falou de você.
- Então é que eu queria entregar um presente para ela.
- Acho que o namorado dela não iria gostar disso.
- Então por que não aceita o presente no lugar dela? Se o seu marido não se importar é claro.
- Sou divorciada, mas adoraria o presente.
- Eu não sei onde você mora.
Depois de muito lenga-lenga, marcaram de se encontrar. Ela tinha trinta e três anos, ele dezenove. Na falta de lugar, resolveram se encontrar na casa dela. No dia marcado, ela mandou os três filhos passar o final de semana na casa do pai e preparou um lanchinho para o seu convidado. A indumentária era simples, camiseta branca sem sutiã e short de lycra da mesma cor. O convidado chegou. Rosas amarelas e brancas na mão. O sorriso? Enorme. Paixão à primeira vista.
Fizeram amor no sofá da sala. Na cozinha. No quarto. No corredor. No banheiro. No caminho para o portão. No portão (enquanto os cachorros vadios da rua latiam sem parar), e na calçada, no muro atrás da árvore. Eram quatro horas da manhã e nenhuma vivalma passava por ali.
Andaram de mãos dadas pelas ruas ignorando os olhares curiosos de todo mundo que passava e via aquele casal tão desigual, tão incomum. Pareciam mãe e filho. Transaram feito loucos. De manhã. De tarde. De noite. Perderam a noção do tempo.
Os filhos dela foram morar com o pai. Ele se mudou para a casa dela. Ela pediu demissão do emprego. Ele foi demitido por justa causa, depois de cinquenta dias de abandono de emprego.
Mas um dia o dinheiro acabou. As contas eram uma pilha sobre um balcão na cozinha. Começaram a brigar. As brigas foram ficando feias até beiraram as raias da loucura e os dois quase partirem para as vias de fato.
Um dia ela acordou e o Eliseu não estava mais lá. Nem as roupas dele, nem nada que pudesse lembrá-lo. Ela pegou um avião e foi para Portugal passar uns dias com uma prima e nunca mais voltou. Ele voltou a morar com os pais, e nunca mais se viram.
Cinco anos depois, o Eliseu viu a Poliana na rua. Atravessou para o outro lado. Ligou para o Marcos para contar as novidades. A Alessandra atendeu. Haviam se casado cinco anos atrás.

Quando você chegar - um poema por Handerson Pessoa

Quando você chegar
é que as estrelas irão brilhar
tudo irá se iluminar
as flores irão desabrochar
os pássaros vão cantar
meu coração descansará
e minha saudade acabará

Quando você chegar
eu quero pegar na sua mão
e te levar para onde a emoção
irá encontrar o seu coração
e quando acabar a sua solidão
você não conseguirá me dizer não
e me amará mais do que a um irmão

Quando você chegar
transformará todo o simples em realeza
acabará com a minha tristeza
trazendo dentro de si toda a beleza
que me fará te amar com toda a certeza

Quando você chegar
eu te levarei para conhecer o infinito
e o seu mundo ficará muito mais bonito
porque eu serei para você muito mais que um amigo
serei para sempre o seu amor
e acabarei com a sua dor
e nossas vidas se encherão de cor
porque vamos fazer com fervor

Quando você chegar
eu poderei parar de sonhar
porque você na minha frente irá estar
como um anjo vai se materializar
e nada mais irá faltar
então minha procura irá acabar
basta apenas você chegar

Encontros e Desencontros - Vol. I - por Handerson Pessoa

As folhas verdes que balançavam do milharal e o céu coberto de nuvens cinza escuro anunciavam a chegada de mais um temporal. Os clarões dos relâmpagos e o ribombar dos trovoes faziam a velha casa da fazenda chacoalhar e de repente, numa forte rajada de vendo, uma das diversas janelas do casarão bateu, estilhaçando os vidros velhos e muito sujos, espalhando cacos por toda a sala.
Grossas gotas de chuva açoitavam o telhado que por um milagre não tinha goteiras. Por onde quer que olhasse, nenhuma outra casa estava ao alcance da visão. Kevin e Mariana agora sabiam disso. A poucos dias hospedados na casa velha da fazenda, tentavam correr para se abrigar da forte chuva.
O milharal parecia interminável, e por mais que corressem, mais encharcados pareciam ficar. As folhas ao tocarem suas peles, provocavam leves cortes, onde finos caminhos de sangue começavam a aparecer em seus braços e rostos.
Os longos cabelos louros de Mariana, antes esvoaçando co vendo na tentativa vã de se manter sécs, agora grudavam no pescoço e se enrolavam nos botões da blusa. Kevin corria à frente. Eram apenas dois adolescentes correndo pelo vasto campo. Ele com dezesseis e ela com dezessete anos, ali naquele lugar pouco conhecido, uma vez que haviam se perdido dos seus pais. Mariana, vendo que quanto mais corria em direção à casa, mais parecia estar longe, parou, desistindo finalmente de lutar contra as forças da natureza. Gritou por Kevin, que àquela hora já havia fugido do alcance de seus olhos, tão densa havia se tornado a plantação.
Kevin ouvia ao longe seu nome ser chamado e quando finalmente percebeu que um perigo poderia ter advindo sobre sua prima de remoto grau, fechou a cara, num sinal de evidente desagrado, e parou. Deu meia volta e caminhou de volta à densidade da plantação que parecia querer engoli-lo.
Longos minutos se passaram quando seus olhos encontraram Mariana sentada em meio à uma possa d’água, com os joelhos unidos, os braços em volta das pernas como que tentando proteger a si mesma da chuva e de seus medos naquele lugar, que agora com a noite caindo, começava a ter uma aula de mistério e horror.
Ele chorava inconsolavelmente enquanto Kevin tentava abraça-la e confortando-a, dizia que tudo estava bem e que ele estaria ali para protege-la do que quer que fosse. O temporal depois de longas, quase intermináveis horas, cessou, trazendo a bonança como diziam os antigos moradores daquelas paragens.
O temporal causou grande dano à plantação, mas também foi o responsável pelo nascimento de uma grande paixão (e por que não dizer, um grande amor?) entre Kevin e Mariana.
As férias dos dois acabariam em duas semanas, e embora os dois agora tentassem ficar o Maximo de tempo juntos naquele lugar onde mais parecia o fim do mundo, o tempo pareceu parar para eles. Foram dias iluminados, dias completamente preenchidos pelos sabores doces e embriagantes de dois corações apaixonados. Ali começava uma historia que nem a força do tempo e dos acontecimentos conseguiria apagar.
Havia ao longe, grossos e altos carvalhos onde a fazenda encontrava seus limites. Ao pé dos carvalhos existia e ainda existe uma sebe, construída com grandes e pequenos fragmentos disformes de rochas e pedras, que alcançavam pouco mais de metro de altura. Sentados à altura da sebe, grandes planos eram traçados por Mariana e Kevin, desde o raiar do dia ate o cair da noite. Juras e mais juras de amor eram feitas constantemente por eles.
Com a aproximação da despedida, ambos fizeram um juramento apaixonado de que um dia voltariam àquele lugar, num tempo onde nada mais os separariam novamente. Cada um dos dois apanhou um pertence. Mariana apanhou um colar que trazia junto ao peito desde os onze anos de idade, e Kevin deixou um relógio, presente de seu pai, que tinha ganhado de seu avô e que tinha sido destinado a pertencer ao primogênito da família, geração após geração.
Juntaram seus pertences em uma pequena lata encontrada num dos galpões da fazenda, perto de donde ficava o estábulo dos cavalos. Fecharam cuidadosamente o recipiente, embalando com diversas camadas de plástico grosso. Escreveram antes de guardar tudo, uma carta destinada ao outro, deixando que a brancura do papel absorvesse todo sentimento puro e verdadeiro de dois jovens que acabavam de conhecer uma das diversas faces do amor, naquela tranqüila manhã de domingo.
Retiraram algumas das pedras da sebe, e depositaram a pequena lata, recheada de amor e provas que marcaram aquela viagem. A cada pedra que ia sendo devolvida ao seu lugar, as mãos dos dois se encontravam e um longo beijo acontecia. Terminaram exaustos por causa do peso das pedras, e então se deitaram sob a sobra dos carvalhos, sobre as pedras, onde sentindo a brisa leve e o cantar dos pássaros, adormeceram por algumas horas, sendo acordados pelo buzinar dos carros, anunciando a partida. Foram três semanas de paixão juvenil, em um a época onde a inocência dominava seus corações.
Lagrimas brotavam dos olhos de ambos, ao verem seus rostos afastados pelos vidros dos carros, enquanto iam tomando caminho pela estrada de terra batida. O moinho que havia mais ao fundo da fazenda girava suas hélices a todo vapor, sinal de que junto com a ventania, outro temporal se aproximava, mas desta vez, a lembrança de como tudo aquilo acontecera, não amenizava a dor da despedida.
Finalmente, seus olhos, grudados no vidro tentando absorver cada fração de segundo que passava, olhando o outro, se perderam, devido à distancia e às curvas. Ma o tempo reservava ainda muitas surpresas.

Dez anos se passaram desde aquela despedida. Mariana andava lentamente pelo interior do escritório onde trabalhava, com um telefone celular nas mãos, acertando os últimos detalhes da inauguração de sua mais nova aquisição na cidade, um restaurante italiano, onde costumavam freqüentar, celebridade do meio artístico e da política, na parte central de São Paulo.
Terminada a ligação, sentou-se em sua cadeira giratória sentindo-se exausta. Fechou seus olhos, debruçando-se em sua mesa com tampo de vidro, quando um som vindo de seu computador a fez despertar. A voz eletrônica dizia: “INCOMING MESSAGE”.
Alguns cliques e lá estava a mensagem escrita:
“Finalmente nos encontramos outra vez. Quanto tempo já se passou? Nove? Dez anos? Parece que foi ontem. Sei que muita coisa aconteceu para você, assim como aconteceu para mim, mas ainda me lembro de tudo. Gostaria tanto de te ver de novo. Será que podemos nos encontrar para relembrarmos os velhos tempos?
Com amor,
Kevin

Encontros e Desencontros - Vol. II - por Handerson Pessoa

A mensagem pegou-a completamente desprevenida. Como ele havia conseguido seu e-mail? Por que aquele interesse para que os dois se reencontrassem depois de tanto tempo? Pensou e pensou antes de clicar em Reply e enviar uma mensagem de retorno. Escreveu diversas linhas e acabou apagando todas elas, até que concordou com a proposta oferecida.
Quando os dois se viram novamente, agora muitos anos depois daquela viagem, souberam instintivamente que aquela historia vivida dez anos antes não tinha acabado, havia ficado pausada, hibernando, esperando quem sabe, o momento certo de retomar o seu curso natural.
Os dois, embora ainda muito jovens em relação ao padrão de idade comum, já haviam passado por tantas situações, isoladamente, que aos vinte e seis anos dele e com os vinte e sete dela, era como se já tivessem vivido várias outras vidas antes de estacionar naquela.
Conversaram por muito tempo, horas, sem que dessem conta disso. Era realmente como se uma locomotiva estivesse agora reabastecida e pronta para voltar à ativa. Mas as regras do jogo agora eram outras.
Embora tivessem vivido uma paixão arrebatadora no passado, ambos, agora casados resolveram continuar a relação na clandestinidade. Os dois tinham tentado resolver suas vidas longe do outro, mas só conseguiram mais problemas. Agora, seus filhos se mostravam como principal empecilho para que aquela reunião pudesse acontecer plena e concretamente.
Uma vez que o casamento dos dois poderia ser comparado a um navio à deriva, com enormes rachaduras no casco e tentando sobreviver às tormentas nos mares da existência, eram os filhos que agiam como diferencial, como divisor de águas.
Era certo que tanto Kevin quanto Mariana jamais deixariam para trás seus filhos, mas também tinham o direito de serem felizes. Embora o sorriso fosse generoso, por detrás daqueles rostos haviam cortes profundos, feridas e cicatrizes que talvez nem o tempo fosse capaz de apagar.
Muitos dias se passaram depois daquele reencontro e agora, vivendo ainda mais intensamente a antiga paixão, ambos estavam tão possuídos um pelo outro que já acreditavam piamente que só haviam eles dois debaixo do sol. Nada mais, exceto seus filhos tinha mais importância agora. O restaurante italiano de Mariana havia sido inaugurado, com um vistoso jantar oferecido a diversas celebridades e agora que a calmaria voltava ao local, o gerente é que se virasse para resolver os problemas do local. Era contratado para isso. Com Kevin, as coisas aconteciam de maneira similar. Não deixava que os problemas e as preocupações do dia-a-dia interferissem na sua relação com Mariana.
O casamento dos dois era irreconciliável. As tentativas para que a vida de casado dos dois voltasse a entrar nos trilhos foram executadas até a exaustão, mas nenhuma delas teve o efeito que eles desejavam.
Algumas pessoas não podem ser salvas de si mesmas. Kevin e Mariana após tanto tempo souberam disso. Por isso, estavam dispostos a lutar para manter acesa a paixão entre eles. Àquela altura e devido ao desenrolar dos fatos, ambos sabiam que de nada iria adiantar ficar perdendo tempo tentando mudar coisas que não podem ser mudadas. Os dois eram jovens e tinham diante de si uma leva de batalhas que juntos eles podiam vencer.
Mas aconteceu que um dia, quando a relação dos dois estava praticamente se consolidando, que Kevin ao se encontrar com Mariana, teve a noticia que iria causar um impacto violento em sua vida.
Uma doença, um câncer raro agora estava alojado no cérebro de Mariana. A noticia o acertou em cheio. Não conseguindo se manter de pé deixou-se cair sobre o sofá do apartamento que servia de pondo de encontro dos dois durante todo aquele tempo.
Ao saber dos resultados do exame e devido aos acontecimentos anteriores, o marido de Mariana, Carlos Lima Filho, um famoso arquiteto, resolveu abandoar a esposa e entrou com um processo de separação e outro para obter a guarda da filha, levantando diversas alegações que faziam Mariana parecer uma pessoa muito má.
Considerando o estado físico da mãe, a guarda foi outorgada ao pai e somente a ele. Mariana poderia visitar a filha em horários que haviam sido determinados por ordem judicial, caso ela um dia saísse do hospital.
Tudo aconteceu muito rápido. Desde o resultado dos exames, passando por todo o processo de tratamento do câncer, que era na verdade um tumor maligno, e a decisão do juis sobre seu casamento, tudo isso não passou por mais de oito meses.
Mas embora muito tivessem se afastado dela, Kevin permaneceu ao seu lado por todo o tempo, incólume. Era como uma rocha contra a qual todos os problemas se chocaram, mas ele não se abalou. Continuou ao lado do seu verdadeiro amor, superando todos os desafios e vivendo cada instante ao lado dela de maneira ímpar, singular.

Encontros e Desencontros - Vol. III - por Handerson Pessoa

Os dois viveram, sem que os outros sequer suspeitassem, todas as aventuras e desventuras que poderia sobrevir a dois corações interligados pelo destino. Transformaram cada dificuldade, cada estágio daquela doença em valiosos momentos de alegria. Mesmo quando Mariana perdeu os cabelos nas seções de quimioterapia, mesmo quando ele se separou da esposa e teve que reaprender a viver sozinho, mas longe dos filhos, mesmo quando Mariana perdeu os movimentos dos braços e pernas se mal conseguia falar. Foi num dos raros momentos de lucidez, que ela abriu os olhos e com a voz embargada e meio engrolada, disse a frase que ele, Kevin, jamais esqueceria: “Nem com você, nem sem você”.
Kevin a beijou, primeiro nos lábios e depois na testa. Mariana fechou os olhos e dormiu novamente. Um sono profundo, eterno, onde finalmente ela iria encontrar um lugar como a sebe da antiga fazenda onde costumava ficar ao lado dele e onde juraram que um dia voltariam.
E ela voltou. Voltou porque agora era livre para ir onde quisesse, quando quisesse. Kevin nunca mais se casou ou sequer se apaixonou novamente. Havia sofrido muito e por diversas vezes consecutivas. Agora talvez fosse hora de parar, talvez fosse hora de seguir sozinho o seu caminho.

-“Acorde Kevin, acorde” – dizia a voz em seu sonho. Kevin acordou e se levantou perturbado. Era ela, sem dúvida era a sua Mariana. Mas por que agora ela estava de volta em seus sonhos? Cinqüenta e dois anos haviam se passado desde que ela falecera e ele ainda a tinha em seus sonhos.
Mas este sonho era diferente. Kevin sentia que precisava fazer algo antes que fosse tarde. O dia ainda não estava firmemente estabelecido, quando ele tomou o primeiro ônibus em direção à velha casa da fazenda.
Ao longe avistou os carvalhos que permanecera, resistindo à ação do tempo. Caminhou lentamente até a velha sebe e com dificuldade, porque já estava senil e debilitado por causa da idade, se sentou sobre as pedras e com um esforço quase sobre humano empurrou as pedras de cima da sebe, que agora estavam completamente revestidas de lodo, até que seus dedos tocaram numa superfície plástica.
Lagrimas caíram copiosamente dos olhos enquanto ele relia as cartas que escreveram juntos a tantos anos atrás. Olhou o antigo colar dela que pareceu não envelhecer nem um só dia e ainda conservava aquele brilho de quando ela o tirou do pescoço. Estranhamento, seu antigo relógio ainda funcionava, em um ritmo bem lento.
Chorou por longos minutos, vendo com os olhos fechados, toda a sua vida passar de novo. Os ponteiros do relógio tinham dificuldade agora para trabalhar. Kevin se deitou da mesma maneira como se deitara muitos anos antes no dia em que ele e Mariana tiveram que se despedir. Sentiu seus olhos cansados e fechou-os, sentindo o vento sacudir as copas das árvores e desgrenhar seus cabelos brancos.
Ao longe parecia ouvir as buzinas dos carros, anunciando a partida. Abriu os olhos e viu Mariana ao seu lado. Alguns podem achar que tudo não passou de uma ilusão provocada por uma mente cansada. Outros talvez achem que era o espírito dela que estava ali naquele momento. Embora a conclusão desta idéia fique por conta do leitor, Kevin teve tempo de dizer as palavras, antes que ela se fosse: “Nem com você, nem sem você”.
A figura desapareceu diante e seus olhos, parecendo ter um suave sorriso. Kevin abriu os olhos pela ultima vez e olhou tudo ao seu redor, como que querendo guardar na memória, todos os detalhes que pudesse absorver em um único instante.
Respirou profundamente e pôde jurar que as nuvens no céu bailavam de acordo com a musica dos anjos, e nessa dança formavam as palavras “eu te amo”. Abriu um largo sorriso e morreu, no lugar onde tudo havia começado e agora terminado.
Estava livre da tristeza e da solidão. Estava feliz

A Relíquia - Vol. I - por Handerson Pessoa

Fazia nove dias que o grupo de alunos da faculdade de historia da PUC-SP estava no Cairo, Egito, trabalhando nas escavações de uma importante relíquia que era procurada desde o século dezesseis. Após alguns acordos entre as embaixadas egípcia e brasileira, os pesquisadores entraram em ação e agora estavam localizados nas ruínas de uma antiga civilização.
Dalton era o líder, o único que falava francês, e estava acompanhado de Márcia, Dora e Ronaldo. Há horas não viam a luz do sol, estavam muito profundamente abaixo do solo sendo guiados pela coragem e pela forte luz das lanternas, enquanto o séqüito de egípcios recrutados para ajudar com o transporte e carga aguardava em dois jipes, em meio ao escaldante sol do meio-dia e a interminável chuva de areia.
O grupo encontrou uma clareira entre as poderosas paredes rochosas da gruta. Lá dentro, um enorme salão tipicamente egípcio com inscrições e desenhos que Dora teve bastante dificuldade em decifrar. Os artefatos encontrados eram os mais diversos: pontas de lanças, pratos, o que parecia ser fragmentos de um copo rústico e um sem número de objetos que levariam tempo para serem datados.
E ali, no fundo da cripta estava o jarro, quase imperceptível, escondido entre o pó e ossos de algum antigo habitante. Com extremo cuidado e perícia de um profissional, Danton removeu o jarro de barro tampado e com sua abertura lacrada por cordas. Com um canivete suíço ele conseguiu com cautela romper as amarras e destampara o pote. O objeto estava frio e úmido, apesar do solo quente. Todos suavam e quando a luz penetrou o interior do jarro, um líquido vermelho, pegajoso e viscoso fez todos se sobressaltarem.
- Parece sangue – disse Márcia.
- Com certeza é sangue – Ronaldo falou após tocar o líquido com a ponta dos dedos.
- Meu Deus, que cheiro horrível – Dora exclamou, depois que o odor nauseabundo tomou conta de suas narinas.
- Tem mais alguém aqui – Danton disse. Um estranho barulho fez com que todos se alarmassem e vasculhassem o interior da cripta com as lanternas, mas não conseguiam ver forma alguma.
Logo ouviam os pios, os chiados do que parecia ser um ataque maciço de ratos. Talvez morcegos. Um enorme rato despencou sobre os cabelos de Márcia, que gritava em pânico e na loucura para se livrar do terrível animal, bateu o cotovelo esquerdo no jarro que rodopiou e caiu de onde estava. Não se quebrou porque estava sobre uma pedra baixa, lisa, bem perto do chão.
O sangue escorreu pelo chão empoeirado e logo tiveram que sair dali, pois os ratos correram na direção do sangue. Finalmente conseguiram encontrar a saída da gruta, mas não viam a claridade solar. O céu estava completamente tomado por escuras e pesadas nuvens de chuva por onde quer que seus olhos alcançassem.

Os guias egípcios desapareceram e enquanto Dalton tentava pegar o rádio comunicador no bolso da calça, o chão tremeu sob os seus pés. Um forte terremoto fez todos se deitarem no chão. No rádio só havia estática. Tentou o celular. Não havia sinal.
- Meu Deus o que fizemos? – gritava Márcia.
- Eu não sei, mas teve algo a ver com aquele jarro – gritou Dalton.
Repentinamente o terremoto cessou. O céu estava cada vez mais negro, e agora a chuva caía pesada e intermitente, como confetes no carnaval do diabo.
- Vamos nos abrigar dentro da gruta – Dora disse e correu para dentro, seguida pelo restante do grupo.
- Existem registros de uma antiga civilização egípcia adoradora do sol e que faziam rituais, sacrifícios, muitas vezes de humanos, e para que sua colheita e equilíbrio de vida fossem restaurados, eram sacrificadas mulheres, adolescentes virgens para aplacar a fúria das antigas deidades egípcias – Dalton falava enquanto todos prestavam atenção.
- Acha que aquele sangue tenha sido oferta a algum deus egípcio? – Ronaldo perguntou.
- Acho – Dalton disse – e se for, estaremos completamente perdidos.

A Relíquia - por Handerson Pessoa - Vol. II

Uma hora se passou e a chuva não cessava. Outra hora se foi, e mais outra. E outra. De onde estavam escondidos era possível ver a saída da gruta, por onde a água entrava às enxurradas. Tudo era visto pela luz das lanternas.
- Desliguem as lanternas – Dora falou – não sabemos ainda quanto tempo ficaremos aqui, por isso, pouparemos as baterias. Apenas uma lanterna fica acesa.
A temperatura começou a cair muito rapidamente e o vento que entrava parecia querer congelar os pulmões.
- Dalton, você que é mais experiente que nós, diga-nos: já se ouviu falar numa queda de temperatura dessa proporção à essa hora do dia no Cairo? – Márcia perguntou – Quero dizer, tudo bem que esfria muito no deserto durante a noite e quase gela de madrugada, mas meu Deus, são quatro da tarde agora.
- Isso não é normal – ele respondeu – nós provocamos isso.
- Cara estou dizendo, é aquele sangue – Ronaldo falou – O sangue foi derramado e agora temos que enfrentar a fúria dos deuses.
- Vou tentar o rádio de novo – Dalton falou.
Apenas o ruído peculiar da estática. Após isso, ninguém mais disse nada por muito tempo.
- Dalton, você disse que para aplacar a fúria dos deuses antigos, era preciso sangue humano, de uma virgem, é isso? – Dora perguntou.
- É.
- Precisamos sair daquie e sei lá, encontrarmos alguém que preencha esse requisito.
- E fazemos o que depois? Convencemos a tal virgem a ser voluntária ao sacrifício e depois enchemos novamente o jarro com seu sangue? – Dalton reclamou – Ah Dora faça-me um favor e me deixe em paz.
- Por que você não se torna voluntária e salva a humanidade, hã Dora? – Ronaldo desdenhou – Quantos anos tem? Vinte? Vinte e dois?
- Trinta, seu idiota e para o seu governo não preencho o requisito de virgindade. – ela respondeu – Mas talvez você possa fazer isso, já que nunca soube o que é uma mulher, a não ser pelas revistinhas que levava para a faculdade, na mochila.
- Vaca! – Ronaldo disse, vermelho de raiva e vergonha.
Todos os queixos agora batiam de frio. O relógio no pulso de Dalton marcava agora oito e meia da noite, horário local. Num canto, encolhidas dormiam Dora e Márcia. Ronaldo chegou perto de Dalton e falou-lhe ao ouvido:
- Dalton, escute, todo o planeta está sofrendo um dilúvio moderno. Olhe, o lugar está ficando inundado, logo teremos que sair daqui. E para onde vamos? Em breve, tudo ficará submerso, vamos morrer afogados. Veneza, Paris, São Paulo, em baixo d’água, já pensou nisso?
- Pelo amor de Deus Ronaldo, estamos no Cairo. Você está delirando com essa idéia de dilúvio – Dalton ponderou sentindo sua respiração ficar cada vez mais rápida.
- Olhe Dalton, Márcia tem dezessete anos, veio como assistente eu ouvi dias atrás uma conversa dela com a Dora sobre perder a virgindade com um egípcio – Ronaldo continuou – Sabe como são essas conversas de mulher.
- Está sugerindo sacrificar sua própria amiga? – Dalton perguntou, arregalando os olhos, mas considerando a sugestão
– Não se esqueça que foi ela que derramou o sangue. Eu vou descer e buscar o jarro antes que ele seja levado pela água.
Dalton chegando perto de Dora, abraçou-a e sentando-se atrás dela com o pretexto de aquecê-la. Com o braço direito apertou a garganta de Dora que esperneou e tentou em vão se livrar daquelas garras. Fora imobilizada e algum tempo depois acordaria sem saber o que lhe havia acontecido.
Foi até Márcia e aplicou o mesmo golpe. Ronaldo voltou com o jarro, a tampa e as cordas. Retirou Márcia de onde estava e a deitou sobre uma pedra plana. Com o canivete suíço fez um profundo corte no pulso esquerdo da amiga que jazia inconsciente na pedra fria.
Encheu o jarro e o lacrou, devolvendo-o ao seu lugar original. Jogaram o corpo de Márcia gruta abaixo e ele logo foi levado pela água profundeza abaixo.
Meia hora se passou, após ambos, Ronaldo e Dalton jurarem que aquele seria um segredo a ser levado para o túmulo.
- Já estamos em um túmulo – pensou Dalton.
Os primeiros raios de sol penetraram o interior escuro e frio da gruta. Dora acordou e chorou ao saber que sua amiga Márcia havia fugido e desaparecido durante a noite.
Dalton olhou o celular. Havia sinal, fraco, mas havia. No hotel assistiram por um canal de TV a cabo o estrago que a tempestade havia provocado no mundo todo.
“estima-se a morte de milhares de pessoas, talvez milhões”, disse o repórter.
A tempestade causada por um estranho fenômeno natural estava ligada à passagem de centenas de tsunamis, ciclones e furacões simultaneamente e que haviam alterado o eixo de rotação da Terra e seu eixo angular.
O repórter comentou também que esse fenômeno, de acordo com especialistas da área, já havia acontecido antes, milhares de anos atrás e que aconteceria novamente, alguns milhares de anos no futuro. Felizmente acontecia de maneira muito rara e em intervalos de tempo muito remotos e como se tratava de um fenômeno natural, nada era possível fazer, a não ser esperar. Dalton olhou para Ronaldo que olhou para Dalton. Então o repórter finalizou: “Que Deus tenha piedade das gerações futuras”.

Trote - por Handerson Pessoa

Desde moleque o Lucas já tinha começado a aprontar. Na lista das suas traquinagens, a que ocupava o topo era tocar a campainha nos muros alheios e sair correndo. Em segundo lugar era roubar a correspondência de caixas de correio para ler o que não lhe era devido. Juntou pilhas de revistas dos vizinhos que chegavam pelo correio e teve que queimar tudo quando seu pai descobriu.
Com o passar do tempo, as brincadeiras eram mais ousadas. Aos quinze anos, apanhava o jornal no trabalho do pai e se concentrava em lugar para as prostitutas da seção de acompanhantes, só para ver, escondido é claro, a reação das esposas dos vizinhos da sua rua quando abriam a porta e se deparavam com aquelas mulheres em trajes mínimos chamando por seus maridos. Já vira três casamentos se acabarem com aquela brincadeira de mau gosto.
Telefonava para a central de polícia informando crimes que jamais aconteceram e certa vez ficou preso uma semana para poder refletir sobre o que estava fazendo. De nada adiantou.
Aprendeu a usar computadores e quando ia à casa dos amigos sempre dava um jeito de encontrara as carteiras dos pais e pegar os números de cartões de crédito para depois fazer compras pela Internet. As compras era as mais diversas: eletrônicos, móveis e flores. E no escuro do seu quarto ficava pensando nas reações das pessoas: as que recebiam os presentes inesperados e as que tinham que pagar as contas que não tinham feito.
Telefonava para as farmácias pedindo remédios para serem entregues em casas em que as pessoas não tinham feito pedido algum. A mesma coisa com as pizzarias, só para deixar moradores e entregadores morrendo de raiva.
Tudo que era trote era mesmo com o Lucas. Um dia quando chegou em casa mais bêbado que um gambá, se cortou feio com uma faca tentando fazer não-sei-o-quê. Arrastou-se até a sala, apanhou o telefone e ligou para o serviço de ambulâncias. Sua voz mais conhecida do que tudo estava sendo ouvida pela atendente que afirmou que os médicos estavam a caminho.
Lucas esperou, esperou e esperou enquanto via sua vida esvaindo-se do seu corpo. Esperou demais. Do outro lado da linha, a atendente sorria enquanto terminava a chamada. “Algo importante Regina?”. Seu chefe perguntou: “Não seu Cláudio, era só um trote”.

Longe demais dos finais - por Handerson Pessoa

Chegou o último dia, e com ele, os últimos momentos. Sou um homem velho, sozinho e odiado, doente, sofrido e cansado de viver. Estou pronto para o depois, seja lá o que for. Deve, sem dúvida, ser melhor do que isso.
Sou o dono do apartamento neste bairro luxuoso na qual sacada estou sentado agora. Tenho quatro filhos, um com cada uma das esposas que tive. E agora não sei quem eram os piores. Os filhos ou as ex-esposas? Provavelmente eu.
Houve um tempo em que eu tive todos os meus desejos realizados: os carros, os eletrônicos, as casas e apartamentos que eu sempre quis. Comprei todos os carros que nunca dirigi, as roupas que nunca usei e freqüentei os mais caros restaurantes que eu nunca provei a comida. Mas estou velho demais para isso agora. O dinheiro é a fonte da minha infelicidade.
Não dou bem com nenhuma das minhas quatro ex-mulheres nem com meus filhos. Hoje eles vão se lembrar de mim, porque estou morrendo e será a hora de dividir o dinheiro. Planejei este dia por muito tempo. Esqueci de todos os lugares que fui sem querer ir e rasguei todas as catas e livros que escrevi e nunca publiquei. Não quero que outros se apossem das minhas idéias.
Eu já desliguei o telefone e joguei o celular no vaso sanitário, porque não quero falar com ninguém hoje. Hoje é apenas outro dia aqui sozinho. Houve tempos em que eu passava dias inteiros sem ouvir o som da minha própria voz por não ter com quem conversar. E houve dias em que eu dormi fraco demais por não ter o que comer. Mas isso já faz muito tempo. Não sei porque estou me lembrando disso agora. Talvez esteja louco como todos pensam. Deixe que pensem. Não faz diferença para mim.
Fico sentado olhado a cidade à minha frente. A campainha jamais toca. Houve tempos quando o dinheiro ainda não havia aparecido, mas a solidão já era a minha quinta esposa, que eu me animava quando meu cão Billy latia e eu corria até a porta para ver ninguém.
Preparei jantares para convidados que não vieram e telefonei para tantas pessoas que não me atenderam que hoje já não consigo mais contar. Chorei lágrimas de sangue sem que ninguém se importasse com isso.
Apanho meu sanduíche natural e tomo um gole do meu suco de maçã. Não como carne há muitos anos porque me lembra os diversos churrascos que eu freqüentava quando eu era jovem. Mordo meu sanduíche e jogo o resto na mesinha ao lado. Minha última refeição.
Lembro-me dos finais de semana em branco e todas as vezes que olhei para minha caixa de correio vazia e meu celular sem nenhuma ligação ou mensagem recebida.
Empurro a cadeira para trás e fico de pé. Minhas mãos e pernas tremem. Meu coração bate forte. Certamente já estarei morto antes de chegar ao solo. Seguro na amurada. Sento-me nela. A chuva que cai está fria, quase congelante. Olho para trás enquanto minhas lágrimas salgadas se misturam com as gotas de chuva formando um sabor agridoce.
Sem olhar para baixo, faço um movimento e atiro-me lá do alto sem saber voar.

O crime quase perfeito - Vol. 1 - por Handerson Pessoa

Já passava das cinco horas da manhã quando o gato miou, passando os pêlos nas pernas brancas e finas do agora famoso escritor Ralph Sinclair. O nome do gato era Al e o senhor Sinclair tinha por ele um amor quase que de pai para filho, uma vez que o gato era seu companheiro mais próximo. Havia também uma tartaruga e uma samambaia, mas sem dúvida, Al recebia a maior parte da atenção do seu dono.
Al colocou as garras para fora e miou ameaçadoramente para um pequeno pássaro que pousou na janela, piando, no momento que aqueles primeiros raios de sol começaram a aparecer. Vendo que não havia nada de interessante ali, o pássaro desapareceu. Al ronronou e foi se aconchegar na cesta onde ficavam as revistas do senhor Sinclair. "Cai fora daí Al", o homem gritou e o gato miou de forma ameaçadora mais uma vez.
O exemplar nº 142 da revsita Year's Book estava em cima de todas as outras e o senhor Sinclair tinha um verdadeiro ciúme daquela edição em particular. Na página trinta e oito estava a relação dos duzentos melhores escritores e suas respectivas obras do ano de 1986. A relação havia sido feita baseada na tiragem total das obras desde janeiro daquele ano.
E o orgulho de ter seu nome na revista fazia o senhor Sinclair encher o peito de ar e orgulho. Seu nome era o primeiro caso alguém lesse a tabela de baixo para cima. Ele não se importava. Pouco ganhou com aquela tiragem miserável a não ser um punhado de dívidas.
O senhor Sinclair era pouco mais que um escritor mediano de acordo com os padrões da revista mas conseguiu ter seu nome ali devido à sua persistência e astúcia. Anos antes do falecimento de sua mulhr, a adorável senhora Geena Mary Jackson, o senhor Thomas L. Jackson (agora conhecido por Ralph Y. Sinclair) abriu numa modesta loja, uma gráfica e editora chamada Ocean, onde ele mesmo cuidadva da edição do jornal semanário local e era auxiliado pela mulher. Publicou dez mil cópias do seu quarto livro (os outros três ainda não haviam sido publicados) que se chamava A terrível maldição da rainha de Sabá, e na parte de trás da capa, onde deveria aparecer a sinopse do seu trabalho havia uma proposta de reembolso, mais um prêmio de dois mil dólares para o leitor que encontrasse a palavra RAIMBOW impressa na página cem do livro. Plastificou toda a fornada dos seus livros e enviou para Gerald, seu cunhado e dono de uma grande rede de livrarias.
A obra foi exposta em um quiosque gigantesco no centro da livraria com um enorme cartaz pendendo do teto que dizia: "Mais Vendido". Ninguém jamais ouvira falar em Ralph Sinclair mas em poucos dias o estoque das vinte e oito livrarias se esgotou. Novas edições foram impressas e assim o escritou passou de anônimo a celebridade cultural em pouco tempo.

O crime quase perfeito - Vol. 2 - por Handerson Pessoa

Nas cartas recebidas pela editora e nos programas de televisão qu Ralph Sinclair participava, a pergunta era a mesma: "Quem ganhou o prêmio?". Nunca houve prêmio algum e agora o boato que circulava era que Ralph Sinclair não passava de uma farsa e ganhava enormes proporções.
Geena não estava mais lá, o dinheiro havia acabado e a Ocean agora com um novo máquinario rodou durante semanas a nova obra de Sinclair chamada A incrível batalha dos cabaleiros templários pelas ilhas de Tishman.
Para colocar sua obra à venda era preciso um pouco mais de esforço. todos consideravam Sinclair uma farsa e agora que não tinha mais a irmã Geena para amofiná-lo até que ele cedesse e colocasse o livro nas suas prateleiras, o senhor Sinclair simplesmente foi à falência e por pouco quase ficou louco. Entrou em seu quarto e num rompante de ostracismo não saiu de lá durante dois anos.
Ralph Sinclair tinh caixas e mais caixas de sua obra empilhadas e uma vez que apenas duas foram vendidas, era hora de traçar outra estratégia. Limpou o pó do maquinário da editora Ocean e imprimiu um cupom de desconto-reembolso no valor de dezoito dólares e cinquenta para quem não gostasse do livro e quisesse devolver ou quisesse usar o cupom para abater o valor da compra de outros livros, tudo pago pela livraria do cunhado.
Logo em seguida embalou novamente os livros com o cupom desconto-reembolso anexado à contra-capa. Os cupons poderiam ser trocados a partir de setembro de 1987, três meses depois que o livro foi para as lojas.
Claro que nada daquilo era do consentimento do senhor Gerald que na inocência vendeu todos os exemplares. O livro era vendido a 9,50 dólares e se esgotou rapidamente. Um cheque de cento e oitenta mil dólares foi enviado para Ralph Sinclair. A estratégia era extremamente simples. Nas cinco cidades onde haviam as livrarias de Gerald R. Manson, Sinclair deu dez dólares para cada um dos dez jovens que ele recrutou para que fizessem dez telefonemas cada, de telefones públicos diferentes fingindo interesse na compra do livro.
Com o acumulo de telefonemas, o senhor Gerald Manson foi quase obrigado a mandar caixas e mais caixas para as outras lojas. O que começou como uma tentativa interssante para fazer o dono das livrarias comprar mais edições do livro se tornou um lucrativo negócio. Três meses depois começariam os problemas.

O crime quase perfeito - Vol. 3 - por Handerson Pessoa

O senhor Sinclair, quarenta e três anos, após um café forte e certo que Al, seu gato estava longe da suas revistas ouviu um barulho na porta e sabia que a revista Year's Book de novembro havia sido atirada contra a sua porta. Abriu novamente na página trinta e oito da mesma forma que havia feito algum tempo atrás e contemplou o seu nome na posição vinte e sete. Estivera antes na posição duzentos e agora dera um grande salto.
A algum tempo atrás também vendera sua casa, sua decadente e inoperante gráfica e editora Ocean por novecentos mil dólares. Uma bagatela, ele dizia. Pegou seus cento e oitenta mil dólares e agora estava milionário. Deixou o dinheiro guardado em um banco onde rendia vinte por cento ao ano no nome de Thomas L. Jackson, seu nome verdadeiro. Três meses depois comprou uma casa modesta na cidadezinha de Kanton onde morou tranquilamente até aquela manhã.
O senhor Gerald Manson jurou que mataria Ralph Sinclair onde quer que ele estivesse, desde que o encontrasse. Comprou uma arma e não saía de casa sem ela. E após os pedidos constantes da senhora Claire Manson, ele levou a mulher e os dois filhos para uma viagem de dez dias para a Flórida.
Sinclair estava m seu carro, um Fox 86, tamborilando os dedos no volante cantando uma música country que tocava na única rádio da cidade. Parou no farol enquanto via os pedestres atravessarem a rua. Foi quando Gerald Manson apareceu.
A princípio Sinclair não o viu. Estava com os olhos fechados cantando um refrão, mas quando Gerald o viu, parou na faixa de pedestres e fixou os olhos para ver se era mesmo quem ele pensava que era. O farol ainda estava fechado, Sinclair abriu os olhos, arregalou-os, prendeu a respiração e abaixou o volume do rádio. Ainda teve tempo de ouviu Gerald murmurar: "Filho da puta".
O movimento seguinte dos dois foi rápido e rasteiro e ambos com a mão direita. Sinclair engatou a primeira marcha enquanto Gerald sacava a arma. O Fox branco atingiu o homem com a arma e o jogou para o alto e para a esquerda. Com o fluxo dos veículos rurais naquela manhã de domingo Sinclair perdeu o controle do carro, foi tocado por um trator e bateu num poste.
A senhora Claire, percebendo o movimento e o barulho, entrou no carro no momento que vi a o marido ser jogado para cima e foi ao seu encontro. Parou o carro a poucos centímetros de Gerald, e ao ver que estava vivo, o ajudou a entrar pela porta direita. Seu joelho esquerdo estava arruinado. Claire não sabia que o marido tinha uma arma e muito menos que andava com ela.
A fumaça saía do capô do Fox destruído. Claire e Gerald saíram às derrapadas, o poste iria ceder. E cedeu. Caiu sobre o Fox de Sinclair. A explosão foi ouvida de longe. As crianças choravam no banco de trás. A única viatura da pacata cidadezinha patrulhava uma rua distante dali.
E assim Sinclair foi definitivamente aposentado no mesmo dia que comemorou seu triunfo ao ver seu nome pela segunda vez na lista dos mais famosos escritores.
Gerald e Claire abortaram a viagem e voltaram. Ela e as crianças para casa. Ele para o hospital. No caminho, ela berrou com o marido: "Você sabe que eu odeio armas". Estavam próximo a um campo onde uma ave de rapina atacava ferozmente um animal morto. Parecia um boi. "Desculpe querida, não preciso mais dela", e jogou pela janela o revólver.
A ave se agitou e foi conferir o que era aquele barulho. Ao sentir o cheiro de pólvora e vendo que não havia alimento algum, a ave bateu asas e voou.


A super quarta-feira - por Handerson Pessoa


Edmundo tinha vinte e nove anos e desde os nove fumava intermitentemente, nunca tentando largar o vício mas cuidando para não ficar viciado. Gostava das marcas famosas e sempre preferia as tradicionais. Eram onze e meia da manhã e Edmundo estava preocupado. Haviam apenas outros dois cigarros, nenhum dinheiro no bolso, nem na carteira, nem no banco. Fuçou todos os lugares onde talvez pudesse encontrar algum dinheiro. Cinquenta centavos foi tudo o que achou depois de longos períodos de procura entre seus pertences.
Olhou concentrado na pequena caixa de West nas suas mãos. Com aquele dinheiro não dava para comprar outra. Bela hora para parar, ele pensou. Era a hora do almoço e ele foi para o bar. Além do cigarro, o jogo era outro dos seus vícios. Raramente ganhava, mas naquela manhã achava que poderia ter sorte. Anotou quatro números do código de barras do cigarro e foi até a mesa do apontador.
O sorteio corria ao meio dia e com um MP3 ele ouvia os resultados na mesa da copa da firma onde trabalhava. Não conseguiu segurar um pequeno grito e um soco na mesa quando soube que ganhou. Cinquenta centavos haviam se transformado em novecentos e oitenta reais.
Recebeu o dinheiro três horas depois. Estava no caminho de volta do banco para a sua firma. Parou e apostou de novo. Dez reais nos mesmos números e outros quinze reais em números diferentes. O sorteio agora do jogo do bicho acontecia às quatro da tarde.
Do computador ele acompanhou os resultados. Não acreditou no que viu. Outro palpite correto. Dezesseis mil, quatrocentos e cinquenta e dois reais e dezoito centavos.
Queria comemorar ali na frente de todo mundo, mas se conteve. A lei trabalhista diz que um funcionário pode ser demitido por justa causa pela prática constante de jogos de azar e ele não queria correr esse tipo de risco. Receberia sua pequena bolada no dia seguinte em outra agência para não levantar suspeitas. Era o seu dia de sorte. Fez outras apostas para o sorteio das 18:30 mas não pegou nada. Não se importou. A apenas algumas horas atrás ele estava preocupado por ter apenas cinquenta centavos. O dinheiro multiplicou espantosamente num dia só.
A sorte finalmente havia batido à sua porta e Edmundo não queria desperdiçar nenhum minuto daquele maravilhoso dia. Entrou na lotérica apanhou diversos bilhetes, marcou todos e foi para casa. Acabou dormindo por causa do excesso de vinho. Tinha medo de dormir e acordar com seus cinquenta centavos no bolso.
Acordou com uma terrível dor de cabeça. Chegou atrasado no trabalho. Brigou com o gerente e foi demitido. Ia embora daquele lugar no fim do dia. Abriu um portal de notícias na Internet. Conferiu os números e vomitou ali mesmo no cestinho de papel debaixo da sua mesa. O sorteio número 735 teve apenas um ganhador. Vinte e três milhões, novecentos e setenta e nove mil reais e um troco.
Levantou-se da cadeira, foi até a sala do gerente e disse para ele enfiar aquele emprego ele sabia onde. Foi direto ao banco, recebeu o prêmio, transferiu para outra conta. Uma semana depois estava em sua casa de praia, sentindo a areia quente nos pés, olhando para seu pequeno barco luxuoso. Andou pelo píer e entrou no barco. Pegou sua caixa de West, amassou e jogou na água. Nunca mais, ele disse para si mesmo. Mas como homenagem colocou a caixinha milagrosa do West de dias atrás em uma cristaleira e ninguém tocava nela.
Passou o resto da vida navegando pela águas calmas da costa brasileira, parando em vários quiosques comprando todos os cigarros que conseguia e destruindo todos. Fez campanhas contra o tabaco e teve muitos seguidores. Seu slogan era: "o cigarro pode matar ou destruir você". Mas no fundo sabia que por causa dele, sua vida tinha apenas começado, sem hora certa para parar.

O pombo atirador de elite - por Handerson Pessoa

A dona Neusa chegava a ser irritante com a sua mania de limpeza. Qualquer cisquinho pelo chão da sua sala limpa e asseada e lá vinha ela com sua vassourinha na mão. Sujeira por menor que fosse no seu carpete? Lá vinha a dona Neusa com uma vassoura de pia sava nas mãos. Não tinha aspirador. Carro então nem se fala. Era impecável. Completamente limpo, nenhum pó. Lavado de três a quatro vezes por semana, aspirado e perfumado. A dona Neusa não podia com bagunça, nem tampouco com sujeira.
Participava das reuniões organizada por um grupo de psiquiatras voluntários especializados em transtorno obssessivo-compulsivos e sempre que ia se sentar, passava um paninho embebido em álcool para limpar o assento e o espaldar. Lavava as mãos a cada dez minutos e entrava
em parafuso só de pensar que microorganismos poderiam invadir seu corpo. Tinha síndrome do pânico. Seu jardim estava completamente livre de ervas daninhas e suas luvas com as quais revolvia a terra eram sempre descartáveis. Era a versão feminina do famigerado detetive Monk.
Mas aconteceu que um dia a dona Neusa voltava de uma das suas sessões de terapia (como ela costumava chamar) e parou em um farol. Observava atentamente as vitrines das lojas com marcas de dedos nos vidros, e apertava com força o volante do carro, os nós dos dedos
chegando a ficar brancos, louca para entrar na loja somente para pedir para as vendedoras deixarem ela passar seu paninho com álcool nos vidros. Com os carros na rua era a mesma coisa. Era implacável com a sujeira, o seu currículo de caça-sujeira não tinha jaça.
O farol abriu e lá ia ela com seu imaculado automóvel pelo lado direito da pista. À sua frente todos os faróis estavam abertos e ela poderia pisar fundo no acelerador e chegar em casa o quanto antes.
Foi quando um humilde pombo que havia pousado em um dos fios da rede de alta tensão resolveu salvar a vida da dona Neusa. Carimbou o pára-brisas do veículo com uma precisão digna de atirador de elite, a diferença era que a sua arma...bem...era um tanto diferente. O projétil acertou em cheio o vidro do carro e dona Neusa quase em pânico com aquela sujeira enfiou o pé no freio, os carros buzinando atrás. Ignorou completamente o buzinaço dos veículos e ao abrir o porta-luvas para pegar um papel higiênico para limpar o vidro ouviu o estrondo. Um caminhão vermelho Scania, do tipo jamanta de 20 marchas atravessou o cruzamento no farol vermelho, e se chocou com o carro da faixa ao lado da que estava dona Neusa. O motorista estava sozinho no Fiesta verde abacate que ficou completamente destruído, mas ele
sobreviveu.
Dona Neusa boquiaberta viu que tinha sido salva pelo pombo. Jogou o papel na rua, pensando: Dane-se a rua com essa sujeira! entrou no carro e parou no primeiro lavajato que viu na frente. Como homenagem ao pombinho salvador ela foi a um viveiro de aves, comprou
duas dúzias de pombos brancos e pensou em levar para casa, mas sabia que não conseguiria conviver com a sujeira deles. Abriu as caixas e soltou todos.
Parou de fazer terapia, relaxou um pouco mais com a ordem e a limpeza da casa, começou a fumar e a não se importar com as cinzas pelo seu chão e era vista sempre roendo as unhas. Comecei a viver, ela dizia para quem quisesse ouvir. Fez drad no cabelo, uma tatuagem nas
costas, um grafite na parede do seu quarto e adotou um cachorro. Virou uma radical.

A carteira - por Handerson Pessoa

O Fernando estava na área de lazer do shopping, comprando créditos para o seu cartão para as máquinas de fliperama quando o restante dos seus amigos resolveu ir embora. Já estava ali desde as quatro horas da tarde, e cinco horas depois se cansaram dos mesmos jogos. Mas não o Fernando. Lá estava ele de novo naquela moto. Sempre chegava em primeiro, no mínimo um segundo lugar. A carteira incomodava no bolso de trás da sua calça jeans, então ele a colocou perto do painel da máquina, ali perto do lugar onde tinha que passar o cartão.
Primeiro lugar de novo. Levantou-se e foi para outra máquina. Trinta minutos se passaram. Os créditos acabaram e a fome apertou. Ao lado ficava uma pizzaria: Pizzaland, uma daquelas pizzarias que cortam a pizza em quadrados pequenos. Ele se sentou, pediu uma pizza e esperou. Levou a mão direita ao bolso da calça e apertou o bolso vazio. Cadê a minha carteira? - ele se perguntou em voz baixa, mas todo mundo ouviu.
Sentiu um calafrio por dentro. Seu estômago rodou. Sorrateiramente ele saiu da pizzaria, sem deixar rastro. Voltou ao fliperama. Caramba! Fui roubado e nem vi - ele ficava repetindo para si mesmo o tempo todo. Andou por entre a multidão e olhou. Ao longe viu um rapaz com uma camiseta preta escrita PAZ em letras grandes e maiúsculas. O rapaz mexia em uma carteira. O Fernando foi chegando perto e viu que era a sua. O rapaz olhava ao redor, parecia desconfiado, parecia procurar o dono da carteira.
Sem pensar o Fernando chegou por trás e deu um tapa nas costas do outro.
- Tá pensando o que rapá? Roubando a carteira dos outros? Tá querendo apanhar aqui é? - ele gritava.
- Cê tá louco cara? Sou ladrão não, eu achei essa carteira ali no...
- Me dá isso aqui - O Fernando disse, pegou a carteira e deu um empurrão no peito do rapaz
Começava uma briga. Os dois rolaram pelo chão se agarrando, dando coices e pontapés, parecendo uma dupla de garotos de oito anos. Até que chegou um segurança. Um não, três. Os arruaceiros foram imobilizados e levados à administração do shopping onde foram explicar a história. O rapaz de camiseta preta da Paz foi jogar no simulador de corrida de motos. Encontrou a carteira do Fernando e naquele momento estava olhando para a foto da carteira de identidade e procurando o seu dono. Daí chega o Fenando e começa o embate.
Após os pedidos de desculpas, a carteira foi devolvida. Nada de errado com ela, tudo estava lá, intocável. Lenços foram distribuídos para os dois limparem os narizes sangrentos. O Fernando agradeceu, o outro concordou, e depois de um abraço de confraternização, os dois foram para a pizzaria onde pediram pizza de calabresa e uma rodada de chopp. Em seguida voltaram ao fliperama onde disputariam uma partida no simulador de motos. Mas por precaução, dessa vez o Fernando colocou a carteira dentro da camisa.

Serviço de bordo - por Handerson Pessoa

Para o serviço de bordo do vôo BR1021 da BRA, a comissária serviu como de costume um sanduíche de peito de peru, um bolinho com gosto de velho e um copo plástico com refrigerante quente de guaraná que parecia ter sido aberto na tarde do dia anterior. Seu nome era Paula Marques e a sete meses havia entrado para o time das comissárias.
Seu trabalho era relativamente fácil. Depois de mostrar como se usavam os equipamentos em caso de falha da aeronave ( o que ela detestava porque parecia uma marionete em um espetáculo onde poucos prestavam atenção), era só esperar o comandante nivelar o pássaro mecânico a pouco mais de dez mil metros de altitude para começar a servir. Mas Paula não era apenas uma comissária comum. No começo apenas fazia seu trabalho, meses depois começou a querer um pouco mais.
Paula trabalhava dia sim e outro não. Isso facilitava. Um dia antes, como tinha acesso a diversos setores da companhia, ela acessava via Internet a relação de passageiros que estariam nos seus aviões no dia seguinte. Escolhia suas vítimas assim. Selecionava os mais ricos, que provavelmente viajariam com dinheiro, cartões de crédito, cheques e toda aquela quinquilharia eletrônica que ela agora tinha em casa e que estava disposta a vender. Jamais havia levantado dúvidas. Estava acima de qualquer suspeita. No começo seu pulso chegava a cento e quarenta, mas com o tempo o medo foi passando e já havia se tornado algo banal para ela.
O doutor Walter Inácio dormia a sono alto quando ela passou pela sua poltrona. Geralmente o serviço de bordo era servido do início para o fim do avião, mas por causa da insistência do doutor Walter querendo um whisky (era seu primeiro vôo e ele precisava relaxar) ela resolveu iniciar pela última fila.
Voltou rapidamente para a cozinha onde abriu uma frasco com comprimidos e despejou os pedaços sobre a bebida sem gelo do homem. Sorriu para ele, que deixou o laptop na poltrona ao lado sobre o blazer cinza claro. Era a última fila da aeronave, e por uma sorte muito grande estava viajando na poltrona A sendo que as poltronas B e C estavam vazias. Parou o carrinho na volta para a cozinha na frente da poltrona, sentou-se e verificou o estado da sua vítima. Inconsciente. Ele acordaria algum tempo depois na enfermaria do aeroporto com fortíssimas dores de cabeça e sem saber para onde haviam ido seus pertences. Dias depois iria abrir um processo contra a empresa aérea e um dia seria ressarcido de seu prejuízo. Paula Marques sorriu. Um carneirinho, dois carneirinhos, três carneirinhos...
Recolheu carteira, dinheiro, e o laptop que colocou embaixo do carrinho. O vôo estava cheio de poltronas vazias e isso tornou o roubo ainda mais fácil, ninguém percebeu nada.
Quando o avião aterrissou, ela foi a primeira a comunicar o comandante que pelo rádio chamou uma ambulância. Depois dos paramédicos realizarem o seu trabalho ela graciosamente pegou sua mala com rodinhas, desceu as escadas e entrou no aeroporto Santa Genoveva em Goiânia. Acima de qualquer suspeita. Tinha uma hora e meia de descanso antes de voltar na mesma aeronave para São Paulo. Começou a fazer as contas. Discretamente entrou no banheiro e abriu a carteira do pobre homem. Tinha dinheiro ali equivalente a três meses do seu salário como comissária. Apanhou o dinheiro e se desfez da carteira, jogando no lixo do banheiro. Logo a carteira seria encontrada.

Já estava na hora de voltar. Ajeitou seu cabelo, sua roupa, e estava pronta. Novamente levou para dentro do avião sua bagagem. Acompanhou a subida dos passageiros, fez o teatrinho da máscara de oxigênio e estava pronta para o serviço de bordo quando ela caiu. Ela não sabia o que tinha acontecido, mas o episódio foi rapidamente escondido pelas outras comissárias que a levaram para um local isolado do avião. Paula estava desacordada, não tinha reação alguma, mas ouviu ao longe uma pessoa dizer: “Pegue o remédio dela”. Paula tinha medicação controlada, e num terrível e comprometedor engano, a amiga pegou o frasco de comprimidos errado. Paula voltou a dormir e quando acordou e abriu os olhos viu tudo branco. “Estou no céu”, ela pensou e quase disse, mas sua cabeça doía horrores e ela nem mesmo tentou dizer nada. Tentou se levantar, mas não conseguia. Olhou para o braço esquerdo e uma pulseira de metal cintilava em seu pulso. Olhou para o outro lado e uma policial estava acompanhando a criminosa. Paula chorou e o mais improvável aconteceu. Convenceu a todos que aquela não era a sua mala. Durante o tempo de espera no aeroporto em Goiânia, Paula furtivamente trocou o distintivo das malas que eram sempre idênticas entre as comissárias. Alguns passageiros possuíam malas iguais e no saguão do aeroporto houve a troca. Ela não era bandida, era uma simples vítima como o doutor Walter, ela dizia. Paula, depois de alguns esclarecimentos foi libertada, voltou para a sua casa e prometeu não processar a empresa que trabalhava depois de um pomposo acordo. Sentiria falta de sua bagagem, mas a empresa já havia providenciado outra. E assim Paula escapou por muito pouco de passar os dias confinada a uma cela. Ufa! O doutor Walter teve seus valores restituídos mas nunca mais viu sua velha carteira e seu computador, e em algum lugar próximo ao Jardim América em Goiânia, alguém gastava o dinheiro do doutor Walter em um shopping e depois voltaria para casa para usar um laptop.

O Troco - por Handerson Pessoa


Todo dia de finados chove. Pode reparar. Desde os oito anos de idade eu percebi isso e nos dezenove anos seguintes tem sido assim. É só amanhecer o dia dois de novembro que já começa. Se não for pela manhã é no final da tarde que o pranto sagrado resolve dar o ar da graça.
E foi durante uma daquelas intermináveis chuvinhas que minha campainha tocou. Era o Júnior. Pálido, tremento de medo e de frio, com os olhos esbugalhados. Preparei um chá quente enquanto meu amigo tomava um banho e vestia uma das minhas roupas.
Então passado o susto ele resolveu contar. Acabara de ficar sob a mira de uma arma. Tudo isso por causa de um troco errado. O Júnior acordou cedo e foi para a casa da irmã. Entrou na lotação e sentou-se num daqules lugares reservados para idosos e deficientes. Era o ponto final e enquanto meu amigo se maravilhava com a calça extremamente justa da cobradora e que mostrava a calcinha vermelha para quem quisesse ver, ele respirou fundo e falou:
- Cobradora, só tenho uma nota de cinquenta, você pode trocar?
- O troco máximo é de dez reais - ela disse sem olhar para ele.
- Mas eu só tenho essa nota - meu amigo falou.
- Vou ver o que posso fazer - ela disse e pegou o dinheiro.
Enquanto meu amigo contava, eu ia servindo mais chá. Ele então continuou. A lotação foi enchendo, enchendo e uma mulher grávida e com um outro bebê os braços entrou com sua mãe já idosa. Meu amigo cedeu o lugar. Cedeu porque além de ser cavalheiro, é lei municipal ceder aqueles lugares.
Tudo lotado e meu amigo ali em pé. A cobradora abriu uma pochete onde haviam diversos maços de notas amarrados com um elástico amarelo. Um solavanco, uma freada e vários maços caíram. Meu amigo ajudou a pegar. A cobradora agradeceu e deu o troco para o Júnior. Era o ponto dele descer e como não dava para ir pela porta de trás, desceu pela frente mesmo. Colocou o dinheiro, o troco no bolso de trás da calça jeans e se foi.
Chegou na casa da irmã. Ela não estava. Resolveu esperar um pouco, foi a uma lanchonete, pediu refrigerante e um beirute. A chuva não parava de cair. Quando foi pagar, o susto. Noventa e sete reais e setenta centavos. Na pressa, a cobradora gostosinha enfiou a nota de cinquenta no meio das outras sem perceber.
O Júnior voltou para casa depois de esperar pela irmã que nao voltava. Na frente da sua casa, um carro branco o esperava. Assim que ele abriu o portão, dois caras saíram com uma arma cada um.
- Tá querendo sacanear a gente malandro? - um deles perguntou.
- Do que você está falando? - o Júnior perguntou - Quem são vocês?
- O dinheiro do ônibus, cadê? Eu quero o dinheiro - o outro vociferou.
Com a barulhada da chuva ninguém escutou nada, nenhum vizinho sequer apareceu na janela.
- Desculpe, não foi culpa minha, eu ia devolver - o Júnior disse gaguejando ao sentir o cano do revólver encostar na sua barriga.
- É claro que ia - um dos homens disse.
Meu amigo pegou o bolo de diheiro e ia retirar a nota de cinquenta reais quando num movimento brusco, o homem arrancou todo o dinheiro do Júnior, enquanto o outro dizia: "Ande logo com isso". O homem guardou o dinheiro num dos bolsos da calça e mandou o meu amigo virar de costas. É claro que o Júnior não ia desobedecer a dois caras armados, foi quando sentiu o soco nas costelas e ficou ali deitado no chão enquanto os caras iam embora.
Na minha lavanderia as roupas do Júnior secavam ao vento frio. ele não sabia como tudo aquilo poderia acontecer. Quase ser morto por causa de cinquenta reais? Daí eu me lembrei do caso do cara que morreu baleado por causa de um mísero pedaço de pizza.
Meu amigo, mais calmo, resolveu ir embora. Pegou a jaqueta ainda molhada e levou outro susto. No bolso largo de dentro havia três maços de dinheiro. Como havia aparecido ali? Daí se lembrou da freada da lotação e o dinheiro voando em maços da pochete da cobradora. Total: oito mil, duzentos e setenta e sete reais.
Definitivamente ele não ia devolver aquele dinheiro depois de tudo que tinha passado. Levei meu amigo para casa depois de ser presenteado com mil e quinhentos reais. Claro que fiquei satisfeito. O Júnior, lógico, ficou pensando em quanto tempo os caras voltariam. Não voltaram. Mas por via das dúvidas, comprou uma moto e se mudou de bairro. E nunca mais andou de ônibus e nem de lotação.

A confusão pede carona - por Handerson Pessoa

O seu Gustavo Gomes é o taxista mais famoso do bairro. A dezoito anos se casou com a dona Simone, que é um poço de ciúmes do marido. Esses dias aconteceu uma coisa engraçada. O seu Gustavo tinha acabado de trocar as capas dos bancos do seu táxi. Tudo cinza claro e uma listra vermelha.
Todos os dias pontualmente às sete e trinta da noite, o carro do seu Gustavo apontava na esquina. Era um ritual. Durante quinze anos era assim. E aconteceu que naquele fim de tarde, estava ele voltando para casa quando de repente uma moça acena. Quer fazer uma corrida. O seu Gustavo pára.
A moça entra, a blusa listrada de vermelho combina com o estofado do carro e valoriza os seus seios, se é que isso fosse possível afinal. Seu Gustavo olha para o decote generoso pelo retrovisor. Já passou no farol amarelo duas vezes, pestanejando.
No banco de trás a moça está suando. "Quer que ligue o ar condicionado dona?" o seu Gustavo pergunta. A moça não responde, apenas pende o pescoço para a direita e desaba. O seu Gustavo ouve a batida da cabeça dela no vidro e pára o carro num acostamento. Ela não está respirando, o jeito será fazer uma respiração boca a boca.
Ele vai para o banco de trás e prende o nariz da moça com uma das mãos e com a outra aperta o maxilar, mantendo a boca dela aberta. Enquanto ele tenta salvar a vida da pobre moça que agora involuntariamente exibe suas pernocas através da saia, que mais parece uma amostra grátis de algum tipo de tecido, a dona Amélia, sua vizinha passa pelo táxi do seu Gustavo, e olha para dentro.
- Seu Gustavo! - ela berra. - Eu vou contar tudo para a sua mulher"
O seu Gustavo nem sabe quem falou e nem de onde veio o som, quando olhou so viu a traseira do Palio verde da vizinha. A moça acorda algum tempo depois.
Na volta para a casa, o seu Gustavo matuta o que vai dizer para a mulher. Sabe que por mais honesto que for ela jamais irá entender. Daí vem a mentira. Ele entra na casa. Pé-ante-pé, olhando para os lados, ressabiado. A mulher chora sentada na cadeira da cozinha, debruçada sobre a mesa. Noventa e oito quilos de puro ciúme.
- A Amélia me contou tudo - dona Simone balbucia - eu sei que você estava com outra.
- Simone - ele tenta dizer aparentando a maior calma do mundo - me desculpe, eu fui um cretino, só fiz isso para aquele avarento, safado, pilantra do Jorge aprender.
- Do que você está falando? - pergunta a dona Simone.
- Já tem mais de um ano que o Jorge não me paga aqueles três mil reais que eu emprestei para ele, daí sequestrei a filha dele e exigi os três mil como resgate. Como ele não tinha, eu falei que ia matar a moça, e ia matar mesmo, se não fosse a Amélia, eu tinha matado ela sufocada.
- Meu amor - diz a dona Simone - então a Amélia entendeu tudo errado. Eu, eu pensei que você...
- Eu sei, eu sei, está tudo bem. - o seu Gustavo diz olhando para o quadro na parede enquanto abraça a dona Simone.
- Me desculpe - ela diz.
- Imagina.
Enquanto dona Simone termina seu banho, o seu Gustavo conta o dinheiro que ganhou com o taxi naquele dia. Graças à moça, seu dia lhe rendeu mais cento e cinquenta reais, que ele vai comprar um sofá novo. Só espera que o pai da moça que ele tentou matar sufocada não registre queixa contra ele. Se registrar, o sofá terá que esperar.

Super Choque - por Handerson Pessoa


Já fazia quatro anos que o Tulio corria todos os dias pela manhã. Disposto no início a perder alguns quilinhos acabou gostando da idéia e pontualmente às seis e quinze da manhã lá ia-se ele a correr pelas ruazinhas de pedra do parque Guarapiranga. Numa dessas manhãs, depois de uma noite com uma das tradicionais tempestades paulistanas, Tulio não viu o fio que estava caído, resultado de uma árvore derrubada pelo vento. Quando viu já era tarde. Tentou se desviar mas acabou enfiando o pé numa poça d'água onde estava a ponta do fio. O choque alastrou-se pelo seu corpo em um segundo que pareceu durar uma vida inteira. Ele caiu, arremessado pela corrente elétrica e teve sorte de não ter ficado grudado ali.
Levantou-se ainda zonzo, os cabelos meio arrepiados, não tinha mais pique para continuar a corrida. O jeito era ir para casa e se preparar para outro dia de trabalho. Chegou em frente à porta e ao esticar o braço em direção à maçaneta a porta se abriu sozinha. Estranho. Entrou e fechou a porta com o calcanhar.
Na cozinha pensou em fazer um sanduíche, foi até a geladeira e antes que fizesse alguma coisa a porta também se abriu sozinha. Que estaria acontecendo? Preparou o sanduíche, chegou em frente ao microondas e desta vez não fez nada. Apenas piscou os olhos. A porta se abriu. Colocou o prato lá dentro. Assoprou. O microondas ligou sozinho. Estava começando a ficar divertido.
Comeu. Foi ao banheiro. Bancou o Super Man com olhar de raio X e o chuveiro também ligou sozinho. Mas como se houvesse uma pedra de Cryptonita ali dentro, sua cabeça começou a latejar infernalmente ao chegar perto da água. A dor era tanta que ele não conseguia enxergar nada. Com uma toalha enrolada nas mãos fechou o registro e a água parou de cair. A dor parou na hora.
Repetiu os passos em direção ao chuveiro. Mesma coisa. Mesma dor. E ele ali todo suado precisando de um banho mas era impossível. Parece que seu presente elétrico lhe havia imposto algumas restrições. O jeito foi improvisar. Lavou-se com álcool e uma flanelinha. Não tinha outro jeito. Dois dias se passaram assim.
Foi aí então que a Dóris, a namorada do Tulio, resolveu chamar todo mundo para um happy hour na casa dela. Depois que todo mundo tinha bebido todas, ela levou o Tulio lá para o andar de cima. Parece que o Tulio só tinha problema mesmo era com água para banho, porque bebia normalmente a água que passarinho não bebe.
Resolveu fazer uma surpresa. Aproveitou o Tulio já meio tonto, vendou seus olhos e lascou-lhe um beijo na boca. A coisa foi ficando quente, quente, mais quente, e de repente, quando ele caiu em si estava mesmo caindo, dentro da banheira cheia d'água do banheiro dela. A dor quase o levou ao delírio, mas só durou um segundo. Ele se projetou para fora da banheira assustado. Não sentia mais nada. A cabeça não doía mais. Estranho. A Dóris só olhava para ele. Agora quem não estava entendendo nada era ela. Fim de clima.
O Tulio precisava ver se ainda tinha seu super poder. Foi até o quarto dela onde sempre tinha roupas dele e se concentrou. "Guarda-roupas, abre a porta!", ele quase disse depois de muita concentração. O guarda-roupas nem se mexeu. Tentou de novo. Nada. Mais uma vez. Menos ainda. Ficou chateado, mas talvez fosse melhor assim.
Voltou para o banheiro onde a Dóris ainda estava se trocando. Abriu a porta. "Não chegue perto de mim!" ela gritou. Por sorte os convidados não ouviram. "O que foi Dóris? O que aconteceu?" ele perguntou. "Tem alguma coisa errada comigo" foi tudo o que ela disse, e estalou dois dedos. A lâmpada desligou no mesmo instante. Estalou de novo. Ligou. Ela começou a chorar.
O Tulio explicou para ela tudo o que havia acontecido desde que ele pisara na poça d'água que tinha a ponta do fio, e tudo o que acontecera até ali. Daí a idéia. E se entrassem ao mesmo tempo na banheira, um de cada lado, será que o super poder, ignoraria-os e os deixaria em paz? O jeito era tentar. E assim foi. Contagem regressiva. "Três, dois, um, já!".
O choque passou pelos dois num segundo que pareceu ser uma hora e depois se foi. Levantaram-se. As coisas pareciam ter voltado ao normal. Ela estalou os dedos e nada aconteceu. Ele se concentrou mas nada se abriu ao seu redor. Ufa. Finalmente tinha acabado. Nada de choques, nada de eletricidade, nada de mover as coisas com a força do pensamento. Eram normais de novo. Pelo menos aparentemente, pois agora seus corpos desmaterializados podiam atravessar qualquer porta e parede. O susto? Bem, já não se assustaram tanto assim, no que mais poderia dar tudo aquilo? Apenas olharam um para o outro, aquele olhar cúmplice e ao mesmo tempo disseram: "Banheira!".


Spanish Guitar - por Handerson Pessoa

Depois que todos os convidados se foram, e agora só há a sujeira dos restos de bolo, papéis e pedaços de salgadinhos da festa de trinta anos do Hugo, foi que a Lídia resolveu entregar o presente. Um envelope branco. Dentro há duas passagens para Auckland na Nova Zelândia. Ela sabe que o Hugo tem o desejo ainda não realizado de saltar de Bungee Jump de uma famosa ponte lá. O agradecimento? Um sorriso enorme, um beijo e uma abraço ao som de Tony Braxton cantando Spanish Guitar.
Cinco de dezembro. Dez da manhã, horário local. Lídia vê lá de baixo com um binóculo, o Hugo colocar os equipamentos. Primeiro os mosquetões, depois a solteira, depois o capacete. Ele chega em frente ao precipício, grita "Te amo Lídia" e salta. Cai durante alguns segundos. Ela sorri, Realizou o desejo do namorado.
Dez e cinco. Os olhos arregalados de Lídia vêem o pior. A ponte tem cento e três metros de altura. A corda tem cento e dez metros. Lá em baixo, só há um corpo estirado, murcho como um balão de água furado. A seguir o desmaio.Vinte e quatro de dezembro. Noite de ação de graças. Véspera de natal. A ceia está servida mas Lídia está sozinha. A comida esfriou. Só um copo cheio de Chivas Reagal em uma das mãos. Na outra, um Lucky Strike aceso. Lá fora um casal aos amassos ouvindo também Spanish Guitar. O som sobe os sete andares e teima em entrar no apartamento da Lídia.
Meia noite. Natal. Lídia olha para a foto do Hugo na parede. Vai até a sacada e chora. Vê os fogos colorirem os céus. Dorme ali mesmo na sacada, ao relento.
Vinte e cinco de dezembro. Natal. Lídia liga seu MP3 e sai em direção à praia. Senta-se na areia, olha o infinito e se levanta. Caminha em direção à água. Os pés somem, a água agora já chega aos joelhos, cintura, seios, rosto. Ela não pára. O MP3 parou de tocar Tony Braxton porque já entrou água. O céu está cinza. Cinza escuro. Preto. Vazio. Nada. Lídia desaparece sob a água. Nunca mais foi encontrada.
Na praia, horas depois um menino mostra à mãe um MP3 que a maré trouxe para a praia e comemora o achado. No apartamento de Lídia um telefone toca desespeardo. Ninguém atende.

Porta Giratória - por Handerson Pessoa


Só faltavam cinco minutos para as quatro da tarde. E ainda faltavam dois quarteirões para chegar ao banco. Eu corria feito louco. Era véspera de final de semana e eu não podia deixar tudo para depois. Mais dois minutos, mais alguns poucos passos. Pronto. Agora é só passar pela porta giratória e: “Plim”. A maldita porta apitou. Dois seguranças policiais olharam para mim. Um negro enorme, corpulento com a mão direita no coldre. Do outro lado da porta, uma mulher. Era talvez a mulher mais bonita que eu já havia visto em toda a minha vida. Olhou para mim com aqueles olhos penetrantes e pediu que eu voltasse e tentasse mais uma vez.
“Plim”. Trinta segundos faltando para as quatro. Será que vai dar tempo? Passo a mão pelo cabelo numa tentativa desesperada que a segurança me deixe passar. Olho para o nome gravado no seu uniforme: Marília. Ela pede para que eu abra a minha bolsa. Não há nada suspeito ali e antes que eu consiga fechar o zíper da bolsa, a porta é liberada, para a minha alegria e a dos outros sete que estavam me esperando, com a mesma impaciência. Mal passo pela porta, e o cara que estava depois de mim, quer apressar tudo e gira a porta que bate nas minhas costas e me desequilibra. Minha bolsa cai, e de lá jorra um sem número de papéis bem em cima dos pés da Marilia. Ela olha para mim e se abaixa para me ajudar.
Aqueles cabelos louros embora preso pelo fecho do boné caem por sobre seus ombros e eu não posso simplesmente deixar de olhar. Papéis entram desordenadamente dentro da bolsa e para a minha surpresa quando ela pega uma das últimas levas de papel ela descobre a revista. Aquela revista masculina sugestiva que o Paulão me emprestou. “Essa modelo é muito bonita”, ela me diz. Meu coração foi a mil, ela percebeu. “É mesmo, mas você ganha disparado” eu falei, e nem acreditei que falei. Mas ela não diz nada, apenas olha para mim e dá uma piscadela com o olho direito. Meus pêlos eriçam. Não isso não pode estar acontecendo. A fila está pequena, só há agora mais dois na minha frente. Sinto um toque nas minhas costas, é a Marilia, que me diz: “Ainda tinha este papel que caiu da sua bolsa”, eu agradeço e olho o papel. Um nome e um número de telefone. Marília.
Sexta-feira. Nove da noite. Eu deveria estar em qualquer outro lugar, mas sinto que devo pegar o telefone e ligar. Ligo. Ela parece que já sabia que seria eu. Marcamos na minha casa às dez horas. Não diz nada, porque não há nada a ser dito, apenas nos beijamos com aquele desejo que parecia ter se acumulado há anos. Trocamos talvez meia dúzia de palavras e já estávamos no quarto. Exaustos pedimos comida japonesa num desses restaurantes delivery.
Ela, linda, dorme nos meus braços mas acordo sozinho. Procuro por Marília pela casa toda. Nenhum sinal. É sábado e o telefone dela só chama. Mal posso esperar pela segunda-feira para correr ao banco e vê-la só mais uma vez. Depois de muito se arrastar, o insano final de semana chega ao fim e na segunda de manhã corro para o banco. Ela não está lá. Foi demitida. Saio e paro num café, estilo francês. Uma mão venda os meus olhos e reconheço pelo cheiro. Marília. Ela me beija e diz que vai morar na minha rua. Na casa da frente. Falo para ela morar comigo. Ela declina, mas garante que vai me dar um monte de truques espertos para passar pelas portas dos bancos sem apitar. E assim um fetiche: uma policial, acabou virando realidade, graças a uma porta giratória, que nunca mais apitou.

Paparazzi - por Handerson Pessoa

Jornal A Voz do Povo. Três e meia da tarde. Silvia Linhares acaba de entrar na redação com sua teleobjetiva presa por uma fita ao pescoço. Seu traje é tradicional. Jeans azul já bem puído, camiseta básica e o colete cáqui, que já está mais para marrom. Nos bolsos do colete os filmes com as fotos que levará para casa, trabalho extra, cerão. Mas que vai render a primeira página na edição de domingo.
Coloca os pés sobre a mesa e relaxa tomando água gelada de uma garrafinha de plástico. Ela preferiria uma cerveja, mas sabe que não pode beber em horário de trabalho. "Mas eu já terminei meu trabalho", ela pensa. Mas não importa. Regras são regras.
Jornal A Voz do Povo. Sete da noite. Renato Cunha está a poucos minutos de fechar sua reportagem. Sua matéria vai lhe render a primeira página na edição de domingo. É um especial sobre o sequestro do filho daquele importante executivo, Marcos Schautz. Silvia lhe disse que conseguiu as fotos do local do cativeiro. Renato já preparou a matéria. Só espera o dia agora clarear para que a polícia lhe dê novas informações, mas ele já saba como tudo irá terminar. Ele acha.
O telefone ao lado so seu computador bonitinho (um iMac azul) toca. É Silvia:
- "Re, quando você vem para ver as fotos?" - ela pergunta com aquele tom de voz que ele sabe o que ela quer e onde irão terminar a noite.
- "Estou terminando a matéria, vou em poucos minutos" - ele responde, afrouxando o nó da gravata amarela e abrindo o colarinho da sua imaculada camisa branca.

Minutos depois o interfone do apartamento de Silvia chama. Renato entra. Sobe os quatorze andares e chega. Não precisa bater, a porta só está encostada. Dois drinques mais tarde e Silvia confessa o que quer: deixar a câmera no automático fotografando os dois quando estiverem... bem... ahnn... num momento mais íntimo. Ele nega veementemente. Não pode se expor dessa maneira. Ninguém no jornal sabe disso e, bem, vai que por um descuido uma dessas fotos acabar vazando e todo mundo fica sabendo. Não. Não e não.
Quatro drinques depois e Renato está ele mesmo preparando a câmera. Já derramou sua bebida na camisa e já não tem mais controle algum. Então a câmera trabalha. Um árduo trabalho de voyeur, registrando todos os movimentos lascivos daqueles dois.
Apartamento da Silvia. Cinco horas da manhã. Ela não consegue dormir. Ele... bem, ele já dormiu a muito tempo. Ronca alto e baba no travesseiro. Nas mãos de Silvia, as fotos. Ela ri e se diverte
relembrando os momentos de loucura a algumas horas atrás, antes da insônia e dos roncos dele arrombarem o silêncio da noite. Quer fazer uma surpresa, coloca todas as fotos em um envelope pardo. Na frente do envelope está escrito: "Fotos", como ela sempre faz.
Abre a pasta do seu namorado, amante, ficante, nem ela mesmo sabe o que é, e coloca lá dentro o envelope.
São seis horas e ela consegue dormir. Uma dor de cabeça excruciante toma conta dela quando ela ouve o barulho do despertador. Já é hora de acordar. Mas ela não vai. Hoje não. Precisa descansar.
- "Re, pega um envelope que está na mesa de centro da sala e entrega pro Tenório por favor?" -ela pede com aquela voz manhosa que sabe que só vai receber um sim de volta - "São as fotos para a sua matéria".
Ela não escuta mais nada, pega o travesseiro, coloca sobre a cabeça e dorme aquele sono de pedra. Renato pega o envelope e coloca dentro de um bolso lateral da sua pasta. Não percebe o outro. Ambos os envelopes estão colados. Renato está feliz e acha que este será um grande dia.
Jornal A Voz do Povo. Sete da manhã. Renato já deixou o envelope na mesa do editor chefe que todos chamam de Tenório mas que poucos sabem o nome real dele. Renato não sabe. São dez da manhã e o telefone ao lado do computador bonitinho toca:
- "Re, tudo bem? - ela pergunta - "gostou das fotos? Era uma surpresinha pra você"
- "Surpresa para mim? Do que voce está falando" - ele questiona, já começando a suar frio.
- "As fotos que tiramos ontem" - ela diz inocentemente - "revelei e coloquei na sua pasta, você já viu?"
- "Oh meu Deus!" - é tudo o que ele consegue falar - "te ligo mais tarde, tchau."
As fotos foram para a aprovação. Pelo vidro ele vê o editor-executivo olhar para as fotos e passar a mão espalmada no rosto. A mão direita de Tenório agora esfrega a testa e aperta os olhos. O editor-executivo parece surpreso. É nessa hora que Renato pega a pasta, as mãos trêmulas. Seu emprego e o de Silvia estão em cheque. Ele apanha o envelope, mas não pode abrir ali, na frente de todo mundo. Tenório pega o telefone. Aperta um botão. Renato se assusta. É o número do ramal do chefe. Seu corpo todo treme.
- "Renato, por favor, venha até a minha sala agora mesmo" - a voz fria e cortante de Tenório parece ribombar nos seus ouvidos.
Renato, Renato, Renato o que você aprontou dessa vez? Ele guarda o envelope pardo e pensa em um milhão de coisas para dizer, formas de se desculpar, de se lamentar e de prometer que jamais aquilo irá acontecer outra vez. Abre a porta.
- "Por favor, sente-se" - diz Tenório. - "Sabe Renato, você me surpreende a cada dia. Pensava que já te conhecia, mas depois disso, vi que não conheço nada".
- "Bem senhor Tenório, veja bem, há uma explicação para isso" - é tudo o que Renato consegue dizer. As mãos continuam tremendo.
- "Explicação? - Tenório diz, colocando a mão espalmada sobre a mesa, as fotos ainda na mão - "Isso fala por sí só, não precisa de nenhuma explicação".
- "Tudo bem senhor Tenório - ele diz, já se sentindo derrotado - "a culpa é toda minha. Fui eu. A idéia, as fotos, tudo. Sei que o senhor tem motivos de sobra para me demitir mas só quero que saiba que eu fiz tudo sozinho, não foi nada forçado o senhor sabe, mas a idéia foi minha e ela acabou concordando, então..."
- Demitir? - Tenório diz arregalando os olhos e tirando da boca o enorme charuto Magnun. - "Você está louco? Foi a melhor reportagem sobre sequestro que eu já li em toda a minha vida. E estas fotos? Que perfeição! Vai me dizer que você mesmo as tirou? Que não tem o dedinho da Silvia nesse meio?
Renato não consegue entender nada. Quem sabe ele tenha entregado o envelope certo, e tudo não passou de um grande susto.
- "Sabe Renato, a vaga de editor-chefe está disponível. Gostaria que você assumisse esse papel.
Precisamos de uma pessoa dinâmica, inteligente e acho que você se enquadra perfeitamente nesse perfil."
Renato sai da sala uns dez quilos mais leve. Já está quase na hora do almoço. Coloca a pasta no carro e vai para o seu estúdio preferido.
Apartamento da Silvia, meio dia. Ele sobe os quatorze andares. A porta está trancada. Ele bate. Ela abre só de roupão, aquele branco de cetim que ele adora. Renato gostou da idéia das fotos.
- "Tem filme na sua câmera?" - ele pergunta depois de um beijo
- "Claro" - Silvia diz.
Daqui a uma hora e meia ele estará no jornal de novo. Mas está pronto para uma nova seção de fotos e de... bem... melhor deixar para lá. Dessa vez não tem drinque, só suco de abacaxi com côco, mas por via das dúvidas, dessa vez ele deixa a camisa bem longe dali.

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