O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

Dormindo com o inimigo

“Avenida Interlagos. Apartamento duzentos e três. Zona sul. São Paulo. Uma e vinte e cinco da manhã. Ele chega em casa cheirando a cerveja. É noite de quarta-feira. O futebol na televisão terminou a pouco tempo. A mulher já está dormindo, mas acorda com a barulhada do marido. Pergunta calmamente onde ele esteve e por que chegou assim tão tarde. Ele não responde. Ela se zanga. Chega perto e puxa-o pelo ombro. Ele não gosta. Não pode ser dominado assim pelo sexo oposto. Precisa mostrar quem é que manda ali. Quem é o dono da situação. Violentamente ele se vira e bate com o punho cerrado na cabeça da mulher que cai, atarantada e procura agora se defender em posição fetal dos golpes violentos do animal. Troglodita. Ele se cansa e vai dormir. Ela chora. Ninguém gosta de apanhar, e ela não é exceção. Então, furtivamente ela vai até o banheiro e observa as escoriações. Chora outra vez. Volta para a cama, olha o marido dormindo. Ele parece feliz, dorme tranquilo. Então ela se deita, ele a abraça. Diz que a ama. Beija sua fronte onde agora há uma marca que começa a ficar roxa. E dormem. “ Eu gostaria de ter inventado essa história, mas o detalhe nisso tudo é que foi me contado exatamente assim pela agredida. O que me fode não é o cara que bate em mulher e sim a mulher que aceita. As razões porque ela aceita? Talvez nem ela mesmo saiba. Medo de retaliação? Medo de não ter quem a sustente? Falta de inteligência? Amor? Ou tudo isso junto? Estamos vivendo uma época de retorno à era das cavernas, ao animalesco, ao putrefato. Uma época de retrocesso mental, e virando animais, sociopatas, desprovidos de senso prático e racionalidade, onde os agressores carregam em suas mãos sujas de sangue o peso da violência. E admitem depois nas rodinhas de amigos que eles é que são os senhores da razão, e os purificadores da honra. Para mim são bandidos, e eu não tenho pena de bandido. Para mim tinha que prender esses filhos da puta e deixá-los lá para serem fêmea de detentos figurões. E as mulheres de hoje precisam acordar, saber que tem direitos sim! Que podem mandar esses canalhas pra cadeia sim! E que podem muito bem se virar e se sustentar sem depender de gente assim sim! Minha ex-aluna que me contou a história do começo, uma das mulheres mais belas que eu já vi passar por aqui exibia uma mancha roxa na têmpora, que ela cobria com o cabelo e os enormes óculos escuros. Eu sabia o que tinha que fazer, mas fui tomado de assalto pelo chavão: “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”. Escutei atentamente, rilhando os dentes sem que ela percebesse, enquanto ela se segurava sem muito sucesso as lágrimas que vertiam de forma copiosa. Caso parecido com o de outra pessoa conhecida no interior de Santa Catarina. E parecido com o da personagem vivida por Julia Roberts no filme Dormindo com o inimigo. A diferença? No filme, a personagem Laura tem coragem e culhão para arquitetar uma fuga e fazer seu corpo machucado descansar. É exatamente isso que falta para muitas mulheres agredidas. Coragem. Coragem para pegar um telefone e teclar 181 e colocar um fim nessa barbárie. A não ser que sejam como aquela personagem de um antigo programa do humorista Chico Anysio que ao ser questionada do por que ela continuava com o marido que a agredia tanto ela dizia: “Sabe o que é? Eu gosto!”. Aí já não há nada mais para se fazer. Caso encerrado. Sem mais argumentos meritíssimo.

De olhos bem fechados

Eu não sei se eu é que sou burro demais, ou se sou detalhista demais ou sofista demais. Ou se vejo coisas onde não existem, ou se simplesmente faço surgir brechas que talvez só existam na minha imaginação, mas o fato é que de tudo eu aprendi a ver os dois lados. E às vezes me resta a sutileza para escolher um desses lados. É por isso que minhas idéias divergem das exegeses pregadas nas igrejas pela catilinária interpretada de certos pastores. E não é questão de ficar dividido entre o santo e o profano, ou entre o céu e o inferno. Eu apenas não entendo. Quer ver? Deus me dá uma inteligência, mas eu não posso usá-la para, por exemplo, interromper uma gravidez de risco ou indesejada (me refiro no caso de estupro). Não pode porque é pecado. Deus me dá uma pessoa para amar e ser feliz, mas eu não posso atingir um nível de felicidade a ponto de usar o meu próprio corpo com a mesma pessoa que eu amo e que foi preparada por Ele, porque primeiro eu tenho que passar por um período de carência, que só Ele mesmo sabe quando serei beneficiado e assinar um papel que me autoriza e me obriga ao mesmo tempo a ficar com essa pessoa para sempre. Mesmo sabendo que o para sempre, não existe e que existe na verdade é uma chance digamos de cinqüenta por cento de eu não gostar mais dessa pessoa por isso ou por aquilo, ou vice-versa, e ter que viver (ou seria conviver? Ou os dois?) com essa pessoa, detalhe, infeliz, até que a morte nos separe? O que tenho observado nesses primeiros trinta anos de vida, é uma mudança muito brusca no comportamento de digamos “ex-devotos”. O que antes não podia, porque era pecado, condenado a ficar a eternidade toda nadando no tacho do capeta, agora é visto como “normal”. E junto vem o sentimento de “tirar o atraso”, correr atrás do prejuízo, porque agora pode, e, epa! Espera aí. O mundo não acabou, o papai Noel não veio, a fada madrinha não transformou o débito em crédito, e tudo continuou exatamente igual no mundo. Então onde está o erro? Prefiro acreditar que o erro está na interpretação do que está escrito, e não no real significado. Acabo de ver uma reportagem no UOL onde um devoto flagrou o padre da igreja com a sua mulher, fazendo o que? É, vocês já sabem. Quem quiser ver é só pesquisar no Google. Acordem, abram suas mentes, e leiam! Leiam! Estudem e não interpretem. Ou então continuem seguindo, como disse Jesus: “a velhacaria dos homens”. A escolha é somente sua.

Um brinde à (des)inteligência brasileira

Finalmente terminou mais uma eleição que já estava ganha desde o início. Ou será que alguém pensou que a concorrência ainda tinha chance? Não, não tinha. Mudar a política brasileira nessa altura do campeonato abala as estruturas do país, seja ela econômica ou social, ou as duas. Para mudar os mentores da liderança do país é preciso ter inteligência demais, coisa que nosso país não tem. Temos inteligência sim, mas não o suficiente. Nosso redor está ainda contaminado, impregnado e solidificado pela (vamos amenizar aqui) “ingenuidade das classes menos favorecidas”. Minha vontade era de dizer o português escancarado, mas eu não farei isso aqui. Mas finalmente acabou. Terminou para muitos com sorrisos e para outros tantos com aquela azia, aquela sensação de quem teve que engolir a pulso algo que não queria, e que foi-nos enfiada goela abaixo, e só resta agora a sensação de indigestão sabendo que não há mais chance de um milagroso sal de frutas aparecer. Resta para muitos, (eu, inclusive) a cara de enterro ao perceber que após anos e anos de evolução e desenvolvimento humano, ainda não aprendemos coisas básicas. Não aprendemos a ler. Não aprendemos a pesquisar, a investigar, a contestar. Estamos de volta à era das trevas, quando se fala em intelectualidade. Nos contentamos com pouco, quando tanto mais nos espera. Mas finalmente terminou. Para quem assiste televisão, ganha-se agora minutos importantes para ver outras futilidades que não seja horário político. Ganhamos ruas um pouco menos sujas sem a sordidez dos santinhos. Mas que seja reconhecida a vitória da eleita e seu esforço. Torço sinceramente para que eu esteja errado nas minhas conjecturas, e que as ações governamentais agora venham calar a minha boca, coisa que até agora ainda não conseguiu. Por ora, apenas devemos parabenizar nossa presidente, e rezar para que daqui a quatro anos possamos estar melhor do que hoje. E que o fogo amigo que criamos seja menos atroz. Oremos.

 

in.te.li.gên.cia
sf (lat intelligentia) 1 Faculdade de entender, pensar, raciocinar e interpretar; entendimento, intelecto. 2 Compreensão, conhecimento profundo. (Dicionário Michaelis)

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