Assim que as primeiras horas da manhã começaram a surgir no horizonte, Edgar se levantou e ainda no estupor do sono mal dormido tateou pela cabeceira da cama procurando o celular. Nenhuma nova mensagem. Nem um Tweet, sem novas mensagens no Facebook. O email demora abrir por causa do maldito (?) código de ativação que só chega por torpedo que parece que jamais irá chegar. Ele não quer esperar e envia um torpedo para Débora: “Almoço hoje?”, duvidando que a mensagem irá chegar ao seu destino. Ainda tentando driblar o sono recorrente, típico de quem foi dormir tarde, ele se levanta. Não consegue sair e viver sem o banho matinal. Tem coisas demais a fazer, e ele sabe que o tempo hoje, bem, o tempo é curto e urge. Edgar conversa com velhos amigos, do outro lado da cidade, e quando menos se espera seu telefone toca. É Débora, confirmando o almoço. “Já estou aqui na sua casa, vim te pegar”, mas ele está no outro extremo da cidade, e agora os segundos correm à velocidade muito maior que a habitual. Despede-se dos amigos e corre. Como jamais correu antes. O dia está chuvoso, e ele está numa cidade que não é a sua, tudo é diferente, os caminhos, as pessoas, o trânsito, tudo. Pisa com passadas fortes e decididas, e numa delas seu tênis se rasga e, bem, ele não pode ir daquela maneira. Resolve parar numa loja e comprar outro. A fila para pagar parece não ter fim, e o relógio não para. O torpedo dizendo que estaria na praça de alimentação do shopping há quarenta minutos já foi enviado e recebido a mais de trinta. A pressa é compreensível, menos para a atendente, que no cumprimento do dever, faz o tempo passar ainda mais lento. Edgar sai da loja, calçado novo, procurando um táxi para poder fazer sua logística até seu destino final. (Por que os táxis nunca aparecem quando precisamos deles?). Ela liga, está desconfortável: “onde você está? Devo continuar esperando?”, e ele pensa em como resolver esta situação. O taxista compreende e pisa fundo enquanto ele se troca dentro do carro. Quer encontrar um lugar onde possa colocar o tênis antigo, ao que o taxista diz: “filho, fique tranquilo, vá ao seu encontro, eu jogo o velho no lixo pra você, deixe aí no carro.” E Edgar diz: “Eu esperei por esta mulher quinze anos, e ela não pode esperar mais alguns minutos?” As pessoas são assim: estúpidas. Edgar quer dar todos os presentes que passa por sua cabeça, mas sabe que não poderia, nem se quisesse de verdade. Corre até uma livraria e num rompante de pressa e urgência, para uma vendedora loira bonitinha e pergunta sobre o livro que procura. Edgar tem uma queda por mulheres que gostam de ler. Acha um charme as mulheres inteligentes, que gostam de boa cultura. Três pessoas (fora ele) são necessárias para encontrar o livro que é embrulhado para presente. Apenas alguns minutos depois é que ele se dá conta que não escreveu no livro, não dedicou, não concretizou, mas como a intenção é mais valiosa, ele deixa passar. Procura pela mulher que um dia amou e se desesperou. Onde está esta mulher? A mão é automática e procura pelo celular. “Estou atrás de você”, ela diz, e ele se volta e vê seu braço erguido em meio à multidão. Como sempre, ela está linda, com aquele cabelo preso, aquele cabelo que um dia ele sentiu como se fizesse parte dele. E mais uma vez, ela está radiante, os olhos brilhando, aquele brilho que só pode entender quem um dia amou de verdade, e sabe o que estou dizendo. Conversam sobre tudo e sobre o nada. “É para você”, ele diz e estende o presente. Ela abre. No invólucro, um livro: “Cartas para Julieta”. Edgar, já viu o filme. Débora não. Débora não sabe que a história se trata de uma mulher que deixou escapar o seu grande amor para só reencontrá-lo na velhice. Enquanto esperam o almoço, Edgar se perde naqueles olhos castanhos, com vontade de mergulhar, bem fundo. Os olhos mais bonitos que já viu em toda a sua vida. Débora vive em outro mundo. Um mundo feito de camadas, onde ela está no topo, e Edgar é um estranho no ninho. Edgar não pertence àquele meio. Nada contra a maré. “Podemos sair daqui?”, ela pergunta. E enquanto caminham pelo estacionamento, vendo a chuva copiosa que teima em continuar, ele pensa em tudo e em nada. Chegam ao carro. Edgar sabe que muita coisa mudou, afinal, foram quinze anos, mas apenas quer abraçar aquela mulher que um dia poderia ter feito qualquer coisa, para que as coisas não estivessem assim. Quer sentir aquele corpo novamente. Não pensa em nada mais profundo, uma onda de carinho toma conta. A chuva cai em fases cada vez mais tempestivas. Débora esbanja classe em tudo o que faz, na maneira que coloca seu cabelo por trás da orelha, na maneira em que segura o câmbio do carro, na maneira que faz seu dedo indicador querer esconder uma lágrima que teima em cair quando param o carro e ela resolve contar seus segredos mais secretos. Edgar está indeciso. Sabe que precisa fazer alguma coisa. Débora tenta em vão se mostrar forte, mas sabe que lá no fundo, naquele cantinho escuro que só ela tem acesso, ela sabe que sua certeza não é tão certa assim. Ele quer apenas tomar aquela mulher pelos braços e encostar sua cabeça em seu ombro e fazer com que ela se sinta segura, e que saiba que pode sempre contar com ele, que ele a entende, e que nunca, jamais deixará que ela se sinta mal por coisa alguma. Débora chora, aquele choro sentido, dolorido, de quem quer mas não quer, o choro dos indecisos, dos que se sentem traídos pelo desejo, dos que tem vontade de fazer tudo diferente, mas que na hora da verdade, sua força se esvai. Colbie Caillat cantando: “You got me”. Débora tenta esboçar um sorriso que não convence, enquanto Edgar segura sua mão. A mesma mão que um dia escreveram que jamais deixariam um ao outro. Toca seu rosto, tentando enxugar as lágrimas daquele rosto que apenas ele sabe o que significa para ele. Apenas ele sabe o que é tentar fugir dos laços do destino ao ver seu antigo amor sofrendo por uma situação que não se pode controlar. Por alguém que não é Edgar, aquele que um dia passou por tanta coisa por aquela mulher que agora sente tanto por outra pessoa. Edgar já cresceu, sabe que está ali na condição de adulto e de amigo, e que pode recitar tudo o que acumulou de conhecimento que nada, mas nada irá fazer Débora se desvincular do laço que a amarra agora. Algumas pessoas não podem ser salvas de si mesmas. Aeroporto Internacional de Brasilia. 21h00. O Air Bus 737-300 da GOL, vôo 1654 taxia na pista em meio à chuva fina, enquanto Edgar não consegue afastar de sua mente, a imagem de Débora enxugando as lágrimas. Queria congelar para sempre aquele momento: ela no seu ombro, molhando sua camiseta branca com as lágrimas. Não passa nada por sua cabeça a não ser que aquele foi o momento mais divino que surgiu em sua vida nos últimos quinze anos. O avião decola, enquanto Edgar olha as luzes da cidade pela janela da aeronave, as luzes que fazem as ruas da cidade parecerem aquelas luzinhas que ficam por dentro da árvore de natal, e sabe que Débora, está lá em baixo, em algum lugar, sozinha ou não. Talvez esteja pensando nele, talvez não. E enquanto isso, o vôo segue tranquilo, sem turbulências, deixando para trás uma vida, e uma história que nem o tempo foi capaz de apagar. O vidro do avião embaça, ao que ele escreve (dentro de um coração) com o dedo o nome daquela mulher. Os mesmos dedos que escreveram no caule de uma árvore a frase que jamais iria esquecer: Débora, eu amo você... Sempre e sempre. Os flaps se abrem. É hora de terrissar.
São Paulo, 01/01/2012 - 03:55am.
São Paulo, 01/01/2012 - 03:55am.