O Funk e a decadência brasileira

Uma crônica sobre o estilo musical que tomou conta do país.

A certeza imaginária

Uma reflexão sobre os comportamentos de quem encontrou a pessoa certa.

Magnólia

Três histórias surpreendentes em que todas acontecem no Edifício Magnólia no Rio de Janeiro.

Pais e Filhos

Um retrato de quem passou para a fase adulta sem esquecer dos valores de infância.

Dormindo com o inimigo

A violência contra a mulher é o tema principal deste artigo.

No busão - por Handerson Pessoa

As histórias que eu coloco aqui nem sempre acontecem comigo, às vezes acontecem com um amigo meu: fictício é claro!

Essa aqui foi comigo. Eu estava voltando para casa do trabalho (quase sempre é na volta, na ida nunca!) e tinha uma senhora dormindo em um dos bancos do ônibus. Cheio. Lotado. Completamente lotado. Na verdade não era em um banco, era em cima de uma bancada, uma protuberância que tem quase no meio desses ônibus novos que estão circulando em SP. Esses õnibus são um terror. O lugar de segurar é muito alto, e quem é mais baixo sofre.

E lá se ia a senhora. Dormia a sono alto. De repente uma freada e uma curva, e lá se foi a senhora assoalho abaixo com as pernas para cima. Se alguém conseguiu ver aquela cena sem sorrir foi um milagre.
A senhora se levantou ainda grogue pela queda e descarregou sua raiva sobre três meninas que estavam ali perto. As meninas deviam ter cerca de uns 13 ou 14 anos e se emudeceram quando viram o olhar cheio de cólera da senhora que estava encarando o trio.

- Você tá rindo de que hein sua vadia? - perguntou a senhora. - É de mim sua escrota?
- Não, é... é... é do meu amigo ali - foi tudo o que a do meio conseguiu dizer, tampando a boca com um celular, um V3.
- Pois eu acho que você tá rindo é de mim sua descarada! Olha que eu faço você engolir esse celular hein!

A menina estava com os olhos esbugalhados olhando a mulher. Nisso, um rapaz (acho que devia ser irmão, ou namorado da menina, sei lá) se levanta e banca o macho. Passa por mim, e fica entre a mulher irada e a menina, mas antes, de maneira bem mal educada diz pra mulher nervosa: dá licença!

A mulher que já estava uma pilha de nervos, acabou virando uma bateria. Daquelas Duracell que não acabam nunca. Pegou o moleque pela camisa e jogou (literalmente) para o lado. O rapaz vendo que não podia medir forças com aquela mulher, desistiu e tirou o time de campo.
A menina já estava até mais aliviada com o socorro do rapaz, mas agora já tinha de novo aquele pânico nos olhos. A mulher, percebendo, continuou a ameaçar. Todo mundo olhando, mas ela não estava nem aí. Abriu a mão bem espalmada e acertou em cheio a cara da menina, que caiu para trás no colo de uma outra mulher, espectadora.

Alguém no ônibus perguntou quem era a mulher-macho que estava ali. Pra quê! A mulher começou a andar pelo ônibus todo procurando quem tinha sido o questionador. Quando ela ia lá na frente, outro perguntava lá do fundo, e a mulher foi ficando louca, xingando Deus e o mundo, falando toda sorte de palavrões, para quem quisesse ouvir.

Nesse vai-e-vem, a menina que já estava com o olho vermelho de tanto chorar liga pra um amigo. Dois pontos depois e a mulher ainda xingando muito e alto. Nisso a porta é aberta. Entra um rapaz com um capuz na cabeça, desses que a gente usa em dia de frio. Fica so olhando. A mulher não pára de xingar todo mundo. Quando ela olha pra porta lá está o rapaz encarando ela.

Esse já era mais forte, mas ela não se intimidou.
- Que é que você tá me olhando? Tá querendo apanhar aqui também é? - perguntou a mulher.
- Olha aqui dona, é melhor a senhora ficar quieta, já causou demais aqui. - diz o rapaz apontando o dedo para ela.
- Eu quero ver quem vai ser homem suficiente para me tirar daqui! - ela berrou.

Todo mundo no interior do ônibus já estava de saco cheio daquela mulher, muita gente gritava: "tira essa mulher daqui", outros: "ô tia, vai arrumar um marido pra ver se acalma", e isso deixava a mulher ainda mais nervosa. O outro ponto chegou e assim que a porta abriu, o rapaz amigo da menina que tinha apanhado, pegou a tia pela blusa e saiu puxando escada abaixo.

Mas ela gritava e dizia que ninguém iria tirá-la dali, porque ela tinha pagado a passagem e aquele não era o ponto dela. E se segurava nos ferros para não ser arrastada para fora. Surreal. Quando o pessoal do ônibus viu que o rapaz não ia conseguir tirar aquele mulher louca dali, todos começaram a empurrar a mulher, que finalmente cedeu e foi. Caiu na calçada e rolou. Quando as pessoas viram ela caída, uns vinte mais ou menos desceram do ônibus e começaram a chutar a mulher, ela tentava levantar, mas eles davam rasteira e ela caía de novo, e tinha homem e mulher lá fora chutando a mulher que gritava pedindo para parar.

O restante das pessoas, todas no vidro olhando para aquela cena lá fora, assobiando, gritando, uns diziam: "acaba com ela", e outros só riam da desgraça alheia. Eu não consigo rir quando essas coisas acontecem, mas naquela noite não teve como segurar o riso. Ri pra valer. Até me deu vontade de ir lá fora e dar um puxão de cabelo naquela doida, mas eu me contentei em ficar só rindo. Até que o motorista deu uma buzinada e todos voltaram para o ônibus, deixando a mulher lá fora, deitada no chão frio. Fizemos uma das melhores viagens de ônibus das nossas vidas, depois que a mulher desceu. É por isso que eu sempre falo: cuidado quando for domir dentro de um ônibus, a próxima vítima pode ser você.

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