Algodão Doce

Desde criança, meu vizinho Danilo tinha a mania de se meter em confusões. Aos quatorze anos pegou o carro do pai, uma Ford Belina ano oitenta e seis e fez uma ligação direta no fios por trás do painel do carro, num final de semana que o pai viajou e ele ficou sozinho em casa. Aos dezesseis adotou o estilo punk e tudo que ouvia era o barulho incoerente das guitarras distorcidas das bandas de rock. Foi preso uma vez, por carregar uma trouxinha de maconha na meia do pé esquerdo. Talvez se tivesse sido no direito, tinha escapado. Cresceu e continuou o mesmo irresponsável de sempre. Nesse dia estava no alto de um pequeno monte, num lugar onde quando éramos crianças costumávamos andar de bicicleta. O Danilo estava lá, com uma garrafa de cachaça e o cigarro aceso. Não queria voltar pra casa, pois estava jurado de morte. Tinha pegado “uns trocados”, segundo ele com um amigo e não tinha como pagar. A dívida era de três mil reais. E o credor estava nervoso. Danilo tirou um revolver de um dos bolsos da calça, tomou mais um gole da bebida barata pôs o dedo no gatilho e apontou o cano para a têmpora direita. Respirou fundo e pensou. Antes de concluir o pensamento, seu celular tocou. A policia tinha visto o “amigo” e suspeitou que ele estivesse armado, como o “amigo” não quis colaborar, houve uma troca de tiros e o amigo partiu dessa para uma melhor. Danilo sorriu e voltou pra casa. Anos depois a confusão foi outra. Engravidou a filha de um fazendeiro muito bravo. Como ele não quis assumir a cria, o fazendeiro ia atrás dele, para recuperar a honra da filha. Danilo sumiu, mas quando o dinheiro acabou teve que reaparecer na cidade pedir algum para o pai. Entrou na cidade, depois em seu bairro e na rua da sua casa, andou pé-ante-pé até chegar na casinha amarela com uma faixa marrom perto do pratibanda. Estava morrendo de medo. Ouviu uma freada de carro e quando olhou lá estavam dois homens olhando para ele com a maior cara feia do mundo. Danilo correu, pulou um muro baixo que havia na sua frente, e se estrepou num espinheiro que havia do outro lado. Era tarde da noite e ele não viu o arbusto. Os homens passaram direto por ele. E enquanto andava meio perdido no quintal alheio, pegou um varal de fios de aço, fez uma forca e resolveu se enforcar. A situação já tinha passado dos limites. Subiu em uma árvore amarrou a corda num galho, pôs a outra ponta no pescoço e pulou. Mas a árvore era baixa e ele caiu de pé. Olhou pela rua deserta e resolveu terminar de chegar em casa. Quando chegou, o pai o abraçou e avisou que o fazendeiro havia morrido alguns meses atrás, depois de ter tentado domar um touro bravo e ter levado uma chifrada no traseiro. Corria o boato que o velho havia passado dias agonizando, sem poder se sentar nem se deitar de costas, inchando como um balão já que não conseguia nem mesmo ir ao banheiro. Anos depois estava ele lá novamente, desta vez no alto de um prédio quando tudo começou a incendiar. Não dava mais para descer, e dali do quinto andar, se ele pulasse seria praticamente impossível escapar. O fogo estava muito alto, o calor quase insuportável, e dessa vez era mesmo o fim do meu amigo. Danilo saltou em agonia, fechou os olhos e sentiu o corpo cair por alguns segundos, tomou um susto ao bater num toldo de lona do terceiro andar, outro susto ao se enrolar em fios de varais e mais outro ao se chocar contra a copa frondosa de uma árvore. Sobreviveu mais uma vez. Danilo se casou com a Letícia que era o amor da sua vida, construíram uma casa, compraram um carro, e daqui a sete meses ia ser papai. Estava com a mulher no Ibirapuera num daqueles passeios familiares de domingo, quando a mulher resolveu que queria algodão doce. Queria porque queria. Ele sabia que não podia negar o desejo de uma grávida. Danilo atravessou a rua, comprou o maior algodão doce que havia na barraca e voltou. Correu para chegar depressa do outro lado da pista, tropeçou no cadarço do tênis e caiu. Rolou por sobre o algodão doce que ficou fino como uma folha de papel. Um caminhão Mercedes veio em seguida e passou todas as rodas sobre o corpo morto de Danilo, que agora também parecia uma folha de papel. A mulher gritou do outro lado da rua. Não ia ganhar seu algodão doce.

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