Namoros eletrônicos - por Handerson Pessoa

Kayra diz:
Acho que já está na hora de nos conhecermos pessoalmente.
Victor diz:
Também acho, afinal, já se fazem quatro meses que só nos falamos pelo MSN
Kayra diz:
Você contou? rs..rs..rs..
Victor diz:
Claro que contei. A primeira vez que nos falamos foi no dia 5 de abril.
Kayra diz:
nossa, legal vc ter contado
Victor diz:
Sabe o q é mais engraçado nisso td? Nunca nos vimos. Só sei como vc eh por causa da descrição
que vc me fez. Vc não tem uma foto mesmo? Nem umazinha?
Kayra diz:
nenhumazinha. Mas vc tb não tem fotos.
Victor diz:
eh verdade
Kayra diz:
está tarde, tenho que dormir, tenho aula amanha cedo.
Victor diz:
Tudo bem. Amanha então eh o grande dia. Não importa se vc eh loira ou morena, baixa ou alta, magra ou gorda, eu te quero do mesmo jeito.
Kayra diz:
eu tb
Victor diz:
Não se esqueça, estarei de jeans azul e uma camisa amarela, no banquinho do lado do pipoqueiro, na frente do cinema do segundo piso do shopping ok?
Kayra diz:
ok. e eu de jeans azul e blusa rosa
Victor diz:
combinado. tenha bons sonhos. bjs
Kayra diz:
bjx

Lentamente eles tiraram seus dedos do teclado. Uma onda de um tipo de medo legal e ansiedade pairava no ar. A noite não passava. Ele não conseguiu dormir. Ela tampouco.
Mal o dia raiou e ele já queria ligar para ela, mas conteve-se. Ela, a mesma coisa. Passaram o dia todo sem se falar. Ela passou a tarde no cabeleireiro. Ia conhecer o homem da sua vida. Ele passou o dia todo escolhendo a melhor roupa para conhecer a mulher da sua vida. Ambos já não conseguiam mais se controlar de tanta apreensão.
A noite chegou. Olharam os relógios ao mesmo tempo, os dois, Victor e Kayra separados por cinco bairros. Cinqüenta e três quilômetros, vinte e dois metros e oito passos. De repente eles estavam lá.
Ela no terceiro piso. Ele no segundo. Ela lá de cima analisando ele. Ele nem sequer sabendo se ela tinha mesmo ido até lá.
Ela vê o homem da sua vida. Um príncipe montado num cavalo. Mas onde estava o príncipe? Ela só via o cavalo. Um pangaré.
Ele sentado, impaciente. Batia os pés ligeiramente no chão demonstrando todo o seu desconforto por estar ali, esperando uma pessoa que ele jamais tinha visto.
Sete horas. Sete e quinze. Sete e meia. Nenhum sinal dela.
Ela ali, sentada numa bancada, a decepção visível, plenamente estampada no seu rosto. A embalagem naquela noite talvez fosse mais importante do que o seu conteúdo. Levantou-se.
Caminhou até a saída do enorme shopping.
Ele também desistiu de esperar depois que o relógio marcou sete e cinqüenta e dois. Diversas tentativas de ligar para ela. Em nenhuma delas ela atendeu. O celular dela mostrava: 11 chamadas perdidas. Ela vai rumo à escada rolante. Vai passar pelo segundo andar e depois vai direto para o térreo. De lá para o seu carro. Para a solidão do seu quarto. Para a segurança do seu teclado.
Ele vai rumo à escada rolante, em direção ao terceiro andar. Está com fome. Precisa comer alguma coisa. Enquanto anda, uma idéia vem à sua mente. Abre a carteira, retira um chip, e troca pelo chip atual do seu telefone. Liga novamente o aparelho. Telefone para ela. Ele está no primeiro degrau da escada rolante. Subindo. Ela, descendo. Lá de baixo ele ouve um celular tocar. Ela se vira, abre a bolsa para pegar o aparelho. Atende. Levanta o rosto e quando olha à sua esquerda, vê o que até ontem era o homem da sua vida cruzando com ela na escada rolante. Não consegue disfarçar a vergonha por ter feito o que fez.
Ninguém precisa dizer nada. Tudo o que havia para se dito estava ali, escrito na testa de cada um dos dois. Foi neste momento que Victor sente os olhos marejarem. Perdeu a fome. Termina de chegar ao terceiro piso, faz a volta e vai para casa. Lá fora, a noite está tão fria, tão gelada como o coração do diabo. Mas ele não liga para o frio. Chega em casa, bate a porta do quarto e liga o computador.

Do outro lado da cidade Kayra vê seu computador ligar. Os dois ao mesmo tempo bloqueiam um ao outro. Pronto. Tudo está acabado. Lentamente eles tiram os dedos do teclado, enquanto um maremoto de perguntas não respondidas solapam a mente dos dois.
As luzes se apagam. É tarde. Amanhã ela tem aula. Uma prova importante. Ele? Bem ele vai ficar por ali mais algum tempo no escuro do seu quarto, até a hora que o tédio chegar e ele se levantar e ligar seu computador de novo. Um site de relacionamentos é o seu próximo alvo. É a era dos namoros eletrônicos.

1 comentários:

sei la acho isso retratou akela historia do e ver pra crer, sei la... as vezes esse negocio de namoro eletronico pra min kara...é...ate interessante mas, nao rola kara.
acho que existe akela coisa da quimica entre as pessoas, coisa que nunca vai existeir num namoro virtual, por isso mesmo se chama virtual!

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