Não gostei da forma com que o espetáculo começou. Foi com uma daquelas terríveis dores de cabeça matinais, tudo porque o despertador resolveu não trabalhar naquela manhã. Quando vi, já era tarde. Um salto da cama. Um banho relâmpago. Um ponto de ônibus lotado. Nenhum ônibus. Espera, parece que está vindo um ali. Consegui. Entrei. Pelo menos está tocando uma música decente.
Cinco minutos já se passaram, e agora que a terceira curva para a direita termina, eu vejo aquele sem fim de veículos enfileirados. Tudo engarrafado. Trinta e oito minutos preciosos e em seguida a revelação: tem gente queimando pneus na pista, fazendo um tipo de manifestação. Nenhum carro vai, tampouco vem.
Desço e começo a minha caminhada, rumo a um lugar mais calmo. Centenas, milhares de pessoas caminham na mesma direção, como formigas instintivas em busca de alimento. Os celulares fotografam tudo. Quem sabe assim os patrões irão acreditar.
O meu não se importa. Meus quarenta e quatro minutos de atraso serão descontados de qualquer jeito. Eu tento explicar, mostro as fotos que tirei, mas não tem jeito, regras são regras. Penso: se eu tivesse acordado mais cedo se tudo teria sido evitado. Dificilmente. “Que droga! Eu sou inocente”, esbravejo com meus olhos. Minha cabeça lateja.
Espero uma ligação que não acontece. O celular não vibra, não toca e é nessa hora que meus olhos se perdem no vazio. Alguém me pergunta por que estou de jeans e não de social. “É hoje!”, penso outra vez. Ligo o computador, apenas emails comerciais, nenhum dela. Será que me esqueceu? Por que me ligou a noite passada então? Será que aquele toque foi proposital ou só um engano de número? Não, acho que engano não foi.
Meio dia. A dor de cabeça começa a dar sinais de melhora. Agora não tenho mais delírios, apenas alucinações. Deve ser o sol forte. Perco a fome quando olho para aqueles pedaços de frango mal cozidos. Maldito restaurante, que sempre manda aqueles picles extremamente salgados. Vou ligar e fazer uma reclamação. Aqui o sinal do celular está muito fraco. Vou para o outro telefone: ocupado. Tento uma, duas, três vezes e nada. Desisto.
Duas horas da tarde. Fome, muita fome. Não posso sair agora do trabalho, mas dou um jeito mesmo assim. Ninguém me vê sair. Nem voltar. Escapei. Será que a maré vai mudar?
Seis horas. Que se dane, vou para casa. Abro a mochila e vejo o ícone azul de mensagem de texto brilhando. Meu coração dispara, mas logo pára. Mais propagandas.
Chego em casa e ligo a TV. Me vejo passar em frente a uma câmera que filmava a bagunça de hoje de manha. Quem sabe agora o pessoal da firma acredita.
Dez da noite. Estou com sono, talvez seja por causa da cerveja, só quero que esse ia acabe logo. Enquanto isso, uma mensagem de texto, viaja centenas de quilômetros, passa por cidades e países na velocidade da luz, vai até um satélite e volta, atravessa o teto, entra em meu quarto e se instala em meu celular.
O barulho irritante do aparelho me acorda, e sei que não vou conseguir dormir de novo enquanto não ler. Na verdade é um email que acabou de chegar. Ela apenas quer me dar boa noite e dizer que está pensando em mim. A seguir, uma foto que ela acabou de tirar na webcam.
Beijo a foto, esquecendo tudo, dou um sorriso e com os olhos pesados volto a dormir, finalmente em paz.
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