De tudo se vê na estação Paraíso. Do lado de fora, igrejas megalomaniacamente grandes dividem espaço com a Praça Estela, e com seus moradores ilegais que teimam em permanecer ali, mesmo sabendo que podem (e vão) apanhar da polícia toda vez que as viaturas passarem por lá. A prefeitura não quer vê-los naquelas redondezas nem tampouco fornecem meios para que eles saiam do local.
Do lado de dentro da estação o espaço acaba sendo pequeno para a quantidade de pessoas que circulam num dos pontos de baldeação do metrô. Um casal de punks discutem num canto depois da bilheteria e antes das roletas. Parece que é o único meio de se darem bem é daquela maneira, às agressões verbais. Cada um, cada um.
Na fila da bilheteria, um senhor bem vestido, com um terno cinza claro espera pacientemente a sua vez de ser atendido. Enquanto isso ele olha a foto dos procurados pela guarda municipal. São infratores que assaltaram as bilheterias. As fotos estão ali faz anos e jamais foram trocadas.
Descendo as escadas rolantes apinhadas de pessoas, olho para a minha esquerda. Lá em baixo estão duas moças, devem ter no máximo dezessete ou dezoito anos, ao estilo EMO. A maquiagem pesada que as deixam com a aparência de seres do “underground”, criaturas demoníacas em corpos humanos a transitarem por aí, chama mais a atenção do que o beijo apaixonado que as duas agora compartilham. Todas as atenções se voltam para elas. Um senhor e uma senhora bem idosos olham para aquela cena que chega a ser utópica e ao chegar ao final da escada rolante, com o pescoço ainda voltado para aqueles dois seres do além, ouço os idosos sussurrarem um para o outro: “que barbaridade!”. Os dois queixos estão agora no chão, três com o meu.
Um homem negro com um saxofone toca uma bela música num canto próximo a um pilar. Seus cabelos (se é que podem ser chamados de cabelos) estão grandes, a cor é imprecisa, uma mistura de preto, cinza e marrom. As tranças parecem ser encapadas com mofo e bolor e ganham sob a luz difusa da estação um tom levemente arroxeado. Sua caixa de contribuições tem poucas moedas. Se continuar assim, ainda vai conseguir comprar ao chegar às dez horas da noite um litro de leite e alguns pães.
Entro em um dos vagões do trem (parece que é o mais cheio) e sigo em direção à estação Ana Rosa. As pessoas me apertam na porta, parece que todo ar está sendo sugado com força e minha cabeça gira. Tenho que chegar à estação Saúde para um compromisso importante e só faltam treze minutos.
De uma estação para outra na linha azul do metrô gasta-se aproximadamente dois minutos. Quando as portas se abrem, uma avalanche de pessoas descem, me empurrando e me levando junto com elas. Um joelho acerta minha pasta que escorrega dos meus dedos e cai aberta, espalhando papéis importantes pelo chão. Muitos dos papéis são pisoteados e agora eu não posso simplesmente mostrar aqueles prospects para o meu cliente. As marcas de sapatos e tênis que ficaram nos papéis, não vão me deixar à vontade, e muito menos meu cliente.
Sento-me em um dos bancos e olho para o alto, desconsolado. Apesar de estar a alguns metros abaixo do solo há uma clareira, e lá de baixo, como se eu estivesse nas entranhas do planeta eu posso ver um céu avermelhado, salpicado de nuvens branco-alaranjadas. Olho para meu celular. Sinal fraquíssimo naquela profundidade. De repente uma vibração. Olho para o aparelho e vejo que é meu cliente. Espero o pior, espero uma reclamação, uma bronca, um grito para depois em seguida vir o meu choro e meu ranger de dentes por não ter saído um pouco mais cedo.
É ele. Me pede mil desculpas, mas não vai poder me aguardar. Seu filho caiu na escola e ele tem que ir ao médico. A visita fica para amanhã no mesmo horário. Meu sorriso vai de orelha a orelha, mas tento manter a postura de cliente interessado.
Dou a volta e entro no metrô, agora no sentido contrário, no sentido Tucuruvi. Não sei qual a direção que está pior. Mas em meio àquela baderna, àquela babel que se forma dentro do vagão, a voz sublime, doce e celestial da operadora do metrô diz serenamente: “Estação Paraíso”, e faz com que eu me desprenda dali e viaje naquela voz para outra dimensão.
Eu deveria descer, mas permaneço ali, olho no relógio. São 18:59. Amanhã estarei aqui de novo para pegar este mesmo trem e ouvir de novo aquela voz. Mas não quero deixar para amanhã, quero ver quem é ela agora, então eu deliro e penso rápido em um plano infalível, como todos os meus outros planos. Quando chegar na próxima estação, vou descer correndo e irei até a cabine de comando. Como sei que não dará tempo, tentarei entrar num dos primeiros vagões. Na estação seguinte, corro e olho o rosto dela. Não sai como eu planejava, quando consigo olhar pelo vidro frontal da cabine do operador, há um enorme adesivo plotado no vidro com uma propaganda de um supermercado famoso. Não vejo o rosto. Só posso imaginar.
Sem alternativas, entro novamente no trem e vou até a última estação, faço o retorno apenas para chegar de novo na minha estação preferida e sentir novamente aquela ótima sensação que me dá ao ouvir o anúncio de mais uma chegada. “Estação Paraíso”.
3 comentários:
Muito boa essa historia Anderson .... alias como as outras tb ...... são excelentes.
Continue assim que vc terá futuro ..hehehehe.
Vc é muito talentoso , poderia publicar um livro com suas historias pq naum o faz?
Vc é um ser iluminado por deus.... aproveite esse talento que ele te deu e retire o maximo dele .
Beijos Anderson .. fique com deus !!!
...então...posto como anônima, mas sabe muito bem quem sou.
Adorei,quero ler todas.
Parabéns,muito bom te ter como amigo.
um beijo grande
Talento e criatividade não de faltam.Você é excelente e certamente terá a sua oportunidade.Não esqueça da amiga aqui quando ficar famoso.beijos e tudo de bom.valéria
p.s. Adorei a história , ótima...
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