Amor cabeça - por Handerson Pessoa

Aquelas lotações de São Paulo na hora do rush viram uma armadilha para quem está atrasado e só quer chegar no seu destino, não importa se é em casa ou no trabalho. Uma fila tripla se forma no ponto final, afinal, ninguém quer ir em pé naquele aperto.
O Milton entrou, sentou, abriu seu livro e começou a ler, mas o barulho das conversas alheias era tanto que ele guardou sua leitura para depois, colocou os fones de ouvido e ligou o rádio no último volume. Estava tocando Hotel Califórnia, do Eagles. Dois pontos depois deitou a cabeça no espaldar do assento e o sono veio ligeiro. A princípio ele pensou que estava sonhando, mas a gente não costuma sentir cheiro no sonho, nem dor. Foi quando um par de cadernos despencou lá de cima e acertou o queixo do Milton.
O cara levantou de um salto, e enquanto ela se abaixava para pegar os cadernos em meio àquela avalanche de materiais escolares, as duas cabeças se chocaram e ela se desequilibrou e caiu sentada no chão. Desculpas e mais desculpas foram pedidas por ele mas tudo o que ele recebeu em troca foi um "idiota" que ela gritou para quem quisesse ouvir e nem sequer deixou ele ajudar a recolher os materiais.
Ele olhou desconsolado para ela, massageando a testa. Ela olhou feio para ele e se levantou. Ele pediu para levar os materiais, ela recusou. Na parte de fora de um dos cadernos, pendia uma etiqueta de identificação: Patricia Castro. Deu de ombros e voltou a cochilar, mas a testa ainda ardia.
Chegou no trabalho e contou a história para a dona Rosa, que fazia o cafezinho. Ligou o computador. A primeira coisa que fez foi ver as mensagens do seu Orkut. Por uma mera curiosidade, digitou Patricia Castro, São Paulo, na área de pesquisa. Duas páginas depois, lá estava ela, com a mesma calça jeans azul apertada e aquela blusa branca fininha de uniforme. A foto parecia ter sido tirada naquela manhã, porque ela parecia estar com a mesma maquiagem e com os mesmo cabelos castanhos presos. Milton ainda se perguntou se aquela maquiagem também fazia parte da indumentária exigida pela escola. Olhou as fotos, salvou algumas no computador, pensou em mandar uma mensagem mas não mandou. Fez logoff e foi trabalhar.
No mesmo dia, no final da tarde, lá se ia de novo o Milton ver seu orkut. Na lista de pessoas que visitaram o seu perfil, lá estava ela, e ainda tinha deixado um recado pedindo desculpas pela grosseria naquela manhã. Ele respondeu o recado.
Duas semanas depois marcaram um cinema. Ele na volta foi deixá-la em casa, e a casa era do lado da sua casa e ele não sabia. Passava os dias fora de casa e não conhecia nem mesmo seus vizinhos. Ela preferiu não voltar para casa e ficar na casa dele que três dias depois passou a ser sua casa. Agora que moram juntos a dois anos querem ter um filho. O Milton ganhou uma promoção no trabalho e comprou um carro. A Patrícia passou no vestibular e vai estudar Biologia. Sempre passam na frente do ponto final da lotação e se lembram com saudade do dia em que se conheceram. A melhor cabeçada de suas vidas.

1 comentários:

Adorei essa história. Por falar nisso, ela é verídica ou é penas uma mera coincidência?

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