Angelicus

Seu primeiro presente foi um nome de anjo: Anyel. Amava o próprio nome tanto quanto a si mesma. Nome de anjo, beleza de anjo, ternura de anjo. Agora lhe faltavam as asas tão somente. Asas aladas para poder voar, para sombrear e para proteger. Para aconchegar, amparar e abraçar. E as asas começaram a aparecer numa tarde quente pouco depois que seus pais se separaram. A desilusão, a frustração e a sensação de impotência ante aquela cena da qual jamais se esqueceria, faria parte da sua vida angélica para sempre. No começo, ela quase não percebeu. Parecia um caroço, um nódulo em suas costas e até pensou em contar para a mãe, mas a mãe continuava numa tristeza só. Preferiu continuar em seu silêncio. E assim, pouco a pouco suas asas de anjo foram surgindo, deixando-a com as feições de uma fada madrinha, e já era difícil esconder aquele volume. As grandes asas se abriram completamente no instante que gerou a filha, sua única. Asas anguladas, brancas e bem arqueadas. Conseguiu outra vez esconder de todos aquele milagre. Por muitos anos. E durante todos esses anos Anyel voou por terras, mares, bosques, planetas e eternidades com suas asas de anjo. Lá de muito baixo as pessoas a viam e se diziam: “que pássaro esquisito!” E continuou voando por lugares onde apenas ela sabia onde ficava. Estava feliz por tudo que tinha ganhado até ali: seu nome, suas asas e uma filha. Apenas faltava um igual. Sentiu falta, chorou sozinha quando não pôde voar, chorou quando tantas vezes foi enganada e chorou quando despencou no abismo negro da dor quando seus medos se tornaram reais, quando seu casamento acabou, e agora com suas asas queimando em fogo vivo ela rodou e caiu, não encontrando mais o chão. Bateu com força na laje fria e cortante da dúvida e da desesperança. E lá de baixo, onde parecia não haver mais fundo, ela começou a se lembrar das asas, agora danificadas. Forçou e forçou, mas o movimento ainda era tão curto, quase imperceptível. Meses se passaram até que as asas voltaram a se movimentar. Alçou vôo e voltou à superfície. Numa noite conheceu alguém por quem se apaixonou. E foi amada, correspondida e adorada. Sentiu-se outra vez feliz, completa e realizada diante de tantas confirmações e afirmações daquele rapaz. Apenas não sabia como contar a ele sobre seu milagre, suas asas, sua benção que muitos achariam uma maldição. Então uma noite ela resolveu contar, sabendo que poderia perdê-lo ali mesmo, para sempre, dependendo da reação do rapaz. Mas ele a amava, disso ela tinha certeza. Ele a abraçou forte quando a viu e percebeu algo estranho em seu olhar, ela parecia triste, querendo dizer algo.“Preciso te contar uma coisa, na verdade preciso mostrar”, ela disse. Ele lhe deu um beijo apaixonado, o mais apaixonado que ela jamais tivera em sua vida angelical. Amanda sentiu-se segura, protegida e amada e num movimento, abriu completamente suas asas brancas. Olhou para ele no fundo daqueles olhos negros, mas ele não se assustou, nem sorriu nem chorou. Ela sorriu para ele e ele sorriu de volta. Em seguida pegou na mão dela e apenas lhe disse: “vem comigo”. Abriu suas asas também e voaram para bem longe dali.

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