Do outro lado

Eu não sabia se deveria abrir os olhos naquele momento, mas sei que ela estava ali. Do meu lado, em pé ao redor da cama a me olhar. Olhando com aqueles olhos verdes faiscando íons energizados, gritando alguma coisa que eu não ouvia. Não a vi, mas tenho certeza que senti seu toque. Toque não. Presença. Arrepio, vento gelado que sobe pelas pernas e alcança a nuca, eriçando cada centímetro do meu corpo. Quero abrir os olhos, mas tenho medo do que talvez veja. Não sei se ela estará como da última vez que a vi, inteira, ou se estará como morreu, em módulos separados. É como se dedos frios roçassem a pele das minhas costas me deixando ainda mais arrepiado. Não tem jeito, se eu continuar ali, ficarei paralisado para sempre e nunca mais irei me levantar, por isso, começo a assobiar baixinho. Ninguém irá se importar. Moro sozinho e ninguém vai acordar. Dois copos com água e volto pra minha cama. Insônia. Não quero ligar a televisão. Desta vez não dou as costas para o centro do quarto. Fecho os olhos e de novo ela vem. Quer me dizer alguma coisa que ainda não consigo escutar. Mas outra vez sinto aquele vento gelado perto do ouvido, como se alguém sussurrasse algo para mim. Abro os olhos, mas nada vejo. Durmo. No sonho ela me conta que está bem, não devo ficar preocupado, me abraça com força, beija a minha testa e se dissolve em milhões de pedacinhos brilhantes. Entende minha preocupação e atende o meu pedido. Pedi para que ela aparecesse num sonho e me dissesse como estava. Dizem que pessoas que se foram dessa mesma forma brutal não descansam quando morrem. O espírito fica inquieto. Rest In Pain. Por isso preciso saber, preciso dormir tranqüilo sabendo que ela agora está bem, longe da agonia que deve ter passado nos últimos momentos aqui. Durmo e acordo animado, feliz, parece que tirei o peso do mundo das minhas costas. No lugar onde estou existem doze computadores, um está desligado, e é nesse reflexo que vejo alguma coisa se mexer. Do meu lado, no outro canto da sala. No cantinho da parede. Dá um passo em minha direção, mas em seguida volta. Parece não conseguir sair daquele ponto cego. Peço para alguém se sentar no mesmo lugar mas ele nada vê. Devo estar ficando louco. Mas tem alguém ali, você não está vendo? Olhe, está mexendo os braços. Está querendo que eu veja alguma coisa. Não tem nitidez, mas é óbvio que aquela mancha esbranquiçada é o reflexo de alguém. Talvez seja ela, ou alguma coisa, que provavelmente eu nunca venha a saber.

1 comentários:

O sobrenatural é sempre excitante...
É como diz aquela velha frase"Existem mais mistérios entre o céu e a terra, do que supõem nossa vã filosofia".
Pena que assuntos como crenças e experiências sobrenaturais ainda seja tabu.

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