Ossos do ofício

A moça com blusa vermelha listradinha passa pela trilionésima vez na frente da sala onde ela tem aula toda santa semana sem saber para onde deve ir. Não sabe onde deve se sentar e a sala tem quinze cadeiras disponíveis. Abre o editor de planilhas, depois de quase três minutos procurando pelo programa que ela abriu três vezes por semana pelos últimos sete meses. A cada letra digitada errada se desespera e pede ajuda. Já errou um milhão de vezes nesta meia hora que está aqui, o mesmo erro, a mesma ladainha: “ai professor, não tá indo”, naquela voz irritante que somente eu (porque só tem eu aqui hoje) tenho saco ainda pra agüentar. Estranhamente a sala está cheia agora, e eu estou sozinho sem ajuda alguma. Ela luta com todas as forças para conseguir realizar o mesmo cálculo simplório na décima sétima linha da planilha, o mesmo que cálculo que eu estou ensinando desde a linha três. Quer usar a alça de preenchimento e acabar com aquilo de uma vez por todas. Mas eu não vou deixar. Vai fazer linha por linha, e ela treme e quase se desespera porque quer desesperadamente abrir seu comunicador instantâneo e conversar com meio mundo de homens, todos os homens, menos o marido. Abandona o programa e parte para outro tipo de “programa”. As telas de chat funcionam a todo vapor e seu celular não para de registrar números de telefone. A todo instante quer saber como enviar aqueles recados coloridos que eu detesto no Orkut. Continuo olhando alguma alternativa para que ela consiga logo o que quer e pare de torrar com a minha paciência. A sala enche e eu continuo sozinho, mesmo depois de pedir auxílio. E assim num vai e vem meu de um lado para outro acudindo todo mundo, ela toda quase morre de rir da minha desgraça. Quer agora mandar seus dados para as empresas e tentar conseguir um emprego. Quer ser moderninha e mandar por email. Mas não sabe o próprio email que ela acabou de usar para conversar com sua legião de pretendentes famintos por uma nova presa. Eu tenho que entrar em ação, fazer qualquer coisa para essa sem cérebro ligar o tico e o teco e se mandar. Faço eu mesmo o seu cadastro, enquanto ela procura a caneta que não sabe onde colocou para anotar o quê mesmo? Ela não sabe direito o que precisa anotar, só sabe que precisa do emprego e quando pergunto qual a pretensão salarial ela pergunta o que é pretensão. Não, eu tenho que ir lá fora rir sozinho da burrice alheia porque não posso fazer isso aqui na frente de todo mundo que é o que eu queria. Seus olhos brilham quando eu falo sobre dinheiro, e ela mais que depressa enche a boca e diz quanto pretende ganhar: “seiscentos reais”. É demais para a minha cabeça. Escrevo lá setecentos reais, pensando no tamanho do prejuízo do dono do local ao contratar uma funcionária bonitinha, mas que tem no lugar do cérebro, apenas um grão de amendoim. E agora que já chegou a confirmação de recebimento do tal currículo, ela se levanta imponente, enche o peito e sai desfilando caras e bocas pela rua, vigiada pelos olhares lascivos dos homens de mesmo nível que passam por ela.

2 comentários:

Hum... Esta é boa.Percebeu que a beleza não deve vir em primeiro lugar e sim observar as qualidades das pessoas.Abraços

NOSSA GATO PARECE ALGUÉM QUE EU CONHEÇO???
ENTRE CARAS E BOCAS E BUNDAS PENSO QUE NÃO VAI SOBRAR NADA MESMO....
AH!!!
QUANTO AO EMPREGO TOMARA QUE EU NÃO CONHEÇA O EMPREGADOR, SENÃO SEREI CAPAZ DE MANDAR ESTE LINK PARA ELE.
ABRAÇOS..
LUIZ

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