No final... - por Handerson Pessoa

Zelmar era o nome dele. Morreu aos setenta e três anos. 1934-2007. Estava escrito na placa sobre o seu túmulo. Zelmar e suas duas irmãs gêmeas nasceram quatro dias depois da previsão médica. Além de terem que esperar nove meses para nascer, ainda tiveram que esperar mais alguns dias.

Zelmar foi o último a ser parido. Todas as outras irmãs nasceram primeiro, e ele teve ainda de agonizar mais longos minutos na fila de espera. Foi o último a ser limpo, e o último a receber o primeiro leite da mãe. O pai de Zelmar, o seu Juarez não consultou a esposa na hora do registro, e deu ao filho logo esse nome, que começava com a última letra do alfabeto. Na escola era um terror. Era o último na lista de chamada.
No quartel, quando foi se apresentar, depois de ter ficado quase três horas na fila, esperando para se alistar (a fila era por ordem alfabética), teve que ficar naquele calor, com o sol a pino, escaldante, torrando seus miolos, até ser chamado. Ordem alfabética de novo. Parecia
que não tinha mais jeito para o Zelmar. Foi o último a receber a liberação do exército para poder ir para casa e o último a perder a virgindade entre os amigos.
Todos já tinham se casado, menos o Zelmar. A fila parece que não andava para ele. Um dia se casou, dia trinta e um de outubro, um sábado, o último dia da semana, o último do mês, e sua cerimônia de casamento teve que esperar um pouco porque já havia dois casais na frente, foi o último a se casar. Para ter a atenção da mulher, tinha que pegar fila, porque a agenda dela sempre estava preenchida, tinha que atender clientes, cuidar dos filhos e da casa, e depois vinha ele.
Onde chegava tinha que esperar. Sempre tinha a malfadada fila, e quase sempre lá vinha a tal da ordem alfabética de novo. Mas ele foi levando mesmo assim. Foi o último a receber o aumento de salário, o último a ser promovido para um cargo novo, onde agora ele teria uma mesinha só para ele no fundo da sala, perto do banheiro, no último andar do último prédio daquele conjunto empresarial que ficava no final da cidadezinha que morava, que por uma ironia era a última do seu estado.
Zelmar não aguentou à parada cardíaca que sofreu na semana passada. Morreu na maca de um hospital público, numa fila que nunca andava, e os pacientes tinham que aguardar no último corredor. Foi enterrado no cemitério Último Sonho, e sua cova ficou lá no fundo, no cantinho, onde sempre houvera sido o lugar do Zelmar. Sua placa com seu nome e sua data de nascimento e óbito está lá, mas teve um defeito nas últimas letras, porque o dono da máquina estava com pressa para ir para casa, e na correria, já que era o seu último trabalho do dia, acabou errando na forma que talhava e fez aquela barberagem. Mas era a última. Acho que o Zelmar não iria se importar.

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