Pretérito Imperfeito - por Handerson Pessoa

Quando o Marcos falou que sua amiga Alessandra tinha terminado com o namorado, o Eliseu não perdeu tempo. Parou na primeira farmácia que viu na sua frente, comprou dez fichas telefônicas e foi tentar a sorte.
Respirou fundo, gritou na sua mente: "Gerônimo", colocou o dedo indicador na roleta do telefone, discou o numero do telefone da Alessandra e esperou. Colocou cinco fichas cinzentas no aparelho depois do terceiro toque.
- Alô - ela disse
- Oi, posso falar com a Alessandra?
- É ela.
- Alessandra? Meu nome é Eliseu e sou amigo do Marcos.
- Ah sim, ele me falou de você - ela disse - olha, me desculpe, estou um pouquinho ocupada agora. Será que você pode ligar um pouco mais tarde?
- Claro - ele falou - quer horas? Quero muito te conhecer.
- Não sei, umas dez horas pod ser?
- É claro, ligo às dez em ponto.
- Valeu, tchau
Eliseu desligou e ouviu o barulho das fichas caírem no aparelho, devolvidas. Era o ano de 1996 e ele ainda não tinha o luxo de ter telefone em casa. Foi para casa, os olhos fixos no relógio, enquanto os ponteiros hesitavam em funcionar. Dez horas. Telefone de novo.
- Alô
- Alô. Quem está falando? - Eliseu perguntou.
- É a Poliana, o que você quer?
- Então, a Alessandra está?
- Desculpe, ligou para o número errado.
- Sua voz é linda. Que pena que foi um engano.
- Relaxe, tchau
- Ei espere - Eliseu disse - Fiquei louco pela sua voz. Será que a gente pode se continuar falando?
- Ah. Sei lá. Liga aí, quem sabe né?
Foi a deixa que ele queria. Dois meses depois de muita conversa (e inúmeras fichas telefônicas) eles se encontraram. Decepção total. mesmo assim ele resolveu ligar no dia seguinte, só para dar um último "oi" e depois esquecer de vez aquele número de telefone. "Última ligação", ele pensou.
- Alô
- Alô, eu queria falar com a Poliana.
- Ela não está agora, saiu com o namorado.
- Namorado? Quem está falando?
- É a Matilde, mãe dela, quem é você?
- Meu nome é Eliseu, sou um ... é.... amigo dela.
- Ah sim, o eliseu, ela me falou de você.
- Então é que eu queria entregar um presente para ela.
- Acho que o namorado dela não iria gostar disso.
- Então por que não aceita o presente no lugar dela? Se o seu marido não se importar é claro.
- Sou divorciada, mas adoraria o presente.
- Eu não sei onde você mora.
Depois de muito lenga-lenga, marcaram de se encontrar. Ela tinha trinta e três anos, ele dezenove. Na falta de lugar, resolveram se encontrar na casa dela. No dia marcado, ela mandou os três filhos passar o final de semana na casa do pai e preparou um lanchinho para o seu convidado. A indumentária era simples, camiseta branca sem sutiã e short de lycra da mesma cor. O convidado chegou. Rosas amarelas e brancas na mão. O sorriso? Enorme. Paixão à primeira vista.
Fizeram amor no sofá da sala. Na cozinha. No quarto. No corredor. No banheiro. No caminho para o portão. No portão (enquanto os cachorros vadios da rua latiam sem parar), e na calçada, no muro atrás da árvore. Eram quatro horas da manhã e nenhuma vivalma passava por ali.
Andaram de mãos dadas pelas ruas ignorando os olhares curiosos de todo mundo que passava e via aquele casal tão desigual, tão incomum. Pareciam mãe e filho. Transaram feito loucos. De manhã. De tarde. De noite. Perderam a noção do tempo.
Os filhos dela foram morar com o pai. Ele se mudou para a casa dela. Ela pediu demissão do emprego. Ele foi demitido por justa causa, depois de cinquenta dias de abandono de emprego.
Mas um dia o dinheiro acabou. As contas eram uma pilha sobre um balcão na cozinha. Começaram a brigar. As brigas foram ficando feias até beiraram as raias da loucura e os dois quase partirem para as vias de fato.
Um dia ela acordou e o Eliseu não estava mais lá. Nem as roupas dele, nem nada que pudesse lembrá-lo. Ela pegou um avião e foi para Portugal passar uns dias com uma prima e nunca mais voltou. Ele voltou a morar com os pais, e nunca mais se viram.
Cinco anos depois, o Eliseu viu a Poliana na rua. Atravessou para o outro lado. Ligou para o Marcos para contar as novidades. A Alessandra atendeu. Haviam se casado cinco anos atrás.

0 comentários:

Postar um comentário

Compartilhe

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More