Alto Controle - por Handerson Pessoa

Como era de costume, pontualmente às sete da noite, o Dr. Sidney Macintosh, advogado e consultor jurídico, pediu sua pizza favorita, atum e aliche, tomou um rápido banho, saiu, vestiu roupas de ginástica embora não fosse fazer exercício algum, entrou em seu laboratório, que ele insistia em chamar de escritório e pegou o controle remoto na segunda gaveta da escrivaninha.
A sala de controle era a maior parte do apartamento e agora possuía dez monitores de plasma cada um com trinta e duas polegadas, um monitor para cada apartamento do edifício Garden of Eden, menos o seu que ficava na cobertura, é claro.
Toda sexta-feira o ritual era o mesmo. A pizza, as roupas de ginástica e a entrada triunfal no escritório. O Dr. Macintosh, sem que ninguém soubesse, tinha uma cópia das chaves de cada apartamento, e foi assim que ele instalou uma micro-câmera em cada um dos ambientes dos apartamentos vizinhos, pouco acima das lâmpadas centrais e assim via e ouvia cada passo, cada movimento que acontecia nos andares abaixo.
Como a sala tivesse um sistema de contenção de ruído, o Dr. Macintosh, para o espetáculo dessa noite, aumentou o volume do aparelho de som quando a banda Sixpence None the Richer, começou a cantar Don't Dream it's Over e ali no centro da sala, ele dançava e girava agarrado a uma cadeira e mordiscando um pedaço da pizza.
Em cada um dos monitores, cenas diferentes, mas pouco movimento. Os vizinhos em sua maioria ainda não haviam chegado em suas casas, mas isso não demoraria a acontecer. Durante os últimos seis meses, ele havia memorizado o horário de chegada e de saída de cada habitante ali, e pelas lentes das minúsculas, imperceptíveis câmeras ele já tinha visto de tudo.
Via o marido da doutora Cindy, trinta e um anos, médica e cirurgiã se encontrar com a amante que sempre vinha com o pretexto e o disfarce de personal training e via em close-up todo o frenesi que virara o segundo andar nas noites de sexta-feira. Certa vez, o Dr. Macintosh apanhou o telefone, ligou para o hospital St. Michaels e informou que o marido da Dra. Cindy sofrera uma queda durante o banho e que ela deveria voltar para casa imediatamente.
A Dra. Cindy chegou em casa e flagrou o marido nu, amarrado na cabeceira da cama pelos pulsos e a amante com uma fantasia de escrava sexual. As câmeras flagraram tudo enquanto o Dr. Macintosh se acabava de tanto rir. Três meses depois da separação veio a reconciliação.
No sexto andar, o problema era outro. Numa das noites de sábado, quando o Sr. Klaus e a Sra. Judith, ambos bancários, faziam uma viagem romântica, os filos davam uma festa particular, onde maconha e cocaína eram apenas o aperitivo para o prato principal. Tudo sem o consentimento de seus pais é claro. O Dr. Macintosh ligou para a polícia e quinze minutos depois, os dois filhos do casal eram levados, algemados para uma delegacia.
Também pelas câmeras, ele viu o apartamento dos Rooney ser assaltado e chamou a polícia mais uma vez, evitando o assalto e viu a senhora Margie apanhar do marido tantas vezes que ele chegou até a pensar em comprar uma arma para dar cabo ele mesmo no troglodita do marido dela, o rude senhor Thomas.
Mas a melhor parte do show era quando a vizinha do décimo andar chegava, às nove da noite. Para o momento da chegada da srta. Kate Carter, o doutor Macintosh ligou o maior monitor, o de sessenta e três polegadas, pegou uma garrafa de cerveja, tomou-a quase de uma vez sem precisar de copo, sentou-se na poltrona, colocou os pés sobre uma cadeira e acendeu o cigarro.
Já havia assistido àquela cena tantas vezes que já sabia de cor, quais seriam os próximos passos dela. Adorava vê-la tirar a roupa e andar pelo apartamento apenas com a parte de baixo da lingerie. Via a vizinha tomar banho todos os dias e sabia exatamente quais eram as peças no seu guarda-roupas, os livros que ela lia, as músicas que escutava e os amigos para quem ligava.
O Dr. Macintosh estava apaixonado por ela e não acreditava que ela estava ali, tão perto e ao mesmo tempo tão longe. Um dia não resistiu ao impulso e ligou para ela. Era estranho como dois vizinhos separados apenas por um teto e uma camada de cerâmica viviam há tanto tempo ali e não se conheciam. Marcaram um café, na casa dela. Na semana seguinte foram a uma cinema e só então começaram a namorar.
Tudo se complicou numa noite quando o Dr. Macintosh deixou os monitores ligados enquanto descia para ver a Kate. Faltando pouco mais de doze degraus, ele se desequilibrou, pisou em falso e caiu, batendo a cabeça. Kate abriu a porta e viu seu namorado caído. Com esforço levou-o para dentro e limpou as manchas de sangue no rosto do Dr. Macintosh. Subiu os degraus para pegar alguma roupa limpa para ele. A porta estava destrancada.
Foi quando ouviu um som estranho. Foi um pouco mais para dentro da casa e abriu a porta do escritório. Não acreditou no que viu. Todos os andares sendo monitorados e na tela maior, seu namorado deitado semiconsciente no sofá. Nas gavetas da mesa, centenas de fotos suas, vestidas, não-vestidas, no banho, na cama. Não hesitou. Ligou para a polícia.
E agora, o Dr. Macintosh, advogado e consultor jurídico mora em uma cela, junto com dois outros advogados corruptos numa prisão de segurança mínima em Denton, Arizona. Os companheiros da prisão são pacíficos, lá não é admitida a violência, mas por precaução, todo o lugar é monitorado vinte e quatro horas e todos os movimentos no interior e exterior da prisão são registrados pelas câmeras de segurança. As câmeras, segundo o diretor, são indispensáveis para manter o alto controle sobre quem quer que seja.

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