Encontros e Desencontros - Vol. I - por Handerson Pessoa

As folhas verdes que balançavam do milharal e o céu coberto de nuvens cinza escuro anunciavam a chegada de mais um temporal. Os clarões dos relâmpagos e o ribombar dos trovoes faziam a velha casa da fazenda chacoalhar e de repente, numa forte rajada de vendo, uma das diversas janelas do casarão bateu, estilhaçando os vidros velhos e muito sujos, espalhando cacos por toda a sala.
Grossas gotas de chuva açoitavam o telhado que por um milagre não tinha goteiras. Por onde quer que olhasse, nenhuma outra casa estava ao alcance da visão. Kevin e Mariana agora sabiam disso. A poucos dias hospedados na casa velha da fazenda, tentavam correr para se abrigar da forte chuva.
O milharal parecia interminável, e por mais que corressem, mais encharcados pareciam ficar. As folhas ao tocarem suas peles, provocavam leves cortes, onde finos caminhos de sangue começavam a aparecer em seus braços e rostos.
Os longos cabelos louros de Mariana, antes esvoaçando co vendo na tentativa vã de se manter sécs, agora grudavam no pescoço e se enrolavam nos botões da blusa. Kevin corria à frente. Eram apenas dois adolescentes correndo pelo vasto campo. Ele com dezesseis e ela com dezessete anos, ali naquele lugar pouco conhecido, uma vez que haviam se perdido dos seus pais. Mariana, vendo que quanto mais corria em direção à casa, mais parecia estar longe, parou, desistindo finalmente de lutar contra as forças da natureza. Gritou por Kevin, que àquela hora já havia fugido do alcance de seus olhos, tão densa havia se tornado a plantação.
Kevin ouvia ao longe seu nome ser chamado e quando finalmente percebeu que um perigo poderia ter advindo sobre sua prima de remoto grau, fechou a cara, num sinal de evidente desagrado, e parou. Deu meia volta e caminhou de volta à densidade da plantação que parecia querer engoli-lo.
Longos minutos se passaram quando seus olhos encontraram Mariana sentada em meio à uma possa d’água, com os joelhos unidos, os braços em volta das pernas como que tentando proteger a si mesma da chuva e de seus medos naquele lugar, que agora com a noite caindo, começava a ter uma aula de mistério e horror.
Ele chorava inconsolavelmente enquanto Kevin tentava abraça-la e confortando-a, dizia que tudo estava bem e que ele estaria ali para protege-la do que quer que fosse. O temporal depois de longas, quase intermináveis horas, cessou, trazendo a bonança como diziam os antigos moradores daquelas paragens.
O temporal causou grande dano à plantação, mas também foi o responsável pelo nascimento de uma grande paixão (e por que não dizer, um grande amor?) entre Kevin e Mariana.
As férias dos dois acabariam em duas semanas, e embora os dois agora tentassem ficar o Maximo de tempo juntos naquele lugar onde mais parecia o fim do mundo, o tempo pareceu parar para eles. Foram dias iluminados, dias completamente preenchidos pelos sabores doces e embriagantes de dois corações apaixonados. Ali começava uma historia que nem a força do tempo e dos acontecimentos conseguiria apagar.
Havia ao longe, grossos e altos carvalhos onde a fazenda encontrava seus limites. Ao pé dos carvalhos existia e ainda existe uma sebe, construída com grandes e pequenos fragmentos disformes de rochas e pedras, que alcançavam pouco mais de metro de altura. Sentados à altura da sebe, grandes planos eram traçados por Mariana e Kevin, desde o raiar do dia ate o cair da noite. Juras e mais juras de amor eram feitas constantemente por eles.
Com a aproximação da despedida, ambos fizeram um juramento apaixonado de que um dia voltariam àquele lugar, num tempo onde nada mais os separariam novamente. Cada um dos dois apanhou um pertence. Mariana apanhou um colar que trazia junto ao peito desde os onze anos de idade, e Kevin deixou um relógio, presente de seu pai, que tinha ganhado de seu avô e que tinha sido destinado a pertencer ao primogênito da família, geração após geração.
Juntaram seus pertences em uma pequena lata encontrada num dos galpões da fazenda, perto de donde ficava o estábulo dos cavalos. Fecharam cuidadosamente o recipiente, embalando com diversas camadas de plástico grosso. Escreveram antes de guardar tudo, uma carta destinada ao outro, deixando que a brancura do papel absorvesse todo sentimento puro e verdadeiro de dois jovens que acabavam de conhecer uma das diversas faces do amor, naquela tranqüila manhã de domingo.
Retiraram algumas das pedras da sebe, e depositaram a pequena lata, recheada de amor e provas que marcaram aquela viagem. A cada pedra que ia sendo devolvida ao seu lugar, as mãos dos dois se encontravam e um longo beijo acontecia. Terminaram exaustos por causa do peso das pedras, e então se deitaram sob a sobra dos carvalhos, sobre as pedras, onde sentindo a brisa leve e o cantar dos pássaros, adormeceram por algumas horas, sendo acordados pelo buzinar dos carros, anunciando a partida. Foram três semanas de paixão juvenil, em um a época onde a inocência dominava seus corações.
Lagrimas brotavam dos olhos de ambos, ao verem seus rostos afastados pelos vidros dos carros, enquanto iam tomando caminho pela estrada de terra batida. O moinho que havia mais ao fundo da fazenda girava suas hélices a todo vapor, sinal de que junto com a ventania, outro temporal se aproximava, mas desta vez, a lembrança de como tudo aquilo acontecera, não amenizava a dor da despedida.
Finalmente, seus olhos, grudados no vidro tentando absorver cada fração de segundo que passava, olhando o outro, se perderam, devido à distancia e às curvas. Ma o tempo reservava ainda muitas surpresas.

Dez anos se passaram desde aquela despedida. Mariana andava lentamente pelo interior do escritório onde trabalhava, com um telefone celular nas mãos, acertando os últimos detalhes da inauguração de sua mais nova aquisição na cidade, um restaurante italiano, onde costumavam freqüentar, celebridade do meio artístico e da política, na parte central de São Paulo.
Terminada a ligação, sentou-se em sua cadeira giratória sentindo-se exausta. Fechou seus olhos, debruçando-se em sua mesa com tampo de vidro, quando um som vindo de seu computador a fez despertar. A voz eletrônica dizia: “INCOMING MESSAGE”.
Alguns cliques e lá estava a mensagem escrita:
“Finalmente nos encontramos outra vez. Quanto tempo já se passou? Nove? Dez anos? Parece que foi ontem. Sei que muita coisa aconteceu para você, assim como aconteceu para mim, mas ainda me lembro de tudo. Gostaria tanto de te ver de novo. Será que podemos nos encontrar para relembrarmos os velhos tempos?
Com amor,
Kevin

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