Os dois viveram, sem que os outros sequer suspeitassem, todas as aventuras e desventuras que poderia sobrevir a dois corações interligados pelo destino. Transformaram cada dificuldade, cada estágio daquela doença em valiosos momentos de alegria. Mesmo quando Mariana perdeu os cabelos nas seções de quimioterapia, mesmo quando ele se separou da esposa e teve que reaprender a viver sozinho, mas longe dos filhos, mesmo quando Mariana perdeu os movimentos dos braços e pernas se mal conseguia falar. Foi num dos raros momentos de lucidez, que ela abriu os olhos e com a voz embargada e meio engrolada, disse a frase que ele, Kevin, jamais esqueceria: “Nem com você, nem sem você”.
Kevin a beijou, primeiro nos lábios e depois na testa. Mariana fechou os olhos e dormiu novamente. Um sono profundo, eterno, onde finalmente ela iria encontrar um lugar como a sebe da antiga fazenda onde costumava ficar ao lado dele e onde juraram que um dia voltariam.
E ela voltou. Voltou porque agora era livre para ir onde quisesse, quando quisesse. Kevin nunca mais se casou ou sequer se apaixonou novamente. Havia sofrido muito e por diversas vezes consecutivas. Agora talvez fosse hora de parar, talvez fosse hora de seguir sozinho o seu caminho.
-“Acorde Kevin, acorde” – dizia a voz em seu sonho. Kevin acordou e se levantou perturbado. Era ela, sem dúvida era a sua Mariana. Mas por que agora ela estava de volta em seus sonhos? Cinqüenta e dois anos haviam se passado desde que ela falecera e ele ainda a tinha em seus sonhos.
Mas este sonho era diferente. Kevin sentia que precisava fazer algo antes que fosse tarde. O dia ainda não estava firmemente estabelecido, quando ele tomou o primeiro ônibus em direção à velha casa da fazenda.
Ao longe avistou os carvalhos que permanecera, resistindo à ação do tempo. Caminhou lentamente até a velha sebe e com dificuldade, porque já estava senil e debilitado por causa da idade, se sentou sobre as pedras e com um esforço quase sobre humano empurrou as pedras de cima da sebe, que agora estavam completamente revestidas de lodo, até que seus dedos tocaram numa superfície plástica.
Lagrimas caíram copiosamente dos olhos enquanto ele relia as cartas que escreveram juntos a tantos anos atrás. Olhou o antigo colar dela que pareceu não envelhecer nem um só dia e ainda conservava aquele brilho de quando ela o tirou do pescoço. Estranhamento, seu antigo relógio ainda funcionava, em um ritmo bem lento.
Chorou por longos minutos, vendo com os olhos fechados, toda a sua vida passar de novo. Os ponteiros do relógio tinham dificuldade agora para trabalhar. Kevin se deitou da mesma maneira como se deitara muitos anos antes no dia em que ele e Mariana tiveram que se despedir. Sentiu seus olhos cansados e fechou-os, sentindo o vento sacudir as copas das árvores e desgrenhar seus cabelos brancos.
Ao longe parecia ouvir as buzinas dos carros, anunciando a partida. Abriu os olhos e viu Mariana ao seu lado. Alguns podem achar que tudo não passou de uma ilusão provocada por uma mente cansada. Outros talvez achem que era o espírito dela que estava ali naquele momento. Embora a conclusão desta idéia fique por conta do leitor, Kevin teve tempo de dizer as palavras, antes que ela se fosse: “Nem com você, nem sem você”.
A figura desapareceu diante e seus olhos, parecendo ter um suave sorriso. Kevin abriu os olhos pela ultima vez e olhou tudo ao seu redor, como que querendo guardar na memória, todos os detalhes que pudesse absorver em um único instante.
Respirou profundamente e pôde jurar que as nuvens no céu bailavam de acordo com a musica dos anjos, e nessa dança formavam as palavras “eu te amo”. Abriu um largo sorriso e morreu, no lugar onde tudo havia começado e agora terminado.
Estava livre da tristeza e da solidão. Estava feliz
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