Caçadores de Emoção - Parte II

A chuva foi começando a ficar fina, Charles chegou próximo à porta. Se houvesse mais alguém ali, já sabia da presença dos dois. Ele abaixou-se e pegou a lanterna. Entrou pé-ante-pé na casa. Sonia estava atrás dele com as mãos nos ombros molhados do namorado.
Entraram na casa e Charles colocou dois dedos no pescoço de Augusto. Sem pulsação. Olhou para Sonia e o susto o tomou de assalto quando viu o corpo de Paulo, meio sentado, meio deitado, a arma não mão e os olhos injetados, muito abertos sem piscar olhando para ele.
“Meu Deus, um deve ter matado o outro”, Sonia conseguiu exclamar.
“Ou alguém os matou”, Charles replicou.
A casa tinha apenas um ambiente. Parecia que ninguém morava ali. Não existia nada no interior a não ser uma mesa com quatro cadeiras, a luz que pendia do teto e sacolas de náilon pretas. Muitas sacolas empilhadas em um canto.
- O que acontece aqui?’, Sonia questionava tentando encontrar respostas.
“Querida, não sei exatamente o que aconteceu aqui, mas tem algo a ver com essas mochilas”, explicou Charles, “veja só, este cara aqui tem duas dessas nas cortas e há um monte delas aqui”.
“Será que este cara”, perguntou Sonia apontando o dedo para Augusto, “tentou fugir e este outro o matou?”, ela limpava o rosto ainda molhado.
“Mas se for, como os dois acabaram mortos?”, Charles perguntou. “O que tem nas sacolas afinal?”.
Charles e Sonia andaram em direção ao monte de sacolas com todo o cuidado para não pisar no sangue que manchava o assoalho. Os dois olharam um para o outro e as pernas amoleceram. Centenas, milhares, talvez milhões de reais estivessem ali. Eles começaram a acreditar que existissem milhões ali, porque o volume de mochilas era muito grande.
A sorte dos dois havia mudado. Chegaram até ali, o carro atola na pista de terra a chuva os deixa encharcados e ainda encontraram dois corpos ainda quentes ali, assassinados. E agora o dinheiro. Todo aquele dinheiro. Charles e Sonia estavam de passagem por ali, e desconheciam as noticias da região, por isso não sabiam do assalto ao banco horas antes.
Sabiam que deveriam chamar a policia e entregar o dinheiro. Mas agora uma dúvida passava por suas cabeças: a policia acreditaria neles? E se um policial fosse até lá e ao ver tanto dinheiro, atirasse nos dois e fugisse levando todas aquelas mochilas? Seriam então quatro corpos e talvez ninguém jamais os encontrassem.
Charles não ia deixar todo aquele dinheiro ali. Sabiam que aquele não era um dinheiro limpo, mas que diabos, alguém um dia encontraria e o gastaria. Então porque não serem eles? Sonia concordou com a idéia. Não levariam tudo porque não conseguiriam, mas iriam levar uma boa parte.
Tinham que encontrar uma maneira de trazer o carro até ali. Com o fim da chuva talvez fosse mais fácil tirar o Pathfinder do atoleiro. O caminho da casa até o carro era longo e por isso, antes de voltar ao carro, eles procuraram ao redor da casa algo que os ajudasse a tirar o veículo.
Encontraram pedaços de madeira que Charles usou como aríete, enquanto Sonia pisava no acelerador levemente, o botão no painel indicando a tração 4x4 ligada. Após cinco minutos e os dois quase perdendo as esperanças conseguiram tirar o carro do atoleiro.
Charles entrou no carro e Sonia acelerou rumo a casa. Os dois estavam muito nervosos com todo aquele dinheiro ali, esperando por eles. O carro permaneceu ligado. Charles abriu rapidamente a porta do carro e abriu o porta-malas. Sonia saltou do veículo atrás da fortuna. Estavam ali os dois, isolados do resto do mundo, com dois corpos que eles não conheciam e todas aquelas mochilas cheias de dinheiro, mas algo os perturbava. Queriam sair logo dali.
Foram necessários doze minutos para carregar todo aquele peso para dentro do carro. Ao final estavam exaustos. Entraram no Pathfinder e partiram rumo à felicidade.
Tinham que encontrar uma maneira de esconder o dinheiro. Não poderiam simplesmente sair estrada afora com o carro cheio de malas com dinheiro. Mas aquele era o menor dos problemas. Muito sol e felicidade os esperavam.


***

Frota estava enjoado quando o calo no interior do veículo começou a sufocá-lo. Acordou, abriu os vidros e colocou a cabeça no lugar. Girou a chave mas nada funcionava. Ligou as luzes de alerta, e ficou na estrada esperando que alguém o socorresse. A ajuda não veio nos primeiros quinze minutos, nem nos outros trinta, muito menos nos outros sessenta. Frota voltou a pé até o posto, encheu uma garrafa pet de dois litros com gasolina e voltou ao carro.
Ligou o motor, voltou ao posto e agora estava a caminho do casebre, para encontrar seus comparsas.
Algo estava errado, a porta aberta, marcas de pneu diferentes dos do Blazer. Entrou e viu seus comparsas ali deitados no chão, completamente imóveis, mas naquela hora, as mortes eram os menores dos problemas.
Quando frota olhou as malas e percebeu o movimento, seu corpo todo aqueceu. Instintivamente ele levou as mãos à cintura e sacou sua arma. Talvez os ladrões ainda estivessem por perto de tocaia.
Primeiro assassinaram seus dois colegas, em seguida fugiram com grande parte do dinheiro. Colocou o que sobrou do dinheiro no interior do veículo e pisou fundo no acelerador. Por nada deste mundo ele iria deixar as coisas daquela maneira. Tinha tido muito trabalho para consegui-lo e ninguém, ninguém iria chegar ali e pegar toda aquela fortuna.
Estava a muitos quilômetros de qualquer tipo de civilização. Por um instante ele pensou em voltar pela estrada que levava ao posto onde horas atrás ele havia comprado toda a bebida, mas algo que ele nunca soube o que era o fez seguir na direção oposta. Se o dia estivesse clareado ele poderia ter a confirmação que estava certo ao ver as marcas dos pneus do veículo no chão ainda molhado mas teve que contar apenas com a sua intuição.
Quando olhou no relógio tudo estava turvo. Só haviam passado algumas horas desde que ele tinha se embriagado no interior do Blazer, e os efeitos de tanta cerveja ainda eram evidentes. Mas ainda eram duas horas da madrugada e se ele estivesse certo quanto à localização do veículo talvez ainda pudesse alcançá-lo antes de o dia amanhecer.
Pisou ainda mais fundo no acelerador. A próxima cidade ficava a quase noventa quilômetros dali, caso ainda estivesse seguindo em direção ao sul. O ponteiro marcava agora cento e sessenta quilômetros por hora e estava quase sempre aumentando. O motor quase por fundir, mas ele não iria desistir. Abriu os vidros do furgão, absorvendo o máximo de ar frio no rosto para se manter sóbrio e quem sabe pensar melhor o que iria fazer quando encontrasse os responsáveis por tudo aquilo.
Voando agora a cento e sessenta quilômetros por hora naquela rodovia federal, Frota finalmente avistou as luzes de um veículo algumas dezenas de metros à frente. Sorriu para si mesmo ao ver as luzes. Ele havia pisado fundo. Agora era o momento de acertar as contas.
O veículo ficava cada vez mais próximo ao Blazer de Frota e ele tateou no escuro atrás de sua arma. Com apenas um das mãos no volante, ele conseguiu retirar o pente da arma. Estava carregado. Colocou de volta ao lugar. O Blazer tinha os vidros escuros, o que facilitava o seu trabalho, mesmo sendo madrugada.
Acelerou ainda mais. O veiculo estava agora a poucos metros à sua frente. Frota abriu um pouco mais os vidros do carro pronto para atirar caso encontrasse sua presa. Era um furgão, do tipo Traffic, de cor preta, que estava ali à sua frente. Emparelhou o veículo após ter reduzido drasticamente a velocidade.
Com os dois carros um ao lado do outro, Frota do lado esquerdo da pista dupla apontou a arma para o motorista do carro da direita e disparou. O tiro acertou em cheio o motorista, que sem controle, puxou o volante para a direita. O furgão cantou pneus riscando a pista e capotou diversas vezes.
Frota parou seu Blazer e voltou em direção ao veículo tombado. Abriu as portas de trás, mas o veículo estava vazio. Nada, a não ser o motorista existia lá dentro.
“Droga!”. Foi tudo que ele conseguiu dizer depois da frustração. Voltou correndo para o carro. O Traffic permaneceu ali quase ao meio da pista, o tanque de combustível vazando gasolina. Frota acelerou o Blazer e viu pelo retrovisor o Traffic explodir vários metros atrás. Menos um de seus problemas. Ficou menos preocupado pelo fogo estar agora consumindo tudo e não deixando para trás nada que o pudesse incriminá-lo.
Ele não estava preocupado com incriminação. Tinha ainda muito dinheiro ali. Com todo aquele dinheiro ele iria desaparecer de tudo e de todos. Iria mudar sua aparência. Iria comprar roupas novas, mudar seus hábitos, sua identidade e ninguém jamais descobriria seu paradeiro.
Mas ele não deixaria tudo aquilo acontecer. Mesmo que não encontrasse os responsáveis pelo sumiço do dinheiro naquela noite, ele encontraria algum dia e resolveria tudo a seu modo.

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