Para acordar gente grande



Já fazia cinco anos que o Valdivino namorava a Roseli. Cinco longos anos. Debaixo do céu só existiam aqueles dois. Era “meu amor pra lá, meu amor pra cá”. Chegava a dar enjôo. Igual àqueles enjôos que se têm quando se come doce demais e não dá nem pra olhar para o doce por dias. Ficar perto daqueles dois era uma prova de resistência e paciência. A todo lugar que se olhava, lá estavam os dois naquela moto branca e vermelha, e o casamento já estava quase saindo. A todo mundo que perguntava, a resposta da Roseli era sempre a mesma, que ele era o único que a entendia, o único que importava e que os dois haviam nascido um para o outro. Um dia, não me lembro qual, mas o ano era 1992, o então ilustre presidente da república na época, Fernando Collor fez o favor de lançar um novo plano econômico e com isso, o dinheirinho suado dos dois, desvalorizou e muito. Mas um amigo em comum dos dois soube tramar um golpe que iria quebrar a banca. Em questão de algumas semanas, esse “amigo” (diga-se de passagem, que era apaixonado pela Roseli), ganhou rios de dinheiro. Comprou um carro novo, uma moto mais bonita e potente do que a do Valdivino e de quebra comprou um apartamento. Tudo aquilo chamou muito a atenção da Roseli, que logo tratou de ir falar com o “amigo”. Ele não perdeu tempo, e em meio a tantas oferendas, ela não resistiu e terminou com o Valdivino, que ficou completamente baratinado com tudo aquilo. Chorou dias e noites seguidas, pediu, implorou, suplicou para que ela voltasse, mas ela estava irredutível. Como ela poderia dizer não a tanta fortuna? Será que ela era tão louca de ainda continuar com ele, que não tinha nem onde cair morto, só com aquela moto? No Brasil, preto e pobre não tem muita chance na vida, e foi nisso que ela pensou quando terminou com ele. Os dias se passaram, e o coraçãozinho do Valdivino ia cicatrizando. Não foram poucas as vezes que vi meu amigo chorando disfarçado lá no escritório, olhando para a foto dele e da Roseli no porta-retrato que ele ainda teimava em guardar. Nós, seus colegas de trabalho tentávamos reanimar o cara, mas só ele poderia decidir quando sairia daquele buraco. Um dia o vimos no fundo da casa, que era onde o escritório de contabilidade funcionava na época. Estava agachado perto de um montinho de terra com as mãos sujas. Estava enterrando a foto dos dois. Enterrou a Roseli pra sempre. Voltou com os olhos vermelhos e não disse palavra. Seis meses se passaram desde aquele dia, e quando ele já estava curado, aconteceu algo que nenhum de nós, seus colegas de trabalho imaginamos. A Receita Federal descobriu o golpe do tal “amigo” e tomou tudo que ele tinha. Ficou pobre-pobre-de-marré-de-si outra vez. A Roseli? Óbvio, foi lá no escritório pedir desculpas para o Valdivino, que ouviu tudo sem nada dizer. Da salinha do lado dava pra ouvi-la dizendo: “A gente tem que gostar das pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm”. Ele não quis saber, e dessa vez foi ela quem saiu de olhos vermelhos. Ele terminou a casa que tinha começado a construir, comprou um Escort 93 e outra moto. Ela ficou na casa dos pais sem nenhum dos seus dois amores, e o “amigo” após entregar tudo, ainda teve um processo nas costas, e preso ficou por três anos. Um dia no carnaval de 1993, fui acordado pelo meu pai, às seis horas da manhã de um domingo. O Valdivino havia falecido em uma festa de carnaval numa cidade próxima. Senti meu estômago dar voltas. Quase todas as pessoas que eu amei e que partiram eu soube pela manhã, a primeira notícia do dia. Meu amigo Valdivino, minhas amigas Miriam e Marie, minhas duas avós. Pra sempre sentirei saudades do meu amigo. Lembrarei sempre das vezes que ele me dizia que devemos sempre dar valor às pessoas que nos amam, porque elas podem não estar mais aqui, numa fração de segundos. Nascemos sós, morremos sós. O que nos cabe é o que fazer com o tempo que nos é dado. O Valdivino teve que amar para saber o que era amor, a Roseli teve que sofrer a dor para saber a mesma coisa. E você? Dá valor às pessoas que te amam de verdade?

3 comentários:

Uau... É complicado a gente saber realmente o valor daquilo que temos, sem perder, ou começar a dar valor ao que continuamos tendo ao perdermos algo ou alguem do qual gostamos muito... Essa lição é dada a muitos, mas poucos conseguem aprende-la e leva-la consigo... Eu infelizmente aprendi assim, perdendo, é uma dor insuportavél, vc saber que teve tudo "em suas mãos", e que deixou escorrer entre os dedos, por falta de um olhar, um gesto, uma palavra..Mas felizmente aprendi minha lição logo de cara, acordei, e hoje dou muito valor ao que tenho, falo o que sinto e não tenho medo disso, pois sei muito bem o preço da falta de coragem, vergonha, receio ou até mesmo de uma mera distração...

Nossa Gosteii
Quando vc mrece tenho que parabenizarr
ameii
bjo

isso é muit comum, a correria do dia a dia, a ambição pra melhorar de vida,nos acabam afastando do qeu realmente importa, e das pessoas que nos amam e que nós amamos, e só notamos a falta e o qnt sao importnates qnd nao estao mais conosco...

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