Como se fosse a primeira vez

Eu não estava preparado para o que iria acontecer naqueles próximos dez minutos. Definitivamente não estava. E quando a porta do elevador se abriu e eu vi os olhos mais amendoados desse mundo, senti minha resistência ir a nocaute, chão abaixo. E quando ela entrou e disse “boa noite”, sinos tocaram em algum lugar e aquele cheiro me despertou. Um cheiro doce, cheiro de paixão. Fiquei completamente sem ação e mal consegui responder. Pela ponta do fichário que ela leva, posso ver seu nome. Deve trabalhar num dos andares abaixo do meu. Amanhã irei investigar, não, não preciso. Vou perguntar agora mesmo. Mas o que é isso? Tudo ficou escuro de repente, só senti um solavanco. Acabou a força. E estou aqui preso neste elevador com essa mulher na minha frente. Ela sussurra algum impropério, algo que sugere estar atrasada. São sete da noite e com certeza deve estar indo encontrar seu namorado para algum programa a dois. Muito azar o meu. Só me resta consolar e me controlar. Apesar das paredes de aço do elevador, um celular chama. Não é o meu. Ela atende, ouve e nada diz, apenas bate o flip com tanta força que parece querer trincar. “Noite difícil?” Pergunto apenas vendo a brancura quase oculta da sua blusa, iluminada apenas por uma precária luz de emergência. Ela não responde, apenas suspira. Pesadamente, profundamente, sofregamente. Ouço outro suspiro, agora leve, contido e quase reprimido. Está chorando. “Moça está tudo bem?”, pergunto sem esperar resposta. “Posso te pedir uma coisa?”, ela pergunta como se eu fosse capaz de negar alguma coisa. “Me abraça?”, e se joga em meus braços dizendo que odeia o namorado que acabou de abandoná-la porque... bem, ela não sabe o porquê. Acho que estamos parados em algum ponto entre o décimo primeiro e o décimo andar. 11/10. E naquela mistura de lágrimas e maquiagem que agora mancha minha antes imaculada camisa branca ela desabafa. A força volta e continuamos a descer. Saímos do elevador em direção à porta de entrada do prédio. Após dezesseis minutos e vários pedidos de desculpas pelo pedido ousado e as manchas na minha camisa, chegamos ao Nan Thay, aquele restaurante tailandês que sempre sonhei em ir com alguém especial é claro. Conversamos como nunca antes em nossas vidas corridas, ocupadas e medíocres. Dançamos na grama molhada de um jardim ouvindo Stevie Wonder no som do carro e como se fosse a primeira vez sorrimos sem culpa, simplesmente pelo fato de estarmos ali. Amanheço ao lado dela que dorme profundamente e nem sente os carinhos que faço em seu rosto. E foi assim naquela manhã, e na outra, e na seguinte. E em todas as manhãs nos últimos trinta e nove anos. Muita sorte a minha. Hoje a vejo caminhar com a mesma leveza, a mesma sugestão no olhar e com o mesmo brilho de um amor que superou o próprio tempo. Ainda tremo ao ouvir sua voz e suspiro quando a sinto por perto. Tudo se renova e brilha toda vez que a vejo sorrir. Como se fosse a primeira vez.

2 comentários:

Se falar que amei será pouco diante de tamanha emoção que me fez sentir...bigadu viu!!! vc é ótimo...

Perfeito!!Parece que me vejo nessa historia!!Vc é muito talentoso!
bjim

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