Esquizofrenia - Cap. 2

Numa das vezes que parei para tomar água no refeitório da loja que trabalho ouvi meus colegas rindo de outro colega, o Vilmar. Andava correndo uns rumores que sua mulher estava saindo com outro cara. Os colegas riam e perguntavam o que ele faria se chegasse em casa e descobrisse a verdade. “Pelo menos será que ele olha o celular dela?”, um perguntou e todos caíram na risada. HA HA HA HI HI HI HO HO HO. No começo eu achava engraçado, mas resolvi uma hora dessas fazer aquilo. Fui para casa passando primeiro pela locadora. Aluguei só um filme, afinal, já faziam cinco noites que eu não estava dormindo bem. Adormeci no meio do filme. O mesmo sonho recorrente. Desta vez a velha desdentada subia as escadas. Acordo assustado. Minha mulher subia as escadas. “Boa noite meu amor”. Sexo bom, seguido de dor de cabeça e mesmo assim permaneçi acordado no final. Ela desce. Escuto o barulho da água do chuveiro. Desço as escadas sem fazer barulho. Sua bolsa está no sofá. No seu telefone tem dez ligações recebidas do mesmo número. E outras três feitas. Não há nome, apenas o número. Guardo o aparelho e volto para a cama. A noite seguinte era um sábado e eu resolvi usar uma estratégia diferente. Chamei a Silvinha para um passeio. Estávamos caminhando pela rua, na noite fria e com a lua cheia, quando vimos um pequeno tumulto. Havia um corpo no chão. “Não quero ir lá”, ela disse, mas eu insisti para saber o que havia acontecido. Ela ficou. Eu fui. No chão um homem. Dois furos de bala na cabeça. Estrebuchou e morreu. Disseram que foi crime passional. Silvinha está nervosa porque a deixei para trás para ver o defunto. Estava de cara feia e queria voltar logo para casa. Entrou no banheiro e eu peguei seu telefone outra vez. Sete chamadas do mesmo número. Ela volta e me pega com o celular na mão. “De quem é esse número que aparece tantas vezes no seu telefone?”. Ela briga, discute e fala alto. “Você não tem o direito de mexer nas minhas coisas”. E nervosa explicou que é um ‘engraçadinho que fica passando trote’. Aquele foi nosso primeiro nódulo matrimonial, tenente. Por isso resolvi investigar.

O policial olha para mim com cara de deboche enquanto eu tento me enquadrar na cadeira metálica e desconfortável do 102. Tem cara de policial corrupto e a todo momento olha o celular enorme preso ao cinto, como se fosse uma segunda arma. Não está dando a mínima para o que eu digo. Só quer terminar logo meu depoimento para sair do DP e encontrar a prostituta que lhe paga com favores sexuais. “Mas afinal, onde o senhor quer chegar?” ele pergunta com aquela cara redonda vermelha, grande e suarenta, se remexendo na cadeira atrás da mesa. Faz um jeito de quem não está agüentando mais estar ali e fica revirando os olhos para cima, fazendo gestos com a mão para que eu continue ainda mais depressa. “Um momento”, ele diz e saca seu telefone, diz à pessoa da ligação que já terminou e está de saída. Não está nem aí para a minha confissão. Está cagando para mim. “Ande logo”, ele quer berrar, mas suspira fundo e fala num tom que deveria exalar paciência, mas que apenas coloca pra fora o hálito fumacento de seu cigarro. Termino a água do copinho de plástico descartável e sigo em frente no meu monólogo sem sucesso.

Na segunda-feira tenente, telefonei para o número misterioso. Um homem atendeu. Calmo. Desliguei antes de dizer palavra. Precisava encontrar um amigo que sabe descobrir essas coisas de telefone e internet. Ligei para a Silvinha que só atendeu depois da quinta vez. “Que droga, já disse para não ligar na hora do meu trabalho” e desligou na minha cara. Ela ainda deveria estar chateada por ter me visto com seu telefone. Naquela noite ela entrou no quarto com roupa. Uma roupa diferente. “Um carro passou por uma poça de lama e me sujou toda, tive que comprar outra. Fiquei uma pilha”. Não olhei para ela. O filme estava mais interessante. Desceu para o banho cantarolando, parecia feliz. Sinais.

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