Esquizofrenia - Cap. 4

Tive mal estar durante toda a semana. Quase sempre a noite, pelo menos no começo. Tudo que comia, voltava. Era domingo e minha sogra apareceu nadando na minha porta. “Você está com uma cara horrível”, foram suas primeiras palavras. “A sua também”, eu disse e me senti feliz por dizer. Minha sogra é uma destas mulheres que abomino. Estufada de comida e gases. Sempre que pode faz questão de jogar na minha cara que a maior besteira que sua filha fez foi se casar comigo, que não tenho dinheiro e que só tenho um mínimo de inteligência, mas que isso não paga contas. Nem viagens. Ela entra na cozinha e começa a fuçar as panelas, estava claro para mim que ela tinha vindo para almoçar. Seu marido teve que trabalhar no final de semana, ela explicou, mas o trabalho dele paga bem. Meu sogro é porteiro de um prédio de classe média no Itaim Bibi e há anos tem um caso com uma moradora cinco anos mais velha que ele. Por mim que se dane, ou que morra, não estou nem aí. Minha mulher havia feito gelatina com algo branco em cima que eu não sabia o que era, mas parecia creme de leite. Terminamos o almoço e minha mulher serviu a mesa. Sua mãe com cara de almôndega recusou. “Aumenta o colesterol “, disse a velha rabugenta. Comi sozinho três taças e aquela era a única comida que em dias me desceu sem que eu imaginasse estar engolindo lâminas de barbear. Durou menos que dez minutos. O mal estar voltou. Saí correndo para o banheiro. Enquanto colocava minha comida junto com as tripas para fora, ouvi a minha mulher falando baixinho, dizendo que eu teria que fazer uma endoscopia para ver o que tinha de errado comigo, mas a velha insuportável dizia apenas que deixasse que eu me fodesse. Assim Silvinha estaria livre para encontrar um marido rico. “Não quero outro marido, mamãe”. Senti que Silvinha era tudo que eu precisava. Ela estava ali, desafiando a mãe, abandonando todos os supérfluos e concentrando-se apenas nos finalmentes. Aquela foi uma das coisas mais bonitas que já havia me acontecido. No banheiro, abri a portinha do armário e peguei comprimidos para dor de cabeça. Minhas mãos tremiam e dois comprimidos saltaram do vidro, bateram na minha mão e caíram dentro do cesto onde coloco a roupa suja. Abri a tampa após ter tomado meu remédio. Só havia o uniforme da minha mulher. Tirei de dentro do cesto procurando o comprimido, mas não achei, talvez tivesse caído num dos bolsos. Comecei a procurar. Encontrei um pequeno pedaço de papel escrito quatro números: 1080. Memorizei.

O tenente começa a trancar sua mesa. Está nervoso porque quer ir logo embora, mas sabe que apesar de ser a autoridade ali, está no exercício de sua função. O relógio da delegacia marca 11:49 da noite e seu turno já deve estar terminando. “Meu senhor, tudo isso que está me dizendo não faz sentido nenhum para mim. O senhor precisa ir embora”. Odeio esse policial que não presta atenção no que estou dizendo. Tenho vontade de dizer que sou eu quem pago o seu salário e ele deve ficar ali o tempo que eu precisar. Mas não vai adiantar.

“O senhor não está me escutando?”, eu falo um pouco mais alto que o nomal. Ele me olha torto, quer voar no meu pescoço e me socar até meu rosto virar uma massa hemorrágica roxa, verde e azul. “Pelo amor de Deus, ande logo, preciso ir embora”, ele diz. Não ligo, por mim ele pode ir para o inferno que estou pouco me lixando. Vou ficar o tempo que eu precisar. Comecei a seguir minha mulher. 1080 deveria significar logicamente alguma coisa. Um número de quarto de hotel? A placa de um carro? O final de um telefone? Tudo aquilo era cagado na minha mente perturbada, junto com um monte de outras imagens produzidas. Idiotia, oligofrenia, sudorese. A todo momento tinha a sensação de estar sendo seguido e meus enjôos ficavam cada vez piores. Um dia me disfarcei de entregador e olhei todas as placas dos carros estacionados no Hospital Evaldo Foz que minha mulher trabalha. Repeti o ato três vezes por semana, jamais sendo pego ou flagrado. Nenhum carro tinha placa com aquele número. Eu deveria tentar uma abordagem diferente.

Minha mulher mesmo sabendo dos meus problemas estomacais, insistia para que eu comesse chocolate, que de acordo com ela me daria um pouco mais de energia. Meu duodeno reclamava, mas eu comia mesmo assim. Era bom saber que ela estava cuidando de mim. A esposa exemplo. Preparava sopas leves e me tratava com cuidado maternal. Mas meu estômago e intestino dava pulos colossais a cada colherada. De acordo com ela, eu precisava ir ao médico, aquilo não podia mais esperar. Prometi a mim mesmo que iria ao hospital na manhã seguinte. Acordei e ela já estava cuidando da minha alimentação. Desci as escadas me sentindo um pouco melhor e fiz meu desjejum, à base de leite morno e bolachas de água e sal. Minha mulher ia me dando conselhos sobre o que comer na rua, afinal, deveria ser isso que estava fazendo meu corpo trabalhar tão mal. “Você só come porcaria”, ela disse. O médico me receitou um antiácido para ver se controlava o mal estar, mas eu devia fazer uma endoscopia. Saí nauseado e tonto do consultório. Nada que eu não estivesse acostumado. Tirei o dia de folga e fiquei deitado na minha cama, sob o efeito dos comprimidos. Estava começando a melhorar.

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