Esquizofrenia - Cap. 6

Era sexta-feira de manhã e eu estava na cozinha fazendo café quando parou o fornecimento de gás. Fui até o lado de fora e abri a portinhola que dá acesso ao gás. Junto ao botijão encontrei diversos frascos de vidro dentro de uma sacola plástica branca. Abri para ver o que tinha. Havia três vidros de veneno para ratos. Me lembrei da minha mulher comentar sobre ratos na vizinhança. Mas por que não havia me falado sobre vidros? Curiosamente peguei um para ler. Para a minha surpresa, num dos frascos além da composição química, havia um componente, que não me lembro o nome agora tenente, mas claramente estava escrito no final 1080. Não quis pesquisar em casa com a Silvinha dormindo, de modo que deixei para mais tarde.

A pesquisa resultou num número enorme de informações, mas uma delas me chamou a atenção: “ O chumbinho ou veneno 1080 é um dos venenos mais conhecidos pelo público, à base de estricnina. Muito utilizados no combate aos ratos, o monofluoracetato de sódio é considerado o mais perigoso do mundo porque não tem cor, cheiro ou sabor; é altamente solúvel em água e facilmente absorvido pela pele. Não há nenhum antídoto conhecido e uma colher de chá do veneno pode matar até 100 pessoas adultas. A morte provocada pelo 1080 é difícil de determinar já que os sintomas se parecem com aquele de um ataque cardíaco. Os sintomas aparecem cerca de 30 minutos após a exposição ao produto e a morte pode acontecer entre duas e sete horas, dependendo da quantidade ingerida”.

“O senhor está me escutando tenente?”. Ele me olha feio e respira fundo, totalmente desconcentrado da conversa. “Tá meu senhor, todo esse blá blá blá que está me dizendo não significa nada para mim. Será que dá pra me dizer onde quer chegar de uma vez por todas?”. Tenente, preste atenção. “Sou filho único, tenho uma fortuna deixada pelos meus pais. Não tenho filhos, com quem o senhor acha que ficará o dinheiro?”. Durante todo o tempo Silvinha, meu amor para toda a vida aplicava doses mínimas daquele veneno em tudo que comia. Descobri atrás do botijão uma seringa com agulha. Ficou claro para mim a intenção dela ao me trazer trufas a noite, e porque ele não comia junto, e quando comia buscava a dela na bolsa. “Estava claro tenente, ela estava o tempo todo tentando me envenenar, não poderia aplicar uma dose muito grande do remédio porque isso causaria minha morte quase instantânea, e na autópsia encontrariam a substância no meu sangue. A causa mortis. Monofluoracetato de sódio.

Quando a Silvinha chegou estava completamente desolado. Não sabia nem por onde começar, por isso agi normalmente. Ela chegou. “Boa noite amor”, e eu respondi numa dose ainda mais profunda do meu cinismo. Esperei que ela dormisse e então lhe amarrei mãos e pés na cama. Minha mulher acordou e começou a gritar e perguntar o que estava acontecendo. Dei-lhe um tapa na cara. Estrebuchou e ficou quieta. Comecei a perguntar o porquê de tudo aquilo. Não precisava jogar baixo. Bastava pedir a separação e levaria metade com ela. Mas ela começou a chorar e a encontrar um monte de desculpas, mas seus olhos não faltaram com a verdade. Silvinha não sabe mentir. Pelo menos não para mim. Quando ficou claro para mim que ela estava tramando minha morte, não senti nenhuma pena ao ver minha mulher amarrada na cama como um cão preso. Senti uma onda de prazer. Lembrei do sonho. Abri o guarda-roupas, peguei minha arma e descarreguei todo o pente nela. Morreu na hora. Ela deve ter ficado feliz, afinal, eu tinha sofrido muito para morrer, e ela morreu num piscar de olhos. É por isso que estou aqui tentente. Para me entregar. Eu sou o assassino da mulher amarrada.

O tenente olha para mim e ri. Não acredita que isso está acontecendo. O assassino da mulher amarrada sentado bem ali durante todo esse tempo. “Me acompanhe”, ele diz olhando para um outro policial que se aproxima. Me leva até uma outra sala, e senta-se na frente de um computador. Pede meus documentos. Nome completo da minha mulher. Endereço de residência. Escuto então o barulho de uma impressora. Várias folhas são cuspidas. Ele coloca uma a uma sobre a mesa para que eu possa ler e põe a mão espalmada na mesa. “Como o senhor me explica isso?”

Polícia Militar do Estado de São Paulo
Relatório Civil:

Silvia Amorim Tregulha Reis, 27 anos, branca. Data de nascimento: 21 de fevereiro de 1977. Solteira. Data do óbito: 12 de setembro de 2004. Motivo: Erro médico.

O tenente se levanta, esbofeteia a minha cara. Grita para o policial que está junto. “Soldado, leve esse idiota daqui, prenda-o por mentir e obstruir o trabalho da polícia.

*** FIM ***

1 comentários:

Final surpreendente... Realmente um caso avançadissimo de esquizofrenia rs.

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