Esquizofrenia - Cap. 3

O policial se levanta, abre a garrafa de café e olha no relógio. Está com pressa. Sua pequena devassa está esperando numa esquina da Indianópolis e já está começando a chover. Talvez não seja uma devassa e sim algum homem travestido de mulher, imagino, típico dos comerciantes de corpos daquela região. “Afinal, o que o senhor quer? Dá pra ser mais objetivo? Quem é o senhor afinal?”. O senhor quer respostas tenente, tudo bem, eu vou lhe dar respostas.

Sou filho único. Meus pais resolveram me fazer depois de vários passeios pelo mundo e muita grana acumulada, fruto de um bem sucedido negócio de ar condicionado para veículos. Mas eu não falava com meus pais a mais de dez anos, e mesmo depois que morreram num acidente há dois anos eu não queria o dinheiro deles. Nem senti remorso. Eu sabia do testamento, afinal, eu mesmo havia guardado numa pasta trancada num armário no sótão e jamais havia falado sobre ele com ninguém, nem mesmo com a minha mulher. Eu estava pensando no testamento naquela noite quando a Silvinha chegou. Ainda estava séria. Já era a quinta noite sem trufas e sem roupas. “Boa noite amor”, ela disse e desceu para o banho, sem um beijo ou um abraço. Estava estranha. Notei que as ligações do número misterioso haviam sumido. Talvez fosse só sintomas de esquizofrenia. Talvez não. Talvez ela fosse muito mais esperta do que eu supunha. Então ela subiu. Se jogou ao meu lado e ligou a televisão. Passava O Especialista, Silverter Stallone e Sharon Stone, Estados Unidos, 1994. Cheguei mais perto e dei um beijo. Ela apenas não recusou. Nosso casamento havia entrado na fase industrial. Sexo por obrigação, com a televisão ligada e muda. Closed caption ligado. Sharon Stone escrevendo num papel “Não sou uma mulher que se pode confiar”. Eu já havia visto esta cena. Nunca confio numa mulher que saiba cruzar as pernas, tenente. Silvinha dormia e se mexia na cama. Olhei para o seu cabelo negro e fiz um carinho. “Puta merda, deixa eu dormir caralho”. Sentia falta das trufas. Ela subindo sem roupas. “Boa noite amor”.

Algo indubitavelmente havia mudado desde então. Eu continuava ligando de telefones públicos diferentes para o número misterioso e sempre a mesma voz calma atendia. Comecei a pensar que estava imaginando coisas, talvez fosse mesmo um trote. Ela deveria estar apenas zangada comigo por não ter acreditado na sua versão dos fatos. Desde então as coisas tinham esfriado muito. Uma vez ficamos dezesseis dias sem sexo. Eu contei. Ela parecia não se importar. “Silvinha, eu quero nossa vida de antes” eu disse uma vez, e ela apenas olhou para mim chegou perto e me deu um tapa na cara. Forte. Quente. Em seguida me deu um beijo, tirou a minha roupa e fizemos amor como era antes. Artesanal. Era uma tarde chuvosa e quando terminamos eu perguntei o que havia acontecido. “Infecção vaginal”, ela disse e logo descarregou uma catilinária explicando que ‘resolveu não avisar para você não ficar preocupado, mas era coisa simples e já estou bem’. As coisas pareciam ter voltado ao normal. Mesmo assim resolvi em segredo fazer alguns exames médicos. Tudo estava normal comigo. Dois dias depois, a Silvinha chegou como antes. Subiu as escadas, as trufas na mão. “Acho que mordi o lábio”, ela disse e por isso não comeu. Nem me beijou. Fizemos amor sem beijo, rápido, ela correndo para o banho. Desci as escadas para tomar água. Sentia meu corpo quente e um leve enjôo. Meu estômago revirava a cada movimento meu, e cada passo na escada parecia demorar uma eternidade. Uma sensação horrível como se estivesse com o cérebro dentro da máquina de lavar, girando sem parar. Tomei bastante água enquanto esperava a madre superiora terminar seu banho. Entrei e joguei água fria na cabeça. Vomitei toda a trufa, sentindo um mal estar que parecia piorar a cada segundo. “Sua trufa não caiu bem hoje, estou enjoado”, gritei de dentro do banheiro, mas não houve resposta. Meus olhos pareciam estar cheios de ácido, lentamente subi as escadas e encontrei Silvinha já quase dormindo. Deitei sentindo meu estomago despencar de um bungee jump. Não consegui dormir logo. Ela me abraça, morde minhas costas e cochicha no meu ouvido: “boa noite querido”.

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