Vinho Amargo - Parte II - por Handerson Pessoa

Eu já estava completamente dominado pelo sono e nem vi quando dormi na cadeira na frente do computador às duas e quinze da madrugada esperando aquele download interminável acabar. Meus amigos no Second Life já tinham desistido de esperar minhas respostas e já tinham voltado para o mundo real e o virtual teria que esperar.
Bati meu braço no porta-lápis e então acordei. O download havia acabado. Quanta demora! O relógio do computador indicava três horas. Eu teria mais duas horas de sono precário, mas ia gastar mais alguns minutos ali porque havia o símbolo de um envelope na tela. Um email a essa hora? Abri. Era o Beto, aquele meu amigo fictício. Seis meses já haviam se passado e essa era a primeira notícia dele em tanto tempo. Dizia:

"Meu caro amigo Pessoa:
Ontem a coisa mais espetacular do mundo aconteceu: eu tinha acabado de chegar de Keflavik, uma cidade aqui perto da capital, porque havia uma noite cultural lá e eu não podia perder.
Cheguei e quando entrei, meu som estava ligado. Tocava Marina Elali cantando One Last Cry.
Pensei: será que ligou sozinho? Mas havia um cheiro conhecido no ar. Reconheceria aquele cheiro em qualquer lugar do mundo. Geórgia. O perfume preferido da Flavinha. A luz do quarto, acesa.
E lá estava ela com aquela lingerie branca que eu adoro e no criado mudo um balde com gelo e uma garrafa de Don Perignon. Eu não podia acreditar. Ela estava ali. Sei que você vai querer os detalhes e eu preciso dizer? Só te digo uma coisa. Prepare seu Black-Tie pois vai precisar dele no dia dez de outubro. A Flavinha e eu iremos nos casar. Ainda não acredito mas é verdade. Abraços meu amigo."

Meu sorriso foi de orelha a orelha. Danado. Ele conseguiu. Três semanas depois meu telefone estava tocando. Era o Beto dizendo que estaria aqui no Leblon de novo no dia dezessete de julho. Ia passar primeiro dois dias em Porto Alegre, voaria para São Paulo e pegaria a ponte aérea para chegar na cidade maravilhosa a tempo de se despedir da gente antes de voltar para Reikjavik.
Liguei para todo mundo contando e preparamos uma festa surpresa para o mais novo, mais harmonioso e mais bonito casal. Definitivamente haviam nascido um para o outro.
Era uma terça-feira, dia dezessete e eu estava me preparando para ir para a festa na casa do Beto quando um colega da redação do jornal que trabalho me chamou:
- "Ei cara, venha ver isso".
Na televisão, todos os jornais mostravam as chamas tomarem conta dos destroços do avião que o Beto e a Flavinha estavam. Ninguém no avião sobreviveu. eu liguei para o celular do meu amigo. Desligado. O da Flavinha. Desligado. Corri para o banheiro e vomitei. Não conseguia acreditar. No site da companhia aérea, a relação dos passageiros. Número trinta e seis: Flávia Marjorie de Alcântara. Número trinta e sete: Roberto Pompeu Lima. Chorei.
Deixei flores no túmulo do Beto e da Flavinha. Um ao lado do outro para todas as eternidades. Fui para casa. O vinho estava amargo, um gosto de saudade. Adormeci no sofá
olhando a foto dos dois que ele tinha mandado no email. No andar de cima, meu vizinho fazia um jantar romântico e a música atravessava as paredes e chegava até o meu sofá. One Last Cry.

1 comentários:

Amor...vc está cada vez melhor...enfim vc é o melhor, saiba que além de te admirar muito te amo a cada dia mais e mais!

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