A confusão pede carona - por Handerson Pessoa

O seu Gustavo Gomes é o taxista mais famoso do bairro. A dezoito anos se casou com a dona Simone, que é um poço de ciúmes do marido. Esses dias aconteceu uma coisa engraçada. O seu Gustavo tinha acabado de trocar as capas dos bancos do seu táxi. Tudo cinza claro e uma listra vermelha.
Todos os dias pontualmente às sete e trinta da noite, o carro do seu Gustavo apontava na esquina. Era um ritual. Durante quinze anos era assim. E aconteceu que naquele fim de tarde, estava ele voltando para casa quando de repente uma moça acena. Quer fazer uma corrida. O seu Gustavo pára.
A moça entra, a blusa listrada de vermelho combina com o estofado do carro e valoriza os seus seios, se é que isso fosse possível afinal. Seu Gustavo olha para o decote generoso pelo retrovisor. Já passou no farol amarelo duas vezes, pestanejando.
No banco de trás a moça está suando. "Quer que ligue o ar condicionado dona?" o seu Gustavo pergunta. A moça não responde, apenas pende o pescoço para a direita e desaba. O seu Gustavo ouve a batida da cabeça dela no vidro e pára o carro num acostamento. Ela não está respirando, o jeito será fazer uma respiração boca a boca.
Ele vai para o banco de trás e prende o nariz da moça com uma das mãos e com a outra aperta o maxilar, mantendo a boca dela aberta. Enquanto ele tenta salvar a vida da pobre moça que agora involuntariamente exibe suas pernocas através da saia, que mais parece uma amostra grátis de algum tipo de tecido, a dona Amélia, sua vizinha passa pelo táxi do seu Gustavo, e olha para dentro.
- Seu Gustavo! - ela berra. - Eu vou contar tudo para a sua mulher"
O seu Gustavo nem sabe quem falou e nem de onde veio o som, quando olhou so viu a traseira do Palio verde da vizinha. A moça acorda algum tempo depois.
Na volta para a casa, o seu Gustavo matuta o que vai dizer para a mulher. Sabe que por mais honesto que for ela jamais irá entender. Daí vem a mentira. Ele entra na casa. Pé-ante-pé, olhando para os lados, ressabiado. A mulher chora sentada na cadeira da cozinha, debruçada sobre a mesa. Noventa e oito quilos de puro ciúme.
- A Amélia me contou tudo - dona Simone balbucia - eu sei que você estava com outra.
- Simone - ele tenta dizer aparentando a maior calma do mundo - me desculpe, eu fui um cretino, só fiz isso para aquele avarento, safado, pilantra do Jorge aprender.
- Do que você está falando? - pergunta a dona Simone.
- Já tem mais de um ano que o Jorge não me paga aqueles três mil reais que eu emprestei para ele, daí sequestrei a filha dele e exigi os três mil como resgate. Como ele não tinha, eu falei que ia matar a moça, e ia matar mesmo, se não fosse a Amélia, eu tinha matado ela sufocada.
- Meu amor - diz a dona Simone - então a Amélia entendeu tudo errado. Eu, eu pensei que você...
- Eu sei, eu sei, está tudo bem. - o seu Gustavo diz olhando para o quadro na parede enquanto abraça a dona Simone.
- Me desculpe - ela diz.
- Imagina.
Enquanto dona Simone termina seu banho, o seu Gustavo conta o dinheiro que ganhou com o taxi naquele dia. Graças à moça, seu dia lhe rendeu mais cento e cinquenta reais, que ele vai comprar um sofá novo. Só espera que o pai da moça que ele tentou matar sufocada não registre queixa contra ele. Se registrar, o sofá terá que esperar.

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