Serviço de bordo - por Handerson Pessoa

Para o serviço de bordo do vôo BR1021 da BRA, a comissária serviu como de costume um sanduíche de peito de peru, um bolinho com gosto de velho e um copo plástico com refrigerante quente de guaraná que parecia ter sido aberto na tarde do dia anterior. Seu nome era Paula Marques e a sete meses havia entrado para o time das comissárias.
Seu trabalho era relativamente fácil. Depois de mostrar como se usavam os equipamentos em caso de falha da aeronave ( o que ela detestava porque parecia uma marionete em um espetáculo onde poucos prestavam atenção), era só esperar o comandante nivelar o pássaro mecânico a pouco mais de dez mil metros de altitude para começar a servir. Mas Paula não era apenas uma comissária comum. No começo apenas fazia seu trabalho, meses depois começou a querer um pouco mais.
Paula trabalhava dia sim e outro não. Isso facilitava. Um dia antes, como tinha acesso a diversos setores da companhia, ela acessava via Internet a relação de passageiros que estariam nos seus aviões no dia seguinte. Escolhia suas vítimas assim. Selecionava os mais ricos, que provavelmente viajariam com dinheiro, cartões de crédito, cheques e toda aquela quinquilharia eletrônica que ela agora tinha em casa e que estava disposta a vender. Jamais havia levantado dúvidas. Estava acima de qualquer suspeita. No começo seu pulso chegava a cento e quarenta, mas com o tempo o medo foi passando e já havia se tornado algo banal para ela.
O doutor Walter Inácio dormia a sono alto quando ela passou pela sua poltrona. Geralmente o serviço de bordo era servido do início para o fim do avião, mas por causa da insistência do doutor Walter querendo um whisky (era seu primeiro vôo e ele precisava relaxar) ela resolveu iniciar pela última fila.
Voltou rapidamente para a cozinha onde abriu uma frasco com comprimidos e despejou os pedaços sobre a bebida sem gelo do homem. Sorriu para ele, que deixou o laptop na poltrona ao lado sobre o blazer cinza claro. Era a última fila da aeronave, e por uma sorte muito grande estava viajando na poltrona A sendo que as poltronas B e C estavam vazias. Parou o carrinho na volta para a cozinha na frente da poltrona, sentou-se e verificou o estado da sua vítima. Inconsciente. Ele acordaria algum tempo depois na enfermaria do aeroporto com fortíssimas dores de cabeça e sem saber para onde haviam ido seus pertences. Dias depois iria abrir um processo contra a empresa aérea e um dia seria ressarcido de seu prejuízo. Paula Marques sorriu. Um carneirinho, dois carneirinhos, três carneirinhos...
Recolheu carteira, dinheiro, e o laptop que colocou embaixo do carrinho. O vôo estava cheio de poltronas vazias e isso tornou o roubo ainda mais fácil, ninguém percebeu nada.
Quando o avião aterrissou, ela foi a primeira a comunicar o comandante que pelo rádio chamou uma ambulância. Depois dos paramédicos realizarem o seu trabalho ela graciosamente pegou sua mala com rodinhas, desceu as escadas e entrou no aeroporto Santa Genoveva em Goiânia. Acima de qualquer suspeita. Tinha uma hora e meia de descanso antes de voltar na mesma aeronave para São Paulo. Começou a fazer as contas. Discretamente entrou no banheiro e abriu a carteira do pobre homem. Tinha dinheiro ali equivalente a três meses do seu salário como comissária. Apanhou o dinheiro e se desfez da carteira, jogando no lixo do banheiro. Logo a carteira seria encontrada.

Já estava na hora de voltar. Ajeitou seu cabelo, sua roupa, e estava pronta. Novamente levou para dentro do avião sua bagagem. Acompanhou a subida dos passageiros, fez o teatrinho da máscara de oxigênio e estava pronta para o serviço de bordo quando ela caiu. Ela não sabia o que tinha acontecido, mas o episódio foi rapidamente escondido pelas outras comissárias que a levaram para um local isolado do avião. Paula estava desacordada, não tinha reação alguma, mas ouviu ao longe uma pessoa dizer: “Pegue o remédio dela”. Paula tinha medicação controlada, e num terrível e comprometedor engano, a amiga pegou o frasco de comprimidos errado. Paula voltou a dormir e quando acordou e abriu os olhos viu tudo branco. “Estou no céu”, ela pensou e quase disse, mas sua cabeça doía horrores e ela nem mesmo tentou dizer nada. Tentou se levantar, mas não conseguia. Olhou para o braço esquerdo e uma pulseira de metal cintilava em seu pulso. Olhou para o outro lado e uma policial estava acompanhando a criminosa. Paula chorou e o mais improvável aconteceu. Convenceu a todos que aquela não era a sua mala. Durante o tempo de espera no aeroporto em Goiânia, Paula furtivamente trocou o distintivo das malas que eram sempre idênticas entre as comissárias. Alguns passageiros possuíam malas iguais e no saguão do aeroporto houve a troca. Ela não era bandida, era uma simples vítima como o doutor Walter, ela dizia. Paula, depois de alguns esclarecimentos foi libertada, voltou para a sua casa e prometeu não processar a empresa que trabalhava depois de um pomposo acordo. Sentiria falta de sua bagagem, mas a empresa já havia providenciado outra. E assim Paula escapou por muito pouco de passar os dias confinada a uma cela. Ufa! O doutor Walter teve seus valores restituídos mas nunca mais viu sua velha carteira e seu computador, e em algum lugar próximo ao Jardim América em Goiânia, alguém gastava o dinheiro do doutor Walter em um shopping e depois voltaria para casa para usar um laptop.

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