Trote - por Handerson Pessoa

Desde moleque o Lucas já tinha começado a aprontar. Na lista das suas traquinagens, a que ocupava o topo era tocar a campainha nos muros alheios e sair correndo. Em segundo lugar era roubar a correspondência de caixas de correio para ler o que não lhe era devido. Juntou pilhas de revistas dos vizinhos que chegavam pelo correio e teve que queimar tudo quando seu pai descobriu.
Com o passar do tempo, as brincadeiras eram mais ousadas. Aos quinze anos, apanhava o jornal no trabalho do pai e se concentrava em lugar para as prostitutas da seção de acompanhantes, só para ver, escondido é claro, a reação das esposas dos vizinhos da sua rua quando abriam a porta e se deparavam com aquelas mulheres em trajes mínimos chamando por seus maridos. Já vira três casamentos se acabarem com aquela brincadeira de mau gosto.
Telefonava para a central de polícia informando crimes que jamais aconteceram e certa vez ficou preso uma semana para poder refletir sobre o que estava fazendo. De nada adiantou.
Aprendeu a usar computadores e quando ia à casa dos amigos sempre dava um jeito de encontrara as carteiras dos pais e pegar os números de cartões de crédito para depois fazer compras pela Internet. As compras era as mais diversas: eletrônicos, móveis e flores. E no escuro do seu quarto ficava pensando nas reações das pessoas: as que recebiam os presentes inesperados e as que tinham que pagar as contas que não tinham feito.
Telefonava para as farmácias pedindo remédios para serem entregues em casas em que as pessoas não tinham feito pedido algum. A mesma coisa com as pizzarias, só para deixar moradores e entregadores morrendo de raiva.
Tudo que era trote era mesmo com o Lucas. Um dia quando chegou em casa mais bêbado que um gambá, se cortou feio com uma faca tentando fazer não-sei-o-quê. Arrastou-se até a sala, apanhou o telefone e ligou para o serviço de ambulâncias. Sua voz mais conhecida do que tudo estava sendo ouvida pela atendente que afirmou que os médicos estavam a caminho.
Lucas esperou, esperou e esperou enquanto via sua vida esvaindo-se do seu corpo. Esperou demais. Do outro lado da linha, a atendente sorria enquanto terminava a chamada. “Algo importante Regina?”. Seu chefe perguntou: “Não seu Cláudio, era só um trote”.

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