A Relíquia - por Handerson Pessoa - Vol. II

Uma hora se passou e a chuva não cessava. Outra hora se foi, e mais outra. E outra. De onde estavam escondidos era possível ver a saída da gruta, por onde a água entrava às enxurradas. Tudo era visto pela luz das lanternas.
- Desliguem as lanternas – Dora falou – não sabemos ainda quanto tempo ficaremos aqui, por isso, pouparemos as baterias. Apenas uma lanterna fica acesa.
A temperatura começou a cair muito rapidamente e o vento que entrava parecia querer congelar os pulmões.
- Dalton, você que é mais experiente que nós, diga-nos: já se ouviu falar numa queda de temperatura dessa proporção à essa hora do dia no Cairo? – Márcia perguntou – Quero dizer, tudo bem que esfria muito no deserto durante a noite e quase gela de madrugada, mas meu Deus, são quatro da tarde agora.
- Isso não é normal – ele respondeu – nós provocamos isso.
- Cara estou dizendo, é aquele sangue – Ronaldo falou – O sangue foi derramado e agora temos que enfrentar a fúria dos deuses.
- Vou tentar o rádio de novo – Dalton falou.
Apenas o ruído peculiar da estática. Após isso, ninguém mais disse nada por muito tempo.
- Dalton, você disse que para aplacar a fúria dos deuses antigos, era preciso sangue humano, de uma virgem, é isso? – Dora perguntou.
- É.
- Precisamos sair daquie e sei lá, encontrarmos alguém que preencha esse requisito.
- E fazemos o que depois? Convencemos a tal virgem a ser voluntária ao sacrifício e depois enchemos novamente o jarro com seu sangue? – Dalton reclamou – Ah Dora faça-me um favor e me deixe em paz.
- Por que você não se torna voluntária e salva a humanidade, hã Dora? – Ronaldo desdenhou – Quantos anos tem? Vinte? Vinte e dois?
- Trinta, seu idiota e para o seu governo não preencho o requisito de virgindade. – ela respondeu – Mas talvez você possa fazer isso, já que nunca soube o que é uma mulher, a não ser pelas revistinhas que levava para a faculdade, na mochila.
- Vaca! – Ronaldo disse, vermelho de raiva e vergonha.
Todos os queixos agora batiam de frio. O relógio no pulso de Dalton marcava agora oito e meia da noite, horário local. Num canto, encolhidas dormiam Dora e Márcia. Ronaldo chegou perto de Dalton e falou-lhe ao ouvido:
- Dalton, escute, todo o planeta está sofrendo um dilúvio moderno. Olhe, o lugar está ficando inundado, logo teremos que sair daqui. E para onde vamos? Em breve, tudo ficará submerso, vamos morrer afogados. Veneza, Paris, São Paulo, em baixo d’água, já pensou nisso?
- Pelo amor de Deus Ronaldo, estamos no Cairo. Você está delirando com essa idéia de dilúvio – Dalton ponderou sentindo sua respiração ficar cada vez mais rápida.
- Olhe Dalton, Márcia tem dezessete anos, veio como assistente eu ouvi dias atrás uma conversa dela com a Dora sobre perder a virgindade com um egípcio – Ronaldo continuou – Sabe como são essas conversas de mulher.
- Está sugerindo sacrificar sua própria amiga? – Dalton perguntou, arregalando os olhos, mas considerando a sugestão
– Não se esqueça que foi ela que derramou o sangue. Eu vou descer e buscar o jarro antes que ele seja levado pela água.
Dalton chegando perto de Dora, abraçou-a e sentando-se atrás dela com o pretexto de aquecê-la. Com o braço direito apertou a garganta de Dora que esperneou e tentou em vão se livrar daquelas garras. Fora imobilizada e algum tempo depois acordaria sem saber o que lhe havia acontecido.
Foi até Márcia e aplicou o mesmo golpe. Ronaldo voltou com o jarro, a tampa e as cordas. Retirou Márcia de onde estava e a deitou sobre uma pedra plana. Com o canivete suíço fez um profundo corte no pulso esquerdo da amiga que jazia inconsciente na pedra fria.
Encheu o jarro e o lacrou, devolvendo-o ao seu lugar original. Jogaram o corpo de Márcia gruta abaixo e ele logo foi levado pela água profundeza abaixo.
Meia hora se passou, após ambos, Ronaldo e Dalton jurarem que aquele seria um segredo a ser levado para o túmulo.
- Já estamos em um túmulo – pensou Dalton.
Os primeiros raios de sol penetraram o interior escuro e frio da gruta. Dora acordou e chorou ao saber que sua amiga Márcia havia fugido e desaparecido durante a noite.
Dalton olhou o celular. Havia sinal, fraco, mas havia. No hotel assistiram por um canal de TV a cabo o estrago que a tempestade havia provocado no mundo todo.
“estima-se a morte de milhares de pessoas, talvez milhões”, disse o repórter.
A tempestade causada por um estranho fenômeno natural estava ligada à passagem de centenas de tsunamis, ciclones e furacões simultaneamente e que haviam alterado o eixo de rotação da Terra e seu eixo angular.
O repórter comentou também que esse fenômeno, de acordo com especialistas da área, já havia acontecido antes, milhares de anos atrás e que aconteceria novamente, alguns milhares de anos no futuro. Felizmente acontecia de maneira muito rara e em intervalos de tempo muito remotos e como se tratava de um fenômeno natural, nada era possível fazer, a não ser esperar. Dalton olhou para Ronaldo que olhou para Dalton. Então o repórter finalizou: “Que Deus tenha piedade das gerações futuras”.

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