O pombo atirador de elite - por Handerson Pessoa

A dona Neusa chegava a ser irritante com a sua mania de limpeza. Qualquer cisquinho pelo chão da sua sala limpa e asseada e lá vinha ela com sua vassourinha na mão. Sujeira por menor que fosse no seu carpete? Lá vinha a dona Neusa com uma vassoura de pia sava nas mãos. Não tinha aspirador. Carro então nem se fala. Era impecável. Completamente limpo, nenhum pó. Lavado de três a quatro vezes por semana, aspirado e perfumado. A dona Neusa não podia com bagunça, nem tampouco com sujeira.
Participava das reuniões organizada por um grupo de psiquiatras voluntários especializados em transtorno obssessivo-compulsivos e sempre que ia se sentar, passava um paninho embebido em álcool para limpar o assento e o espaldar. Lavava as mãos a cada dez minutos e entrava
em parafuso só de pensar que microorganismos poderiam invadir seu corpo. Tinha síndrome do pânico. Seu jardim estava completamente livre de ervas daninhas e suas luvas com as quais revolvia a terra eram sempre descartáveis. Era a versão feminina do famigerado detetive Monk.
Mas aconteceu que um dia a dona Neusa voltava de uma das suas sessões de terapia (como ela costumava chamar) e parou em um farol. Observava atentamente as vitrines das lojas com marcas de dedos nos vidros, e apertava com força o volante do carro, os nós dos dedos
chegando a ficar brancos, louca para entrar na loja somente para pedir para as vendedoras deixarem ela passar seu paninho com álcool nos vidros. Com os carros na rua era a mesma coisa. Era implacável com a sujeira, o seu currículo de caça-sujeira não tinha jaça.
O farol abriu e lá ia ela com seu imaculado automóvel pelo lado direito da pista. À sua frente todos os faróis estavam abertos e ela poderia pisar fundo no acelerador e chegar em casa o quanto antes.
Foi quando um humilde pombo que havia pousado em um dos fios da rede de alta tensão resolveu salvar a vida da dona Neusa. Carimbou o pára-brisas do veículo com uma precisão digna de atirador de elite, a diferença era que a sua arma...bem...era um tanto diferente. O projétil acertou em cheio o vidro do carro e dona Neusa quase em pânico com aquela sujeira enfiou o pé no freio, os carros buzinando atrás. Ignorou completamente o buzinaço dos veículos e ao abrir o porta-luvas para pegar um papel higiênico para limpar o vidro ouviu o estrondo. Um caminhão vermelho Scania, do tipo jamanta de 20 marchas atravessou o cruzamento no farol vermelho, e se chocou com o carro da faixa ao lado da que estava dona Neusa. O motorista estava sozinho no Fiesta verde abacate que ficou completamente destruído, mas ele
sobreviveu.
Dona Neusa boquiaberta viu que tinha sido salva pelo pombo. Jogou o papel na rua, pensando: Dane-se a rua com essa sujeira! entrou no carro e parou no primeiro lavajato que viu na frente. Como homenagem ao pombinho salvador ela foi a um viveiro de aves, comprou
duas dúzias de pombos brancos e pensou em levar para casa, mas sabia que não conseguiria conviver com a sujeira deles. Abriu as caixas e soltou todos.
Parou de fazer terapia, relaxou um pouco mais com a ordem e a limpeza da casa, começou a fumar e a não se importar com as cinzas pelo seu chão e era vista sempre roendo as unhas. Comecei a viver, ela dizia para quem quisesse ouvir. Fez drad no cabelo, uma tatuagem nas
costas, um grafite na parede do seu quarto e adotou um cachorro. Virou uma radical.

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