A super quarta-feira - por Handerson Pessoa


Edmundo tinha vinte e nove anos e desde os nove fumava intermitentemente, nunca tentando largar o vício mas cuidando para não ficar viciado. Gostava das marcas famosas e sempre preferia as tradicionais. Eram onze e meia da manhã e Edmundo estava preocupado. Haviam apenas outros dois cigarros, nenhum dinheiro no bolso, nem na carteira, nem no banco. Fuçou todos os lugares onde talvez pudesse encontrar algum dinheiro. Cinquenta centavos foi tudo o que achou depois de longos períodos de procura entre seus pertences.
Olhou concentrado na pequena caixa de West nas suas mãos. Com aquele dinheiro não dava para comprar outra. Bela hora para parar, ele pensou. Era a hora do almoço e ele foi para o bar. Além do cigarro, o jogo era outro dos seus vícios. Raramente ganhava, mas naquela manhã achava que poderia ter sorte. Anotou quatro números do código de barras do cigarro e foi até a mesa do apontador.
O sorteio corria ao meio dia e com um MP3 ele ouvia os resultados na mesa da copa da firma onde trabalhava. Não conseguiu segurar um pequeno grito e um soco na mesa quando soube que ganhou. Cinquenta centavos haviam se transformado em novecentos e oitenta reais.
Recebeu o dinheiro três horas depois. Estava no caminho de volta do banco para a sua firma. Parou e apostou de novo. Dez reais nos mesmos números e outros quinze reais em números diferentes. O sorteio agora do jogo do bicho acontecia às quatro da tarde.
Do computador ele acompanhou os resultados. Não acreditou no que viu. Outro palpite correto. Dezesseis mil, quatrocentos e cinquenta e dois reais e dezoito centavos.
Queria comemorar ali na frente de todo mundo, mas se conteve. A lei trabalhista diz que um funcionário pode ser demitido por justa causa pela prática constante de jogos de azar e ele não queria correr esse tipo de risco. Receberia sua pequena bolada no dia seguinte em outra agência para não levantar suspeitas. Era o seu dia de sorte. Fez outras apostas para o sorteio das 18:30 mas não pegou nada. Não se importou. A apenas algumas horas atrás ele estava preocupado por ter apenas cinquenta centavos. O dinheiro multiplicou espantosamente num dia só.
A sorte finalmente havia batido à sua porta e Edmundo não queria desperdiçar nenhum minuto daquele maravilhoso dia. Entrou na lotérica apanhou diversos bilhetes, marcou todos e foi para casa. Acabou dormindo por causa do excesso de vinho. Tinha medo de dormir e acordar com seus cinquenta centavos no bolso.
Acordou com uma terrível dor de cabeça. Chegou atrasado no trabalho. Brigou com o gerente e foi demitido. Ia embora daquele lugar no fim do dia. Abriu um portal de notícias na Internet. Conferiu os números e vomitou ali mesmo no cestinho de papel debaixo da sua mesa. O sorteio número 735 teve apenas um ganhador. Vinte e três milhões, novecentos e setenta e nove mil reais e um troco.
Levantou-se da cadeira, foi até a sala do gerente e disse para ele enfiar aquele emprego ele sabia onde. Foi direto ao banco, recebeu o prêmio, transferiu para outra conta. Uma semana depois estava em sua casa de praia, sentindo a areia quente nos pés, olhando para seu pequeno barco luxuoso. Andou pelo píer e entrou no barco. Pegou sua caixa de West, amassou e jogou na água. Nunca mais, ele disse para si mesmo. Mas como homenagem colocou a caixinha milagrosa do West de dias atrás em uma cristaleira e ninguém tocava nela.
Passou o resto da vida navegando pela águas calmas da costa brasileira, parando em vários quiosques comprando todos os cigarros que conseguia e destruindo todos. Fez campanhas contra o tabaco e teve muitos seguidores. Seu slogan era: "o cigarro pode matar ou destruir você". Mas no fundo sabia que por causa dele, sua vida tinha apenas começado, sem hora certa para parar.

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