O Mal Entendido

Ela nem mesmo quis escutar o outro lado da historia. Entrou no seu carro, um Ford Escort vermelho e bateu a porta com toda a força. Ele achava que os vidros fossem se partir com o choque, mas tudo que aconteceu foram gritos abafados de lá de dentro. Toda sorte de impropérios que ele podia imaginar, mas que não podia ouvir claramente.

E tudo não passava de um grande mal entendido. O carro enguiçou justamente na hora que ele estava vindo para casa da faculdade. Os colegas foram ajudá-lo e enquanto ele se esgueirava por baixo do carro, alguém atendeu seu celular.
- Alô!
- Quem está falando?
- Ahn... é a Letícia.
- Letícia? Mas... este telefone é do Valmir, onde está aquele cretino?
- Calma Vânia, ele não pode atender agora porque ele está com as mãos ocupadas, ele...
- Desgraçado!

Gritou e um silêncio se fez do outro lado da linha. O carro não pegava de jeito nenhum e a cada minuto, a certeza que uma briga estaria para acontecer ficava mais forte.
Vânia o aguardava na entrada do apartamento do namorado, os braços cruzados na frente do corpo em posição de ataque, pronta para despejar sobre ele uma tonelada de estrogênio.
Primeiro foi o tapa. Um tapa estalado, sonoro, que logo se transformou em vermelhidão. Depois foram os predicados: cretino, vagabundo, canalha estúpido e desgraçado, miserável, idiota. “Canalha estúpido” deve ter sido o pior porque os vizinhos que estavam nas janelas para saber o paradeiro daquela discussão se entreolharam.
Antes que ele falasse alguma coisa (ele até agora só tentava se livrar de mais bofetões e pedia em vão que ela entrasse, falasse baixo e resolvessem tudo lá dentro) ela entrou no carro e se foi.
O telefone de Vânia tocou às duas e oito da madrugada. Era a mãe dela
- Filha, como você está?
- Mãe, aquele desgraçado do Valmir estava com outra, mãe, eu ouvi quando aquela mulher atendeu ao telefone e falou que ele estava com as mãos ocupadas e não podia atender porque estava debaixo de não sei o que. Só podia estar debaixo dela.
- Filha, acalme-se...
- Mãe, ele ta me traindo, mãe.
- Filha não é nada disso. Valmir é gente boa. Você estava na casa da Ângela, quase do outro lado da cidade; como eu sei que estava perto do horário do Valmir sair da aula e eu estava ali perto, pedi uma carona para ele, e quando estávamos a sair da faculdade o carro dele quebrou.
- Mas mãe quem é a Letícia que atendeu ao telefone?
- Filha, já se esqueceu que sua irmã se chama Letícia? Estávamos no cinema esta noite, e ela atendeu ao telefone porque ele estava debaixo do carro arrumando alguma coisa lá.
- Ai mãe, paguei o maior mico.
- É, pagou sim, o Valmir é inocente.
- Vou ligar para ele agora, boa noite mãe.
- Boa noite filha

Ele atendeu no primeiro toque. A voz no outro lado da linha agora não era intimidadora, nem apresentava nenhuma sugestão de desafio.
- Amor, me desculpa!
- Claro meu amor, eu entendo você.
- Você sabe, tem dias que eu estou com os nervos à flor da pele. É a TPM
- Não se preocupe, ta tudo bem!
- Amor eu estou ficando uma chata não estou?
- Não, quero dizer só um pouquinho.
- Amor, vem me ver.
- Então abra a porta.

Ela não conseguiu ver o rosto dele porque um enorme ramalhete de rosas o escondia. Ela na hora se perguntou mentalmente onde ele teria encontrado aquelas rosas às duas e meia da manha, mas isso não tinha importância agora.
- Vânia, você é a mulher da minha vida!
- E eu te amo! Me desculpe, como está este rosto?
- Queimando um pouco.
- Me deixa ver.
- Querida não se preocupe.
- Então vamos colocar gelo.

O sol já ia alto quando os dois acordaram. Após as caricias matinais, ele se levantou, entrou no carro e foi para casa. Tudo estava resolvido. Só precisava agora encontrar uma satisfação para dar aos vizinhos e amigos. Agora estava fácil.

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